Capa da publicação Lei da Palmada X educação familiar
Capa: DepositPhotos

Lei da Palmada e suas repercussões diretas no cenário da educação familiar

Leia nesta página:

A presente pesquisa se volta em favor da abordagem da Lei 13.010/14, buscando observar seus possíveis impactos desde a sua publicação , traçando os argumentos favoráveis e contrários à referida legislação, bem como suas implicações na educação familiar.

No Brasil, a educação, ainda hoje, configura-se como uma mixórdia, o que é, indiscutivelmente, um dos pontos fracos do nosso país, mormente se analisados o alto grau de desordem deste, a agressividade da população e o baixo índice de escolarização desta. Por isso, é indubitável que não é de agora que a sociedade brasileira, juntamente com o Governo, protagoniza um panorama de vergonha para a nação, já que a pedagogia só foi encarada com afinco a partir dos anos 70, em um longo processo que foi efetuado de maneira tardia, e que, até então, não imputou resultados plausíveis. Com efeito, o povo brasileiro é, ao mesmo tempo, o indiciado e a vítima, congratulando-se com a vexatória forma de instrução doméstica nacional, atuante, particularmente, nas áreas de menor concentração de renda, onde há o maior número de desamparo e de mazelas sociais, lamentavelmente. Em virtude disso, uma parte dos parlamentares, expectadora dos inabilitados Conselhos Tutelares e da ineficácia do Estatuto da Criança e do Adolescente, resolveu intervir em tal situação, por meio da criação de um Projeto de Lei que robusteceria as imposições do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

A citada lei, posteriormente aprovada, ficou afamada como Lei da Palmada. Esta coíbe a prática de castigos físicos ou condutas atrozes na educação de crianças ou adolescentes. A Lei determina uma pena de 1 a 4 anos de prisão e perda de Poder Familiar para quem a infringir, bem como prevê multa de 3 a 20 salários mínimos destinada àqueles que tomarem ciência dos acometimentos morais ou físicos e, mesmo assim, não efetuarem denúncias. Em virtude disso, o agredido deverá ser encaminhado a um processo de reestruturação psicológica ou psiquiátrica especializado. Segue, então, abaixo a parte do texto da norma, o qual esclarece as exigências desta a seguir:

Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:

I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:

a) sofrimento físico; ou

b) lesão;

II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:

a) humilhe; ou

b) ameace gravemente; ou

c) ridicularize.

 Os defensores da aplicação da lei congratulam a manutenção dos direitos humanos de crianças e adolescentes e, ainda, acreditam na suplantação de um costume ultrapassado, ou seja, a erradicação da arte de fazer pedagogia por meio da violência. Já os contra-argumentadores partem do pressuposto cultural de que a eficiência da educação doméstica pode decrescer expressivamente, ao compasso que, também, o Governo não poderia intervir em assuntos particulares.

Por certo, diante da tentativa de manter a proteção dos jovens reféns de culturas familiares obsoletas em virtude de maus tratos, a Lei 13.010/14 não tenta imputar valores ou crenças às famílias brasileiras, mas é dever desta, a partir do Estado, a garantia de uma educação harmônica como pretexto de garantir um direito concretamente violado. Segundo especialistas, embora tenha sido ‘’batizada’’ de Lei da Palmada, a Lei Menino Bernardo não proíbe a palmada. Em verdade, o que é descrito no texto da norma é a proibição do excesso de castigos físicos, que, na maioria dos casos, corrompem a dignidade humana. Para o criminalista Carlos Kauffmann, a palmada corretiva, ao contrário da abusiva, é permitida: “Se der palmada sem sofrimento físico ou moral e sem lesão corporal, não há problema”.

 Destarte, uma suposta indagação que, certamente, ocupa a cabeça da maioria dos educadores é: Qual é a extremidade do bom senso quando uma criança desafia a autoridade do seu superior?

