O cheque

considerações acerca desse título de crédito sob o olhar dos tribunais.

29/08/2019 às 21:43
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O cheque é um título de crédito muito utilizado no Brasil. Saber a forma que os Tribunais julgam demandas do tema é essencial para ter sucesso em ações judiciais. Esse é o foco do artigo, ver algumas posições dos tribunais sobre esse título cambial.

INTRODUÇÃO:

A sociedade brasileira tem por hábito a utilização dos cheques para adquirirem produtos e serviços de todas as ordens. Tanto para compra de bens de pequeno valor, como de grande vulto, podem ser adquiridos com o citado título de crédito.

É claro que com a criação de outras formas de pagamento, como o cartão de débito e crédito para a aquisição produtos e serviços, o uso dos cheques vem sendo mitigado com o passar dos anos. Entretanto, não há como negar que o título de crédito ainda tem sua utilização difundida nos hábitos comerciais brasileiros, tendo em vista que possui muitas vantagens em sua utilização, apesar de possuir desvantagens também, como se diz abaixo.

Dentre as vantagens da utilização dos cheques, podemos citar a sua facilidade de aquisição – basta ser correntista de algum banco e cumprir os requisitos da legislação e da instituição financeira que o cliente terá acesso aos cheques para sua emissão; outra vantagem, como já citado, é que ele pode ser usado para adquirir bens e serviços de todos os valores e, tendo fundos e não incorrendo em algum outro motivo para devolução, ele será pago pela entidade sacada. Como desvantagens, podemos citar o fato de o talonário costuma ser grande, assim, gera dificuldade de seu porte junto ao correntista (em comparação com os cartões); outro ponto é que o cheque, por muitas vezes, pode ser fraudado. Assim sendo, a pessoa que recebe o cheque não tem certeza se o cheque será compensado (um dos motivos que faz com que esse título de crédito estar sendo deixado de lado).

Apesar das considerações ditas acima, o fato é que muitos são os comerciantes que gostam de trabalhar com o cheque e, mesmo tendo sido diminuída a sua utilização, longe está o momento de sua extinção, ao que tudo indica.

Uma vantagem não dita acima e que faz com que muitos gostem da utilização do cheque é que ele, pelos usos e costumes, ele foi transformado em um título de crédito, com o qual se pode efetuar compras a prazo, graças à possibilidade de se efetuar a sua pós-datação. Outra grande vantagem é a possibilidade de os beneficiários (normalmente pessoas jurídicas) poderem utilizar o título para desconto em instituições financeiras.

Por tudo citado acima, vê-se que o cheque deve ser estudado e entender suas nuances pode ajudar aos que se utilizam do título de crédito para terem mais segurança em sua utilização, minimizando os riscos de perda, por exemplo. E, caso ocorra alguma situação em relação aos cheques, é importante que se saiba como fazer para reaver os valores inscritos na cártula.

O presente artigo jurídico se dedica a conhecer e explicar mais um pouco sobre o título de crédito, mas com um olhar em alguns julgados de nossos tribunais. É essencial essa preocupação, pois, nas situações concretas, são esses julgados que nortearão a atuação dos advogados, para que tenham uma maior chance de sucesso nas demandas por eles patrocinadas.

O artigo se iniciará com uma breve explicação sobre o cheque e seus detalhes para, posteriormente, se observar três julgados que são ricos em ensinamentos sobre esse título de crédito. Nesse sentido, far-se-á uma análise geral sobre o tema, com vários pontos que lhe são inerentes e com grande importância prática nas lides.

A importância do tema se mostra pela grande utilização do cheque no Brasil. Sendo muito utilizado, existe a possibilidade de ter muitas demandas nesse sentido. Esse é o motivo que gerou a curiosidade sobre o tema e também a necessidade desse estudo.


 

1. O CHEQUE:

O cheque é um título de crédito que ainda possui vasta utilização em nosso sistema cambial, apesar de vir perdendo um pouco de seu espaço pela utilização dos cartões de débito e crédito. Inicialmente, nas palavras de Coelho (2018, p. 440), “cheque é ordem de pagamento a vista, emitida contra um banco, em razão de fundos que o emitente possui junto ao sacado”. Em que pese o cheque ser uma ordem de pagamento a vista, pelo costume, ele passou a ser utilizado como crédito para compras a prazo, fazendo-se a pós-datação do mesmo.

