Prescrição e Decadência: doutrina e legislação

27/07/2019 às 09:10
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Análise doutrinária sobre o texto legal correspondente aos institutos da prescrição e decadência.

RESUMO: Neste artigo propomos o estudo sobre os institutos da prescrição e da decadência, abordando os conceitos, as teorias e as diferenças. O estudo se desenvolveu através do método bibliográfico-descritivo trazendo uma abordagem dogmática a respeito do Código Civil de 2002 que por meio do princípio da operabilidade diferencia prazos de decadência e da prescrição. O tempo e a inércia são os elementos comuns aos institutos aqui abordados, no entanto são recepcionados de maneira distinta logo que a prescrição consiste na neutralização da pretensão, enquanto a decadência consiste na perda do próprio direito. O Código Reale expõe em toda sua extensão os prazos decadenciais, resumindo os prazos prescricionais aos artigos 205 e 206 facilitando o estudo por parte dos operadores do direito que se viam perdidos frente a não diferenciação dos institutos pelo Código Beviláqua(1916). 

Palavras - chave: Prescrição. Decadência. Código Civil. Prazo. 


1. INTRODUÇÃO

O ser humano, como abordou Aristóteles, vive em sociedade e conseqüentemente é um ser político. A convivência entre os homens não é pacifica e o decurso temporal desde os primórdios até os dias atuais corroboram a tese dos conflitos humanos pelos bens da vida. O Direito aflora como aparato para resolução dos conflitos, sendo uma ciência que se aprimora e corrige os erros do passado através da coerção que é inerente ao seu processo evolutivo. 

Destarte, a resolução de conflitos dava-se por intermédio da força(autodefesa), no qual aquele que fosse mais forte venceria o conflito e inexoravelmente teria direito ao bem da vida e a sujeição da pretensão alheia. Com o fortalecimento do Estado a resolução dos conflitos passa do privado para o público, ocorre uma transferência do jus persecutionis e jus punitionis a figura estatal (auto-composição). Nessa nova forma de resolução de conflitos destaca-se o monopólio da jurisdição pelo Estado, prezando pela solução dos litígios de forma justa, pacifica e imparcial. 

A prescrição e a decadência enquanto institutos do Direito surgem no Império Romano. O Direito Romano Antigo entendia que as ações eram dotadas de caráter perpetuo, podendo as partes recorrer a qualquer tempo. Mudanças ocorreram frente a necessidade de adaptação e complementação do direito pretoriano ao direito romano primitivo, além do regime anual que se encontravam os pretores forçando-os a julgar dentro de seu período de jurisdição. Portanto, a prescrição e a decadência adquirem características temporais de perda do direito ou pretensão deste; sendo objeto de discussão por doutrinadores a respeito do que vem a diferenciar os institutos. 

O presente trabalho aborda os conceitos, teorias e distinções dos institutos da prescrição e decadência visando uma compreensão ampla sobre o tema, por conseguinte o método de abordagem do Código Civil Brasileiro baseada no princípio da operabilidade de Miguel Reale que visa o profissional do direito a partir do momento que diferencia os prazos de prescrição(expostos nos artigos 205 e 206 do Código Civil) dos prazos decadenciais(espalhados por todo o ordenamento). 

2 . Prescrição

Antes mesmo de conceituar o que significa prescrição e decadência é necessário entender que tais institutos decorrem da projeção de efeitos jurídicos pelo decurso do tempo. No qual busca-se conferir equilíbrio e segurança às relações jurídicas e relações sociais.

 Como preleciona Luís Roberto Barroso:

"[...]é nessa mesma ordem de idéias que se firmou e difundiu o conceito de prescrição(e de decadência, por idêntico), vale dizer, da estabilização das situações jurídicas potencialmente litigosas por força do decurso do tempo."

É necessário observar que tanto a prescrição, quanto a decadência tem como elementos: o decurso temporal e uma conduta omissiva do titular do direito em perecimento(a inércia do titular). 