Por esse lado, é certo que o jovem deverá ser disciplinado e castigado, mas de forma construtiva, na qual ele entenderá o motivo ou o propósito de seu ‘’corretivo’’, bem como haverá uma compreensão da “vítima” de que ela deve obedecer a uma relação hierárquica. Dessa forma, a pedagogia familiar deve funcionar em analogia à norma jurídica, uma vez que a punição não é o fim das leis, mas um meio de moldar novos conceitos, ou melhor, a lei não é feita para torturar ou enclausurar o infrator, mas, seguramente, para prepara-lo a não repetir uma conduta indevida. Portanto, o castigo é um meio válido, mas com restrições, e, assim, não significa que esse tipo de repressão seja o único método para enrijecer a educação doméstica que, no Brasil, em especial, pode-se comprovar que é capciosa e próxima a se tornar calamidade.

 O fato é que muitas crianças são espancadas diariamente em virtude de um aspecto histórico-familiar, pois muitos adultos foram fisicamente e moralmente maltratados quando crianças, trazendo assim para sua condição de educadores esse equivocado comportamento para com seus filhos. Há, portanto, a tentativa de imputar uma certa constância, por uma significativa parte da sociedade, na forma de disciplinar os atuais, isto é, desvenda-se um paradoxo, uma vez que o homem busca evoluir e se capacitar, gradativamente, mas tenta manter costumes rudimentares no convívio social, atitudes estas que, além de ferir a idoneidade, delegariam máculas físicas e morais indesejadas para um aprendiz que posteriormente também ensinará seus descendentes.

 De fato, a conduta hostil de educadores está enraizada não só no Brasil, mas também em diversas sociedades. Mas o que explica tal postura de quem quer ser ‘’seguido’’ por seus sucessores? Será insegurança? Será despreparo?

Pode-se afirmar que as substanciais explicações reveladas a respeito da violência familiar, mormente voltada aos filhos, é a insegurança, a inabilidade para dialogar e imaturidade para enfrentar situações adversas. Nesse sentido, mais do que de qualquer outro fator, a agressividade aniquiladora de personalidades decorre da covardia humana, não para fundamentar um ato de defesa, semelhante a um animal, mas, seguramente, para legitimar seu poder de maneira vil.

No Programa Debate Brasil, com um debate entre o Deputado Marcos Rogério do PDT-RO(Partido Democrático Trabalhista de Rondônia) e a Deputada Érika Kokay do PT-DF(Partido dos Trabalhadores do Distrito Federal), o Deputado introduz o seu discurso alegando que a lei da palmada é redundante com o ECA(Estatuto da Criança e do Adolescente) e transmite a ideia de impunidade, pois os pais não poderiam atuar utilizando a força, a qual, para ele, iria garantir o respeito e a obediência das crianças para com os superiores no cenário doméstico. Segundo ele, houve ofensa à Constituição Federal, devido à forma de votação utilizada para a aprovação da lei, que foi indevida diante de um tema inegavelmente relevante, tratando-se de direitos individuais. Mais tarde, Marcos afirma ser defensor da integridade física das crianças e se opõe plenamente ao espancamento das mesmas, porém ele ressalta que a proteção das detentoras de imaturidade já é assegurada pelo ECA. Além disso, o parlamentar cita o exemplo da sua própria educação, efetuada por métodos rudes, mas que reflete em resultados eficazes hodiernamente.

De certa forma, é plausível um dos argumentos do deputado do PDT que alega que a deficiência está majoritariamente no governo, que apresenta-se omisso. Para ele, o enigma não está na criação de leis ou normas que repudiem tal tipo de conduta dos educadores, o que falta é a estruturação e atuação da máquina pública tanto para providenciar o aparelhamento e suporte dos Conselhos Tutelares quanto para a apuração e o julgamento de casos referentes a esse tema. Nesse sentido, o Deputado menciona que o Estado tenta intervir na superioridade dos pais, e sendo este intitulado como protetor das crianças indefesas, o que, para o parlamentar, soa como uma utopia:

O discurso (dos defensores da lei) é muito romântico, e querem colocar os pais como criminosos, como delinquentes, como quem maltrata, como quem é violento, como quem é o agressor, e o Estado como quem é o superprotetor. Isso faz parte de uma filosofia, isso faz parte de uma ideologia: desautorizar os pais e concentrar poder no governo [...] O Código Penal já diz que lesão corporal é crime: previsão de cadeia[...] O artigo 136 do Código Penal também prevê punição e cadeia para maus-tratos. Eu acho que o “negócio” é romantismo