Assim, nas palavras de Coelho (2018, p. 439), o cheque é um título de crédito impróprio, já que ele é, nos termos da Lei, mais uma ordem de pagamento que um instrumento de circulação creditícia. Porém, o citado autor continua seu texto dizendo que a maioria dos autores brasileiros afirmam a natureza de título de crédito próprio, ou seja, o cheque é sujeito às regras de circulação e cobrança do direito cambiário.


 

1.1 REQUISITOS DO CHEQUE:

Dentre as várias características dos cheques, cita-se que ele é um título de crédito vinculado (a cártula só pode ser emitida pelo banco sacado); é permitido ao cheque circular, mediante endosso – quando ele possui a cláusula “à ordem”, porém, quando possui a cláusula “não à ordem”, ele só pode ser transferido mediante cessão de crédito (COELHO, 2018).

O art. 1º da Lei do cheque (BRASIL, 1985, online) traz os requisitos desse título de crédito. Isso é importante pois, por ser um título de crédito vinculado, sem esses requisitos, ele perde as características de um título creditício e não se beneficia das regras cambiárias. Dentre esses requisitos, pode-se citar o escrito “cheque” no título, o nome do banco sacado, a indicação do local do pagamento e da data de emissão.

Outro ponto que merece ser destacado sobre o cheque, como já dito acima, é a alternativa da pós-datação do mesmo. O nome utilizado normalmente para esse título de crédito é o “cheque pré-datado”. O termo é usado no costume por imprecisão técnica, mas é assim que o mesmo é conhecido pela população em geral. Nas palavras de Coelho (2018, p. 446):

“O cheque pós-datado é importante instrumento de concessão de crédito ao consumidor. Embora a pós-datação não produza efeitos perante o banco sacado, na hipótese de apresentação para liquidação, ela apresenta um acordo entre tomador e emitente. A apresentação precipitada do cheque significa o descumprimento do acordo”.

A característica representada acima faz do cheque um título de crédito por excelência e, também por ela, os doutrinadores brasileiros entendem, em sua maioria, ser sim o cheque um título de crédito próprio, e assim, sujeito às regras do direito cambiário.

1.2 DO PRAZO DE APRESENTAÇÃO E PRESCRIÇÃO:

Dessa forma, após falar sobre o título de crédito alvo do presente artigo, toca-se ao tema do prazo para apresentação e prescrição do cheque. Existe no Ordenamento Jurídico Pátrio, um diploma legal que cuida dos cheques. É a Lei Federal nº 7.357 de 02 de setembro de 1985. A referida lei traz, em seu art. 33 (BRASIL, 1985, online), o prazo de apresentação dos cheques. Importante frisar que considera-se “mesma praça” o cheque emitido em mesmo local da instituição financeira sacada e “praça distinta” quando emitido em local diverso da instituição financeira sacada. Sobre a prescrição, a mesma lei citada traz em seu art. 59 (BRASIL, 1985, online) o prazo de prescrição do cheque.

Resumindo o tema, o cheque possui 30 dias para sua apresentação (se emitido na mesma praça da instituição bancária sacada) e, a partir daí, 6 meses para prescrever. Se o cheque for emitido em praça distinta da instituição financeira sacada, o prazo de apresentação será de 60 dias e após esse prazo, passa a correr os 6 meses para a prescrição do título.

Esse é um ponto importante de ser tocado pelo fato de antes da prescrição, o cheque pode ser usado como um título executivo extrajudicial, instruindo tal ação de execução. Nesse sentido, tem-se que:

“O cheque somente dispõe de força executiva no prazo de seis meses (Lei n. 7.357/85, art. 59), contado do esgotamento do prazo de apresentação, que é de trinta dias quando a emissão do cheque for na mesma praça do lugar do pagamento, ou de sessenta dias, quando for de outra praça. Passado esse prazo, não se permite mais a execução. Diz-se, nesse caso, que o cheque está prescrito – há prescrição da executividade, mas não há prescrição do crédito. Não caberá mais execução, mas será possível ação monitória, como esclarece o enunciado n. 299 da súmula do STJ: “É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito” (DIDIER JR., MOUTA et al., 2017, p. 294).

Como visto acima, o cheque prescrito perde a característica da exigibilidade que é requisito essencial para se manejar a ação de execução.


 

1.3. PRINCÍPIOS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO:

O cheque é incluído na “classe” dos títulos de créditos e, por esse motivo, existem princípios que ele possui junto com outros títulos. Importante falar sobre esses princípios, pois eles dão aos títulos de crédito certas prerrogativas que fazem com que as pessoas tenham interesse em tê-los em mãos e em pô-los em circulação.

Os princípios são o da cartularidade, o da literalidade e da autonomia. “Pelo princípio da cartularidade, o credor do título de crédito deve provar que se encontra na posse do documento para exercer o direito nele mencionado” (COELHO, 2018, p. 380). O princípio da Literalidade deixa claro que: “o direito decorrente do título é literal no sentido de que, quanto ao conteúdo, à extensão e às modalidades desse direito, é decisivo exclusivamente o teor do título – Messineo” (COELHO, 2018, p. 381). “Pelo princípio da autonomia das obrigações cambiais, os vícios que comprometem a validade de uma relação jurídica, documentada em título de crédito, não se estendem às demais relações abrangidas no mesmo documento” (COELHO, 2018, p. 383).

Dessa forma, tendo-se falado, de forma geral, sobre temas atinentes aos cheques, passa-se a comentar sobre alguns julgados que tocam esse assunto para que se tenha um melhor entendimento de como esse título cambial é tratado pelos Tribunais brasileiros.


 

2. DOS JULGADOS ANALISADOS:

Feitas essas considerações, passa-se a observar os julgados, que serão o principal foco do artigo. Serão observados os itens dos julgados e, a partir deles, serão feitos comentários para que se entenda os sentidos dos trechos dos julgados.

RECURSO ESPECIAL. TÍTULO DE CRÉDITO. CHEQUE. EMISSÃO COM CLAROS. AUSÊNCIA DA DATA DE EMISSÃO. POSTERIOR CONTRAORDEM PARA REVOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. DETERMINAÇÃO DO TERMO INICIAL. PORTADOR DE BOA-FÉ. PRINCÍPIO DA CARTULARIDADE. SUMULA 387/STF. 1. Embargos à execução opostos em 07/11/2013. Recurso Especial interposto em 05/08/2016 e atribuído a este Gabinete em 23/01/2017. 2. O propósito recursal consiste em determinar qual o termo inicial da contagem da prescrição na hipótese em que um cheque dado em garantia, sem a data preenchida, entrou em circulação e, quatro anos após a emissão da contraordem, inseriu-se a data no campo designado. 3. Há muito a jurisprudência permite a existência dos chamados "cheques incompletos", quando emitidos com a omissão de um dos elementos constituintes obrigatórios previstos legalmente, permitindo-se seu preenchimento posterior pelo credor de boa-fé antes de sua cobrança. Nesses termos, veja-se o que consta na Súmula 387 do STF ("A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto"). 4. O termo inicial da prescrição do cheque deve ser a data expressamente consignada no espaço reservado para a emissão da cártula, conforme consta em tese fixada no Tema Repetitivo nº 945. 5. "O interesse social visa, no terreno do crédito, a proporcionar ampla circulação dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa-fé plena garantia e segurança na sua aquisição". 6. Os riscos da emissão de cheque com claros recai particularmente sobre seu emitente, considerando que inoponibilidade de exceção de abuso no preenchimento do cheque quando ele é feito por terceiro portador de boa-fé. 7. Não pode o julgador deduzir a existência de má-fé pelo portador do cheque pelo simples fato do preenchimento da data de emissão ocorrer após a contraordem para revogação do cheque, a não ser que determine expressamente a existência de má-fé pelo exequente, ora recorrido. 8. Recurso especial conhecido e provido. (BRASIL, 2018, Online).
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O julgado acima é do Superior Tribunal de Justiça e é datado de 23 de outubro de 2018. A controvérsia do mesmo nasce de um cheque que foi dado em pagamento com a ausência da data de emissão. E, depois de algum tempo de sua emissão, o beneficiário preencheu a data do título e efetuou a sua cobrança judicial.