A prescrição diz respeito aos efeitos que o transcurso do tempo pode causar sobre os direitos subjetivos. Isto porque, segundo Agnelo Amorim Filho3, somente estão submetidos aos prazos prescricionais os direitos subjetivos patrimoniais(aqueles que conferem ao titular uma pretensão de exigir de alguém um determinado comportamento). Desta forma, somente os direitos subjetivos patrimoniais são suscetíveis de lesão ou violação e somente dão origem a prescrição. 

Destarte, os direitos subjetivos extra patrimoniais são imprescritíveis , não havendo prazo para que sejam exigidos. 

Segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:

“[...]surge a prescrição para delimitar um lapso temporal , a fim de que sejam exercitadas as pretensões decorrentes da titularidade de determinados direitos subjetivos patrimoniais pelo seu respectivo titular.”  

Temos o fundamento legal do instituto da prescrição no artigo 189 do Código Civil de 2002. O dispositivo legal, in litteris: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, o qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.” 

No entanto, deve-se observar com cuidado que a prescrição extingue o direito subjetivo, já que se o devedor de bom grado pode honrá-lo voluntariamente. Ocorre apenas a neutralização da pretensão, ou seja, o titular não pode exigir o seu cumprimento em juízo devido o decurso do tempo e a sua inércia.  

     Anota Humberto Theodoro Junior, em seus Comentários ao novo Código Civil, que: 

[...] não é o direito subjetivo descumprido pelo sujeito passivo que a inércia do titular faz desaparecer faz desaparecer, mas o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida que fica comprometido pela prescrição. O direito subjetivo embora desguarnecida da pretensão, subsiste, ainda que de maneira débil(porque não amparado pelo direito de forçar o seu cumprimento pelas vias jurisdicionais), tanto que se o devedor se dispuser a cumpri-lo, o pagamento será válido e eficaz, não autorizando repetição do indébito(artigo 882)[...]. 

2.1 Prescrição Aquisitiva e extintiva

A Prescrição deve ser compreendida a partir da atualidade conceitual, servindo, para extinguir situações jurídicas(prescrição extintiva)e para consolidar relações que se protraem, se perpetuam, no tempo(prescrição aquisitiva). 

A finalidade social de uma e de outra é diversa: enquanto a prescrição extintiva faz desaparecer direitos em face da inércia do titular, a prescrição aquisitiva ou usucapião faz nascer direito real, motivado pela posse contínua de uma coisa. 

2.1.1 Prescrição Aquisitiva 

Segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, no direito brasileiro, a prescrição aquisitiva foi tratada com o nomen júris de usucapião, enquanto o termo vocabular prescrição ficou restrito para a prescrição extintiva. 

No entendimento de Venosa: 

"A prescrição aquisitiva consiste na aquisição do direito real pelo decurso de tempo. Tal direito é conferido em favor daquele que possuir, com ânimo de dono, o exercício de fato das faculdades inerentes ao domínio ou a outro direito real, no tocante a coisas moveis e imóveis, pelo período de tempo que é fixado pelo legislador. São dois os fatores essenciais para a aquisição de direito real pelo usucapião: o tempo e a posse. O decurso de tempo é essencial, porque cria uma situação jurídica. A posse cria estado de fato em relação a um direito." 

É tida como aquisitiva essa prescrição porque, solicitando uma situação fática, pelo decurso de tempo, confere direito real ao possuidor. O direito do possuidor convalesce, ainda que a princípio não seja perfeito. 

2.1.2 PRESCRIÇÃO EXTINTIVA

Sob diferentes aspectos, e em diversas oportunidades, o direito atenta para, a circunstancia temporal. No que tange aos efeitos do tempo nas relações jurídicas, ele conduz à extinção da pretensão jurídica que não se exercita por certo período, em razão da inércia do seu titular. É a chamada prescrição extintiva. Em síntese, segundo o entendimento doutrinário e jurisdicional consagrado, a prescrição representa a perda da exigibilidade de uma pretensão por força do decurso do tempo, mais especialmente, pelo transcurso do período pré-determinado pelo legislador.

2.2 TEORIA DA ACTIO NATA 

Questão de alta relevância prática e teórica diz respeito ao momento de inicio da fluência dos prazos prescricionais. 