O então deputado conclui sua tese afirmando que, com aprovação da lei, o pai perde sua autoridade diante de seu(s) filhos, pois não há um consenso determinado de qual repreensão é ilegal e ilegítima para os doutrinadores. Nesse sentido, ele repudia a ação do Estado em relação à educação familiar, uma vez que, segundo Marcos Rogério o Governo não pode determinar uma forma de instrução, este pode, inclusive, supor uma maneira exequível para a abordagem dos pais com os filhos, mas, jamais, para intervir na relação doméstica e particular. Ademais, ele aceita, somente, que o Estado fiscalize os excessos de violência direcionados aos párvulas, sendo isso o dever da instituição estatal para com as famílias.

Já a Deputada Érika Kokay discorda a respeito da inconstitucionalidade das comissões parlamentares, e acredita que a lei dá concretude ao que está previsto no ECA, reafirmando que não há, implicitamente, a impunidade, já que a atitude de punir não requer a agressão. A deputada, e também psicóloga, rejeita o posicionamento dos educadores idealizados pelo lecionamento através de castigos físicos, ressaltando que, hesternamente o Brasil abdicou o uso da palmatória por professores nas escolas e que nós nos encontramos em situação semelhante e somos expectadores dos mesmos argumentos de antes, que, por sinal, eram a favor da tal violentação. Da mesma forma, Érika acena para o fato de a cultura brasileira, de maltratar os lecionados, não tem feito bem à sociedade, devido ao aumento da violência no meio social e da ausência de retidão dos brasileiros. Em virtude disso, a parlamentar atenta para a prerrogativa de que o espancamento não garante o seguimento de valores morais, mas legitima o ‘’poder do medo’’, o que não é algo positivo, pois, segundo a psicologia, o respeito não está atrelado ao medo. Ela acredita, ainda, que as mudanças de comportamento só podem ser obtidas a partir do diálogo e do convencimento. Posteriormente, a parlamentar apela para a existência de uma educação que haja limites, respeito e, indubitavelmente, não haja dor, com a finalidade de evitar a ‘’naturalização da violência’’ e de garantir que os jovens não desdenhem de uma relação de superiores e inferiores, mas adequem-se à uma interação entre respeitador e respeitado:

Nada melhor do que uma educação que haja limites, e os limites são importantes, porque sem limites não há educação. Mas que não haja dor, que não haja medo. Que a criança não aprenda que o mais forte pode anular o mais frágil, e que ela também não aprenda que, quando ela se sentir mais fragilizada, ela tem que se submeter, não tem que se naturalizar a violência. Tanto é que a Legislação prevê que nós possamos investir de forma mais contundente em processos de resolução de conflitos de forma pacífica, para que não tenhamos a violência como uma forma de resolver conflitos, porque isso vai fazer a nossa sociedade violenta, como ela é hoje.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A filiada ao PDT prossegue ressaltando que, por mais que o Estado se mostre oculto e existam artigos, no ECA, abordando a repressão demasiada contra os jovens, a vigência da Lei Menino Bernardo traria uma eficácia não possibilitada pelo que está previsto no ECA, pois é por meio da famigerada lei que a aversão aos maus-tratos será concretizada, pois, embora estes estejam presentes no Código Civil, o cumprimento da norma ainda é abstrato. Nesse sentido, Kokay cita como exemplo o Estatuto do Idoso que irá, também, concretizar os direitos fundamentais do idoso, que inclusive já eram mencionados na Legislação brasileira, mas abordados de maneira abstrata. Em verdade, a referência da Deputada ao preocupante índice de violência da sociedade brasileira pode ser atestada por meio da retratação do número de crianças que presenciam os hospitais em função de ferimentos advindos da convivência familiar.