A discussão nasce pelo fato de o título cambiário estar incompleto. Como dito acima, a data de emissão é um dos requisitos legais do cheque – o que faz se entender que a falta desse requisito, faria com o que o título perdesse suas características de título cambial. Contudo, os Tribunais entendem que pode o credor de boa-fé efetuar esse preenchimento posterior da cártula para se efetivar a ação de cobrança. O tema já é sólido nos tribunais superiores, o que é demonstrado pela edição da súmula 387 do STF (STF, 1964, online).

O citado julgado também fala sobre o Tema Repetitivo nº 945 do STJ (STJ, 2016, online). Ele traz que, para que a pós-datação do cheque seja válida para ampliar o prazo de apresentação do mesmo, ela deve coincidir com a data descrita na emissão do cheque. Explicando esse ponto, a data que realmente importa e vale para se medir a prescrição do cheque é aquela aposta no campo específico para esse fim na cártula. A forma que o brasileiro está habituado a fazer (colocar a pós-datação do cheque no canto inferior direito do anverso) não tem repercussão em relação à prescrição do título. Esse tema repetitivo também firma que o protesto do título cambial pode ser realizado em qualquer tempo, desde que dentro do prazo da prescrição da execução do título executivo extrajudicial.

Outro ponto que fica claro com o julgado acima é que o termo inicial da prescrição do referido título cambial é a data expressamente consignada no corpo do título. A segurança que se busca com os títulos de crédito é que o credor tenha a maior chance de recebimento de seu crédito. Importante também é frisar que a responsabilidade pelo preenchimento do cheque recai sobre o emitente do mesmo, essa situação reforça a tese que o credor de boa-fé pode preencher o título para ver o seu crédito satisfeito.

Finalmente, o Julgado deixa claro que o julgador não pode supor má-fé do credor pelo simples preenchimento da cártula com data futura para que receba seu crédito, isso – a má-fé – deveria ter sido provado pelo requerido. Por todos os temas expostos, o referido julgado proporciona uma “aula” de direito cambial e demonstra alguns cuidados que o emitente e o beneficiário do crédito devem se resguardar para não terem problemas futuros com o cheque.

Uma ação normalmente manejada para se reaver créditos presentes em um cheque é a ação monitória. Ela tenta, em regra, dar força executiva a algum título que a perdeu. O cheque, quando tem sua ação de execução prescrita, ele perde essa força executiva. Assim sendo, a ação monitória se presta a, com sua sentença, fazer com que se possa buscar os valores presentes no cheque prescrito. O julgado abaixo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, abriga um importante ponto nesse tipo de ação, que é a desnecessidade de se discutir a causa “debendi” do negócio, ou seja, não é necessário se demonstrar o negócio jurídico que deu causa à emissão do título cambial para se pedir os valores inscritos no mesmo. Segue o julgado:

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CIVEL – AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM CHEQUE PRESCRITO – MENÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE – DESNECESSIDADE – INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 531 DA SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ – EMBARGOS APRESENTADOS – TESE DEFENSIVA – DESCONTINUAÇÃO DA CAUSA DEBENDI – ONUS DA PARTE EMBARGANTE – PROVA INEXISTENTE – RECURSO NÃO PROVIDO – SENTENÇA MANTIDA. - Em ação monitória fundada em cheque prescrito ajuizada contra o emitente, é dispensável a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula, que constitui a causa debendi, nos termos do entendimento expresso no Enunciado de nº 531 da Súmula de Jurisprudência dominante do STJ – O oferecimento de embargos, pelo réu, torna a monitória um procedimento de ampla cognição, cabendo-lhe, contudo, desconstituir, eficazmente, o direito alegado pela parte autora, constante de prova escrita – Não se desincumbindo o embargante do seu ônus probatório, lídima a decisão que constituiu o título executivo judicial. (MINAS GERAIS, 2019, Online).