Surge a tese da actio nata, na qual é reconhecida jurisprudencialmente e orienta tal questão. Desta forma, segundo tal teoria o inicio da fluência do prazo prescricional deve decorrer não da violação, em si, a um direito subjetivo, mas, sim do reconhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo pelo seu respectivo titular. Com isso, a boa-fé é prestigiada de modo mais vigoroso, obstando que o titular seja prejudicado por não ter tido conhecimento da lesão que lhe foi imposta. Até porque, e isso não se põe em dúvida, é absolutamente possível afrontar o direito subjetivo de alguém sem que o titular tenha imediato conhecimento. Registre-se ser ônus da prova do titular da pretensão a demonstração de que somente teve ciência inequívoca da violação de seu direito subjetivo(patrimonial) em determinado momento posterior à data da violação. Essa prova deve ser objetivamente demonstrada, não bastando meras alegações.  

“Actio nata” – ação ajuizável. Segundo o princípio da “actio nata”, a ação só nasce para o titular do direito vulnerado quando este toma ciência da lesão daí decorrente, iniciando-se a partir de então, o curso do prazo prescricional. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se fixou no sentido de acolher a tese da actio nata, sendo inclusive, editada a Súmula 278. 

Súmula nº 278 do STJ, ipsis litteris: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.” 

2.3 AÇÕES IMPRESCRITÍVEIS

A regra geral é ser toda ação prescritível(noção inferida do artigo 205 do Código civil).O dispositivo, in verbis: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.” 

Na lição de Silvio de Salvo Venosa, a regra não é absoluta. Há relações jurídicas incompatíveis por sua própria natureza, com a prescrição ou a decadência. Desse modo, não se acham sujeitos a limite de tempo e não se extinguem pela prescrição os direitos de personalidade(vida, honra, nome, liberdade, nacionalidade), as chamadas ações de estado de família(ação de separação judicial, a investigação de paternidade). Os bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião e portanto são imprescritíveis. Assim como também o são os denominados direitos facultativos ou potestativos, já que trata-se de ações de exercício facultativo, que persiste enquanto persistir a situação jurídica. 

Conforme Caio Mário de Silva Pereira, enquanto a prescritibilidade alcança todos os direitos subjetivos e patrimoniais de caráter privado, escapam-lhe aos efeitos aqueles direitos que se prendem à personalidade ou ao estado das pessoas, como também os modos peculiares do individuo(exemplos deste seriam o estado de filiação, a qualidade de cidadania, a condição conjugal). Portanto, por maior que seja o tempo decorrido os direitos respectivos nunca perecerão, logo que poderão reclamar pelas ações próprias.    

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2.4 CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO 

Causas interruptivas dizem respeito a circunstâncias que tem potencial de inutilizar o lapso prescricional já iniciado. Desta forma, operada uma causa interruptiva, o prazo prescricional já fluido é aniquilado, voltando a correr, quando cessada a causa que lhe originou do seu início (em síntese, recomeçará a contagem). 

Como bem lembrado por Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2016) convém registrar que as causas interruptivas(de forma genérica) concernem a atos praticados judicialmente. 

A interrupção ocorrerá nos casos citados no artigo 202 do Código Reale(2002), nas referias hipóteses: 

Art. 202, Código Civil: 

A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-à: 

I - Por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

II – por protesto, nas condições do inciso antecedente;

III – por protesto cambial;

IV – pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;

V – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

VI – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.

Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper. 

A interrupção implica na inutilização do prazo prescricional em curso e, quando reiniciada a sua fluência, ele será integralmente reiniciado, voltando ao inicio, salvo a existência de previsão específica em lei. 

2.5 CAUSAS SUSPENSIVAS E IMPEDITIVAS DA PRESCRIÇÃO 

A suspensão gera a paralisação do prazo fluente no exato momento da ocorrência da causa, voltando a correr de onde tinha parado. Já as causas impeditivas evitam que a prescrição se inicie. Ou seja, pendente uma causa impeditiva, o prazo prescritivo sequer inicia.  