De fato, em oposição ao argumento de Marcos Rogério, Érika defende que o Estado não tenta adentrar-se no meio doméstico nem, muito menos, usurpar a relação afetiva entre educador e educado, mas que, em muitos casos, a educação precisa ser limitada para que não hajam exageros, visto que a autoridade que não é, de forma alguma, intrínseca aos pais é a de espancar. Em virtude disso, ela garante que o que, em trinta países, a educação foi o meio de dar uma trégua na forma educadora que legitima-se de forma rudimentar, ao compasso que, nestas sociedades, de acordo com o nível de instrução, a agressão tornou-se algo obsoleto e que não mais traria efeitos complacentes, mas que, certamente, acarretaria em consequências pérfidas.

É meramente notório e irrefutável que a lei combate os intempéries sociais relacionados ao devido tema. É justamente por isso que a mesma deve ser mantida e aplicada de maneira intrépida e leal. Assim, é evidente que o ECA e a Lei Maior do Brasil fazem previsão do amparo e defesa das crianças, que obviamente são seres humanos e são iguais perante a lei, mas, é indispensável ressaltar que a Lei Menino Bernardo não contraria a Carta Magna nem dissolve a dignidade humana, muito pelo contrário, a referida lei reitera a necessidade de focalizar a situação dos jovens reféns de aniquilamentos físicos e morais, semelhante a outras ordens legislativas que, da mesma forma, reafirmam a garantia de direitos. Exemplo disso é a Lei Maria da Penha, esta exige a proteção e não-violentação da mulher brasileira, embora esteja decretada na Constituição Federal a igualdade de todos os indivíduos e a aversão à lesão corporal, presente no Código Penal. Nesse sentido, o modelo de lei mencionado no exemplo acena para a divergência de aplicabilidade de preceitos jurídicos, que em tamanha abstração, não abordam, algumas vezes, os casos concretos. Destarte, a discussão não deve voltar-se à reiteração de jurisdições, mas, preferivelmente, ao que, de fato, representa a realidade de uma sociedade e a aspiração da efetivação da justiça. Portanto, como argumenta o ditado popular:” é melhor pecar pelo excesso do que pecar pela falta”, no sentido de que, mesmo diante do lapso e da supressão do Governo, a norma torna a completude física um assunto ainda mais jurídico e, sem dúvida, requer uma égide mais acurada em meio às situações dos injustiçados.

Frente ao contexto brasileiro de uma inflamação formidável referente à Lei da Palmada, vale indagar: quais seriam as consequências da palmada para a vida da criança?

É certo que, pelo fato de o tema ser polêmico e vasto, não há, portanto, uma consequência singular, mas sim várias consequências. A primeira e mais notória é que a criança pode sentir-se traumatizada, por não saber o propósito da violentação. Em seguida, o agredido pode tornar-se agressivo também, passando a considerar o fundamento de que seus objetivos serão logrados através da violência. Segundo especialistas, os párvulas, oprimidos, teriam dificuldades para obedecer ordens, visto que são controlados pela força física. Nesse sentido, a vítima obedeceria, mas pautando-se no receio de apanhar, e não por ter consciência de que sua atitude seria errônea. Na minha concepção, a palmada sutil, que não deixa descréditos morais ou físicos, acompanhada do diálogo, é uma profícua forma de lecionamento e não acarreta em consequências onerosas para o futuro do jovem.


REFERÊNCIAS

AGÊNCIA BRASIL. Lei da Palmada entra em vigor hoje; veja a íntegra da nova norma. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/lei-da-palmada-entra-em-vigor-hoje-veja-integra/> Acesso em 17 de Março de 2015.

JUSBRASIL, Lei da Palmada - Lei 13010/14. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/27491562/lei-n-13010-de-26-de-junho-de-2014> Acesso em 03 de Abril de 2015.

LIMA, Celia, Lei da Palmada: polêmica construtiva. Disponível em: <http://www.personare.com.br/lei-da-palmada-polemica-construtiva-m2038> Acesso em 11 de Maio de 2015.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Jarbas Alves Santanna

Concludente do Curso de Direito Pós-Graduando de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário

Kevin Jonathan Melo Lopes

Graduando em Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos