A cobertura de seguro para doenças graves cobre doenças graves?

04/09/2019 às 11:34
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Seguradora que não informar previamente e de forma clara o real alcance da cobertura de doenças graves não pode recusar a indenização com base em riscos excluídos, devendo observar a amplitude da cobertura que razoavelmente se espera da contratação

A pergunta parece redundante, mas por incrível que pareça, a resposta pode não ser tão óbvia assim. Inúmeras são as doenças graves, mas pouquíssimas e, ainda, com restrições, são as que costumeiramente se enquadram na cobertura do seguro.

À exceção de alguns poucos produtos oferecidos no mercado, a grande maioria das apólices, embora sob a denominação de cobertura para “doenças graves”, cobrem apenas e tão somente Infarto, Acidente Vascular Cerebral, Câncer, cirurgia coronariana, insuficiência renal e transplante de órgãos.

Mas não é só. Não basta o diagnóstico de alguma das doenças acima. Para acidente vascular cerebral, por exemplo, algumas apólices, com redações pouco claras, restringem a cobertura apenas para aqueles AVCs que causem “paralisia irreversível”.

Também não é qualquer tipo de câncer, e nem tampouco a necessidade de transplante de qualquer órgão, que a cobertura abarca.

Com tantas restrições e exclusões de cobertura, esse tipo de seguro, no mais das vezes, induz o segurado/consumidor em erro, fazendo com que ele contrate um seguro com muito menos abrangência do que razoavelmente se espera do nome do produto “doenças graves”.

Essa situação é ainda pior pelo fato de que raríssimas são as vezes em que é fornecida ao segurado, previamente e de forma clara (como manda a Lei), a devida informação acerca da cobertura e de seus riscos excluídos, limitando-se  a assinar uma proposta de seguros com a indicação de cobertura para “doenças graves”, sem maiores esclarecimentos.

Tal situação, entretanto, não pode prejudicar o segurado que, imbuído de boa-fé, contratou gato por lebre, levado a engano por descumprimento do dever de informação por parte da companhia de seguros.

Ausente a devida informação por parte da companhia de seguros, a amplitude da cobertura deve refletir a legítima expectativa do consumidor, ou seja, o que se espera da cobertura do seguro e, principalmente, do nome do produto. Em outras palavras, se contratou cobertura para doenças graves, sem ter sido informado acerca das delimitações do risco coberto, deve ter cobertura para doenças graves de maneira ampla.

Há mais de 25 anos estão em vigor os arts. 46 e 54§ 4º do Código de Defesa do Consumidor, os quais preveem expressamente que:

Art. 46 – “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”

Art. 54 § 4ª – “As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”

Por sua vez, a SUSEP, por meio de sua Circular nº 302/2005, assim dispõe, em seu art. 99:

“Art. 99 - O nome do plano de seguro deverá manter estreita relação com o tipo de cobertura oferecida.

Parágrafo único. O nome fantasia dos planos de seguros comercializados, se utilizado, não deverá induzir os segurados a erro quanto à abrangência da cobertura oferecida”

Sobre o tema, assim vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça:

“1. Por se tratar de relação de consumo, a eventual limitação de direito do segurado deve constar, de forma clara e com destaque, nos moldes do art. 54, § 4º do CODECON e, obviamente, ser entregue ao consumidor no ato da contratação, não sendo admitida a entrega posterior. 

2. No caso concreto, surge incontroverso que o documento que integra o contrato de seguro de vida não foi apresentado por ocasião da contratação, além do que a cláusula restritiva constou tão somente do "manual do segurado", enviado após a assinatura da proposta.

Portanto, configurada a violação ao artigo 54, § 4º do CDC.”[i]

Portanto, a seguradora não pode frustrar a legítima expectativa criada por ela mesma no segurado, ante a falha no dever de informar acerca da real amplitude da cobertura, devendo, neste caso, arcar com o ônus da sua conduta.

Autor: Sandro Raymundo, advogado especialista em seguros pela FGV/SP

Ainda sobre o dever de informação da seguradora e as consequencias do seu descumprimento, assista também entrevista com advogado especialista em seguros.


{C}[i] RESP 1.219.406/MG, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, v.u., j. 15-02-2011, in www.stj.jus.br

Sobre o autor
Sandro Raymundo

Advogado especialista em Seguros pela FGV/SP, graduado pela PUC/SP, Vice-Presidente da Comissão de Direito Securitário da OAB/SP - Subseção Jabaquara-Saúde, associado e Membro do Grupo Nacional de Trabalho da AIDA - – Association Internationale de Droit des Assurances - Seção Brasileira, Presidente do Instituto Segurado Seguro, Membro da ANSP - Academia Nacional de Seguros e Previdência e do IBDS - Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, sócio do escritório SRSH Advogados, www.srshadvogados.com.br, coautor e coorganizador do livro Antologia do Direito do Seguro e fundador do canal "Segurado Seguro" no YouTube.

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