Em conformidade com a dicção codificadas, as causas suspensivas ou impeditivas, todas com natureza extrajudicial (ou seja, não decorrendo, de nenhum modo, de ato praticado em juízo), são as seguintes: 

Artigo 197, do Código Civil: 

Não ocorre a prescrição: 

I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; 

II – entre ascendentes e descendentes, durante p exercício do poder familiar; 

III – entre tutelados ou curatelados e seus autores ou curadores, durante a tutela ou curatela. 

 

Artigo 198, do Código Civil: 

Também não ocorre a prescrição: 

I – contra os incapazes de que trata o art. 3;

II – contra os ausentes do Brasil em serviço público da União, dos Estados e dos Municípios; 

III – contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas em tempo de guerra. 

Percebe-se que no inciso I do artigo 198 não ocorre a prescrição contra os absolutamente incapazes (artigo 3º do CC), mas que fluem normalmente os prazos prescricionais contra os relativamente incapazes. 

Em relação ao inciso II do artigo 198 não haverá paralisação do prazo prescricional contra aqueles que estão no exterior por turismo ou lazer ou mesmo prestando serviços à iniciativa privada. 

Aqueles que estiverem servindo nas Forças armadas, só não acontecerá prescrição se estes estiverem em período de guerra, não se aplicando em tempo de paz. 

Artigo 199, do Código Civil de 2002:

Não corre igualmente a prescrição:                     

I - pendendo condição suspensiva;

II - não estando vencido o prazo;

III - pendendo ação de evicção.

Conforme preleciona Venosa, as situações no referido artigo são objetivas, sendo portanto impedimento da prescrição, cujo prazo ainda não iniciou em nenhuma delas, nesse sentido:  

A condição suspensiva é aquela cuja eficácia do ato subordina-se a seu implemento. Enquanto esta não se verificar, não se terá adquirido o direito visado. Assim o direito é condicional, não é direito adquirido, não havendo ainda ação correspondente para assegurá-lo(art. 75 do Código de 1916). Da mesma forma, não há ainda ação exercitável antes de vencido o termo fixado. Evicção é a perda total ou parcial do direito sobre alguma coisa, decorrente de decisão judicial, que o atribui a outrem, que o adquirira anteriormente. Se o terceiro propõe a ação de evicção, fica suspensa a prescrição até o desfecho final. 

2.6 PRAZOS PRESCRICIONAIS 

O código civil estruturou a matéria com simplicidade, organizando todos o prazos prescricionais nos arts. 205(clausula geral) e 206(prazos específicos), restando nos demais dispositivos da Codificação os prazos decadenciais. 

A prescrição ordinária, na ordem jurídica vigente, opera-se em dez anos para qualquer tipo de pretensão. Já os prazos especiais variam, segundo a técnica adotada pelo Código Civil, de um a cinco anos. Destarte, como tais prazos prescricionais são de ordem publica, não podendo ser alterados pela vontade das partes. 

Demonstrando, é possível concatenar os seguintes prazos: 

i) prazo prescricional de um ano: a pretensão dos hospedeiros contra os hóspedes para cobrar consumo não pago; a pretensão do segurado contra a seguradora, seja o seguro individual ou em grupo(de qualquer maneira, lembre-se que a formulação do pedido, em sede administrativa, à seguradora suspende a fluência do prazo prescritivo); a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários, árbitros e peritos  para receber emolumentos, custas e honorários;

ii) prazo prescricional de dois anos: a pretensão para executar a pensão alimentícia fixada pelo juiz;

iii) prazo prescricional de três anos: a pretensão do locador para cobrança dos aluguéis; a pretensão de ressarcimento do enriquecimento sem causa; a pretensão de reparação civil decorrente de danos morais ou materiais, estar submetido ao prazo específico de cinco anos previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Oportunamente, relembrem-se que a nossa jurisprudência vem proclamando a imprescritibilidade da reparação de danos morais e materiais decorrentes de tortura.

 iv) prazo prescricional de quatro anos: a pretensão para prestação de contas pelo tutor ou curador.

v) prazo prescricional de cinco anos: a pretensão do credor de dívidas comuns; a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários. Ressalva há de ser feita para consignar que se a relação travada pelo professor for de natureza empregatícia, a prescrição seguirá o regime jurídico especifico do Direito do Trabalho. O dispositivo enfocado somente tem incidência quando se tratar de um serviço autônomo prestado por um professor, como um curso específico ou uma aula magna, por exemplo. 