Uma importante característica das ações cambiárias é, exatamente, a de não ser necessário demonstrar a causa “debendi” em suas discussões por parte do credor. Um conceito de “ações cambiárias” é citado por Coelho (2018, p. 451):

A ação cambial é aquela em que o demandado não pode arguir, em sua defesa, matérias estranhas à sua relação com o demandante, em razão do princípio da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé. A generalidade dos títulos de créditos comporta uma única ação cambial, que é a cobrança por meio da execução. Em relação ao cheque, lei específica prevê duas: a execução e a ação de enriquecimento indevido (LC, art. 61). Além delas, cabe também a ação monitória”.

Resta claro, nas palavras do autor o que vem a ser as citadas ações cambiais e ele cita que também é cabível a ação monitória, apesar de não a colocar no rol das ações cambiárias. Como dito, uma das vantagens das ações cambiárias é o fato de não ser necessário se discutir/provar o negócio que deu causa à emissão do cheque, o que se mostra muito vantajoso em várias situações.

No mesmo sentido, Chagas (2017, p. 431) diz que:

“Na ação monitória, o credor poderá ajuizar a demanda instruindo-a com o título de crédito original, desincumbindo-se do ônus da prova, nos termos do art. 373, I do CPC, sem a necessidade de narrativa ou comprovação da causa debendi, sendo que o devedor, ao embargar a monitória, deverá trazer eventual comprovação de fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito do autor constante na cártula, atendendo ao comando do art. 373, II do CPC”.

Porém, isso vale para o terceiro de boa-fé. Em um exemplo, Coelho (2018, p. 452) traz à baila a situação de Antônio toma emprestado de Benedito dinheiro com juros abusivos e pega cheques como garantia de recebimento. Se o cheque não circular, em eventual ação movida por Benedito em face de Antônio por enriquecimento indevido, Antônio poderá discutir o excesso dos juros. Nesse caso, a questão dos juros abusivos poderia ser discutida, mesmo se tratando de questão externa ao título de crédito.

Voltando ao julgado, não pairam dúvidas que a responsabilidade de provar a alegação de situações pessoais como justificativa para o não pagamento do cheque é do emitente. Caso não consiga se desincumbir do ônus, seu pedido deve ser julgado improcedente.

Abaixo, tem-se um novo julgado que pode “arrematar” as ideias relatadas durante todo esse artigo e também para tocar em outra ação cambial, que é a de enriquecimento indevido, também conhecida como ação de locupletamento ilícito. Importante salientar que a ação de execução de cheques não foi contemplada no artigo, por não fazer parte de seu escopo – apesar de se reconhecer a sua importância da mesma no cenário das ações cambiais. Segue o julgado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO ILÍCITO. CHEQUE. DEMONSTRAÇÃO DA CAUSA DEBENDI. DESNECESSIDADE. ÔNUS DA PROVA DO REQUERIDO. INEXISTÊNCIA DAS HIPÓTESES ELENCADAS NO ART. 1.022 DO CPC/2015. I- Frisa-se que nos embargos declaratórios devem ser observados os limites do art. 1.022 do Novo Código de Processo Civil, já que esse recurso não é o meio hábil ao reexame de matéria já decidida ou estranha ao acórdão embargado. II- A ação de locupletamento ilícito tem natureza cambial e é regida pelos princípios da cartularidade, literalidade, autonomia e abstração, sendo dispensada a prova do negócio jurídico subjacente à emissão, já que o cheque continua sendo título de crédito, ainda que sem força executiva, desta forma, não há a necessidade de constar nada mais do que a ocorrência do não pagamento. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS, MAS REJEITADOS. (GOIÁS. 2019. Online).

Apesar de o último julgado do texto ser um Embargo de Declaração, e nele é debatido o fato de não ser o recurso correto no caso concreto do processo, o que é interessante para este trabalho é o item II do julgado. Ele transcreve que a ação de locupletamento ilícito é, de fato, uma ação cambiária, cita os princípios dos títulos de crédito e reforça o fato de não ser necessária a discussão da causa “debendi” para se obter sucesso na citada ação.

CONCLUSÃO:

Este artigo foi pensado para trazer esclarecimentos sobre o cheque, como título de crédito. Falar de algumas especificidades se mostrou necessário para a abordagem em relação aos julgados trazidos ao texto.