3 DECADÊNCIA 

A decadência (também chamada de caducidade)está diretamente ligada aos direitos potestativos. Ao tratar de direito potestativo, são aqueles cujos efeitos podem ser obtidos diretamente pela manifestação de vontade do titular. Destarte, não se pode falar de prescrição, frente ao direito potestativo, já que a prescrição é a perda de pretensão de exigir de alguém um comportamento; enquanto em regra, o exercício dos direitos potestativos depende da vontade de seu próprio titular. Logo, os direitos potestativos são direitos sem pretensão. 

Em síntese, lembrando Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald: “a decadência é a perda do próprio direito(potestativo)pelo seu não exercício em determinado prazo, quando a lei estabelecer lapso temporal para tanto.” 

É importante saber que não havendo prazo em lei para o exercício de determinado direito potestativo, ele não estará sujeito a extinção pelo não exercício, não se submetendo a decadência, e por ser potestativo, nem a prescrição. 

Também relevante fixar que os prazos decadenciais não se interrompem, nem se suspendem, ao revés dos prazos prescricionais. Portanto, a regra geral é que não se aplicam à decadência os dispositivos legais que tratam a suspensão, impedimento e interrupção de prescrição, fluindo o prazo decadencial contra todos automaticamente e sem solução de continuidade. Tem-se como exceção a essa regra: o Código Civil, artigo 207, primeira parte; estabelecendo que o prazo decadencial não corre contra os absolutamente incapazes(CC, artigo 208). 

Cabe ressaltar que enquanto os prazos prescricionais encontram-se expostos nos artigos 205(geral) e 206(especial) do Código Civil; os prazo de decadência(legal) estão previstos no Código Civil em dispositivos diversos. Além disso, como os prazos prescricionais estão organizados, sempre, em números de anos (arts 205 e 206, do CC), e os prazos em dias e meses serão de decadência. 

3.1 PRAZOS DECADENCIAIS 

Os prazos decadenciais, ao contrário dos prazos prescricionais encontram-se espalhados pelo Código Civil. Podemos citar como exemplo de prazos decadenciais: 

Ação de anulação de casamento do menor em idade núbil, não autorizado por seu representante legal, por iniciativa do próprio incapaz(ao deixar de sê-lo, contado o prazo a partir da sua maioridade civil) ou dos representantes(contado o prazo do dia da celebração)ou dos sucessores(fluindo o prazo do óbito do menor), prazo decadencial de 180 dias; 

Ação de anulação de casamento, na hipótese de coação (contado o prazo da data da celebração do matrimônio), prazo decadencial de quatro anos(CC, art. 1560, IV); 

Prazo para o consumidor reclamar (judicialmente ou administrativamente) vícios aparentes ou de fácil constatação, prazo decadencial de 30 dias(se o bem é não durável) ou de 909 dias(se o bem é durável), contados da entrega do produto ou do termino do serviço(CDC, art. 26, I e II); 

Prazo para a minoria vencida nas Fundações impugnar a alteração junto ao Ministério Público, prazo decadencial de dez dias, contados da ciência(CC, art. 68); 

Direito de reclamar a indignidade do herdeiro ou legatário, prazo decadencial de quatro anos (CC, art. 1815, parágrafo único); 

Provar a deserdação alegada em declaração de última vontade pelo autor da herança, prazo decadencial de quatro anos (CC, art. 1965, parágrafo único); 

Anular ato de constituição de pessoa jurídica de direito privado, prazo decadencial de três anos(CC, art. 45, parágrafo único).  

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

É possível e comum a confusão entre prescrição e decadência, já que ambos reúnem os mesmos elementos: inércia do sujeito em exercer o direito(fator subjetivo) e o decurso do tempo fixado em lei(fator objetivo). 

Na lição de Carlos Roberto Gonçalves: 

Para distinguir prescrição de decadência, o atual Código Civil optou por uma fórmula que espanca qualquer dúvida. Prazos de prescrição são apenas e exclusivamente, as taxativamente discriminados na Parte Geral, nos arts. 205(regra geral)e 206(regras especiais), sendo de decadência todos os demais, estabelecidos como complemento de cada artigo que rege a matéria, tanto, na Parte Geral como na Parte especial. 

No entanto, é possível iniciar a distinção ente os dois institutos a partir do que cada um diz respeito, aborda: 

  • A prescrição diz respeito aos direitos subjetivos patrimoniais, ou seja, aqueles que trazem consigo a possibilidade de que o titular exija de alguém um determinado comportamento. 
  • A decadência, por outro lado, concerne aos direitos potestativos, ou seja, refere-se aqueles direitos que dependem tão somente do próprio titular. 

Em síntese, a prescrição atinge os direitos com pretensão(ou seja, direitos subjetivos patrimoniais), enquanto a decadência atinge os direitos sem pretensão(direitos potestativos). 

Em regra, tanto os prazos de decadência, quanto os prazos de prescrição devem estar expressos em lei. No entanto, ocorre a possibilidade de as partes estabelecerem em negócio jurídico, prazos de decadência, o que não ocorre com a prescrição cujos prazos todos expressos em lei. 

No caso de não encontrar-se faz o prescricional especifico para o exercício de determinada pretensão de conteúdo patrimonial, aplica-se a clausula geral expresso no artigo 205 do Código Civil, ou seja, prazo prescricional de dez anos. Em se tratando de direito potestativo(decadência)não existindo prazo estabelecido em lei, não estará sujeito à extinção pelo não exercício. 

Relembrando o ensinamento de Agnelo Amorim Filho, a prescrição diz respeito aos direitos já constituídos e que são ofendidos pelo sujeito passivo, sem que o respectivo titular tenha reagido por ação condenatória , no prazo devido(expostos nos artigos 205 e 206, do Código Civil). Já a decadência refere-se aos direitos potestativos que não foram exercitados pelo titular em determinado prazo. Portanto, quando se tratar de ação constitutiva(positiva ou negativa) cujo objetivo é criar ou extinguir uma relação jurídica, que não foi manejada em tempo útil pelo titular, o prazo será decadencial. 

Resumidamente: 

  • Ações condenatórias submetem-se aos prazos prescricionais. 
  • Ações constitutivas, se houver prazo previsto em lei serão decadenciais(não tendo prazo estabelecido, tais ações constitutivas não se submetem a lapso temporal extintivo).
  • Ações declaratórias sempre serão imprescritíveis.

Quanto à decisão judicial reconhecendo a decadência ou a prescrição é uma decisão de mérito, assemelhada, a toda evidência, a decisão que rejeita o pedido da parte autora.  

REFERÊNCIAS 

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BARROSO, Luís Roberto. A prescrição administrativa no direito brasileiro antes e depois da Lei nº 9873/99. Revista Diálogo Jurídico, v. 1, nº 4, Salvador: CAJ, 2001.

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LEONARDO, Rodrigo Xavier. A prescrição no Código Civil Brasileiro(ou o jogo dos sete erros). Revista da Faculdade de Direito-UFPR, Curitiba, n. 51, p. 101-120, 2010.

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SARAIVA, Carmem Ferreira. Generalidades sobre a prescrição extintiva regulamentada pelo Código Civil. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 4, nº173.Disponível em: <https:www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1209.>Acesso em: 9 nov.2017.

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Sobre o autor
Ícaro Neves Costa Gomes

Advogado. Pós-Graduando em Controladoria e Finanças Públicas pela UNIMAIS (2022). Pós-Graduando em Auditoria Fiscal pela UNIMAIS (2022). Pós-graduado em Direito Público Aplicado pela EBRADI (2021/2022). Bacharelando em Ciências Contábeis pela UNOPAR (2020/2023). Bacharel em Direito pela UESB(2016/2021).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Divergências entre os doutrinadores a respeito dos dois institutos, tal como características similares quanto as definições foram um estimulo ao estudo do tema e elaboração do presente trabalho.

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