Resta claro que o objetivo aqui não foi esgotar o tema que, por óbvio, se mostra vasto e rico em detalhes. Mas o foco foi demonstrar a importância de se entender dos tópicos tratados para que, assim, se diminua o risco de prejuízos por inadimplemento do título creditício.

O caminho proposto foi traçado e seguido. Iniciou-se, falando sobre o cheque, seus requisitos, as questões atinentes ao prazo para apresentação e prescrição da ação executiva. Com o inadimplemento, após o credor tentar meios extrajudiciais e não obter êxito no recebimento dos valores, ele deve buscar o Poder Judiciário para a satisfação da dívida. Nesse sentido, três julgados foram colacionados ao texto para demonstrar pontos que podem, se não forem observados, causar o insucesso das ações cambiárias (de execução e de locupletamento ilícito),de ritos especiais (ação monitória) ou ainda ações de conhecimento (ação de cobrança baseada na relação causal).

Com a análise de temas como: a data de emissão do cheque como fator preponderante à prescrição; quando se é necessário trazer à lide a causa “debendi” - aquela que originou a emissão do título de crédito; a quem cabe o preenchimento da cártula e, em caso de a mesma estar incompleta, o que pode o terceiro de boa-fé, ou mesmo o credor, fazer; que a ação monitória é meio hábil para se conseguir restaurar a força executiva ao título de crédito prescrito. Esses assuntos analisados no artigo podem dar um norte aos operadores do direito para escolherem qual a melhor estratégia a seguir no caso concreto.

Como dito, estudar o cheque é de suma importância pelo fato de o brasileiro o utilizar ainda em larga escala. Caso não se faça esse tipo de estudo, corre-se o risco de se perder em aspectos simples e formais sobre o tema, trazendo prejuízos a todos os envolvidos.

É certo que, até pelo número reduzido de laudas, não se conseguiria aprofundar muito no tema, contudo acredita-se que o escopo foi atingido e o presente texto será de grande valia àqueles que se interessarem pelo título cambial denominado: cheque.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Lei. 7.357, de 2 de setembro de 1985. Dispõe sobre o cheque e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 02 de set. 1985. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7357.htm. Acessado em: 07/08/2019.

BRASIL. STF. Súmula nº 387 de 08 de maio de 1964. DJ de 08/05/1964, p. 1238; DJ de 11/05/1964, p. 1254; DJ de 12/05/1964, p. 1278. Disponível em: www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=387.NUME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas. Acessado em 07/08/2019.

BRASIL. STJ. RECURSO ESPECIAL: STJ - REsp: 1647871 MT 2017/0004924-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI. DJ: 26/10/2019. JusBrasil, 2019. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/643001834/recurso-especial-resp-1647871-mt-2017-0004924-2. Acessado em: 07/08/2019.

BRASIL. STJ. Tema Repetitivo nº 945. Julgado em 27/04/2019. Publicado em 27/05/2016. Disponível em: http://www.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?&l=1&i=945&tt=T . Acessado em 07/08/2019.

CHAGAS, Edilson Enedino das. Direito Empresarial Esquematizado – 4 ed. - São Paulo : Saraiva, 2017.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1 – 22. ed. rev. e atual. – São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2018.

DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael Adexandria. Curso de Direito Processual Civil: execução – 7. ed. rev., ampl. E atual. - Salvador : Ed. Juspodivm, 2017.

MINAS GERAIS. TJMG. APELAÇÃO : AC : 10433092713372002 MG, Relator: Marcio Idalmo Santos Miranda. DJ: 12/06/2019. JusBrasil, 2019. Disponível em: https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/720697821/apelacao-civel-ac-10433092713372002-mg/inteiro-teor-720698190?ref=serp. Acessado em: 07/08/2019.

GOIÁS. TJGO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO. APELAÇÃO (cpc): 00414331320158090137. Relator: MARIA DAS GRAÇAS CARNEIRO REQUI. DJ: 21/02/2019. Disponível em: https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/712540320/apelacao-cpc-414331320158090137?ref=serp. Acessado em 07/08/2019.

Sobre o autor
Vinícius de Sousa Cardoso

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Advogado inscrito na OAB/GO nº 52.487. Sócio fundador do escritório Rosa & Cardoso Advocacia. Pós-graduando em Advocacia Cível pela ESA~MG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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