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A sucessão, o direito de representação e o sobrinho-neto

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7. DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO

De acordo com o art. 1.853, na linha transversal, somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem.

No mesmo passo, ao observar essa regra, deve ter o imediato entendimento de que quando estiver diante de um caso em que a pessoa seja herdeiro pré-morto, especificamente seus filhos serão chamados a suceder por representação.

Nesse sentido, preleciona GOMES (2012, p. 46) que, “O direito de representação é o mecanismo pelo qual se opera a vocação indireta na sucessão”.

Ainda nessa abordagem, resume:

O fundamento do direito de representação é buscado no Direito de Família, por alguns, na vontade presumida do autor da herança, por outros, e, finalmente, na tutela de legítima expectativa. Há de ser encontrado em consonância com sua finalidade. Visa corrigir o absurdo que derivaria de rigorosa aplicação do princípio segundo o qual o parente mais próximo exclui o mais afastado, pois é incongruente que, se alguém morre deixando um filho e tendo outro morrido antes, os filhos deste fiquem excluídos da sucessão, indo toda a herança para o filho sobrevivo. (GOMES, Orlando. Sucessões. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 47 apud RUGGIERO, ob. cit., p. 508)

Esse fato demonstra que o centro, a parte que toca ao estudo do presente cenário, está diretamente ligada ao art. 1.853 do Código Civil, o qual, tem o objetivo de explicar que na linha transversal, somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido e quando com irmãos deste concorrerem.

A doutrina majoritária explica que a representação sucessória é um benefício que a lei concede aos descendentes de uma pessoa que morreu, os quais são chamados a receber a herança em seu lugar.

Ocorre o direito de representação quando certos parentes do de cujus são convidados a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivesse.

A representação é percebida sempre em linha reta descendente, eventualmente na linha colateral, mas nunca na linha reta ascendente.


8. O SOBRINHO-NETO E O DIREITO DE REPRESENTAÇÃO

Assunto exaustivamente estudado mostra que no Código Civil de 1.916, imediatamente revogado, continha uma regra, segundo a qual, os parentes colaterais de grau mais próximo excluíam os parentes de grau mais remoto.

Com a entrada em vigor, do novo Código Civil em 2.002 percebe que pela via do art. 1.840, em relação a esse assunto nada mudou, ou seja, irmãos do de cujus, portanto, parentes colaterais de segundo grau, excluem da sucessão os tios do falecido, que são parentes colaterais em terceiro grau, bem como os tios-avós e primos-irmãos, que são parentes colaterais em quarto grau.

O direito de representação, na linha colateral atinge favoravelmente, apenas os filhos de irmãos do falecido, quando concorrerem com irmãos deste, o que é exceção à regra acima mencionada, que determina que os parentes mais próximos excluam os mais remotos.

Com destreza, DINIZ (2010, p. 173) enfatiza que “Logo, os sobrinhos só herdarão por representação quando concorrerem com os tios, irmãos do de cujus, representando seu pai, irmão pré-morto do autor da herança”.

Em profunda análise do texto legal, conclui-se que, se ao tempo da morte do autor da herança, constatarem-se filhos de um sobrinho pré-falecido, estes não herdam, pois o direito de representação só atinge os filhos dos filhos do falecido. Sendo estes, sobrinhos-netos.

Não herdam, porque são os sobrinhos-netos, herdeiros de quarto grau e, no caso, estão concorrendo à sucessão com outros sobrinhos vivos.

Nessa situação, a herança é destinada apenas aos sobrinhos, ficando então, os sobrinhos-netos excluídos.

Sendo verdadeira então essa afirmação, seria também verdadeiro dizer que, somente cabe ao sobrinho-neto, a elementar sucessão por direito próprio, que dá-se quando a pessoa é chamada a suceder em virtude de um direito que é seu, não sendo ela representante de ninguém e, não estando assim, no lugar de qualquer pessoa ou em substituição de quem quer que seja.

Ocorre que, uma situação como tal, apenas se verifica se, ao serem chamados os herdeiros a sucessão, não se encontrar nem descendente, nem ascendente, nem irmão, nem sobrinho do de cujus, o que não é impossível do ponto de vista legal, mas inócuo do ponto de vista prático.

Ações judiciais, nas quais figuram sobrinhos-netos reclamando participação nas partilhas, amontoam-se no Poder Judiciário em razão desse dispositivo.

E como exemplo, colaciona-se uma decisão exarada em ação típica, na qual o sobrinho-neto, após ser admitido na partilha pelos herdeiros, é excluído judicialmente em decorrência da lei:

RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. EXCLUSÃO DE COLATERAL. SOBRINHA-NETA. EXISTÊNCIA DE OUTROS HERDEIROS COLATERAIS DE GRAU MAIS PRÓXIMO. HERANÇA POR REPRESENTAÇAO DE SOBRINHO PRÉ-MORTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. No direito das sucessões brasileiro, vigora a regra segundo a qual o herdeiro mais próximo exclui o mais remoto. 2. Admitem-se, contudo, duas exceções relativas aos parentes colaterais: a) o direito de representação dos filhos do irmão pré-morto do de cujus; e b) na ausência de colaterais de segundo grau, os sobrinhos preferem aos tios, mas ambos herdam por cabeça. 3. O direito de representação, na sucessão colateral, por expressa disposição legal, está limitado aos filhos dos irmãos. 4. Recurso especial não provido. (STJ - REsp nº- SP - 3ª Turma - Rel. Min. Nancy Andrighi - DJ 20.10.2011)20

Ensina REIS e ALMEIDA (2011, op. Cit. RODRIGUES, 2006) que “a representação constitui um corretivo à regra de que os mais próximos excluem os mais remotos na sucessão legítima” e que o direito de representação, se justifica por questões de equidade, cujo objetivo é reparar, à luz da sucessão, a perda sofrida pelo representante com o precoce óbito de seu ascendente:

O mesmo entendimento é partilhado por Rodrigues (2006) ao afirmar que o direito de representação tem por fim evitar a injustiça que ocorreria caso um parente mais remoto fosse afastado da sucessão pelo fato de ter seu ascendente mais próximo morrido, precedendo o autor da herança.

Ora, seguindo esse ponto de análise, por certo, parece um contracenso, já que, da mesma maneira que parece injusto o neto não poder receber a herança do avô por ter seu pai pré-morrido, da mesma forma seria injusto, o de cujus, tendo três irmãos, um deles sendo pré-morto e também tendo um filho pré-morto, mas deixando um filho, este, não poder participar da partilha, juntamente com os outros dois irmãos do de cujus.


9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente estudo foi demonstrar a dicotomia na partilha de bens quando se trata de parentes na linha colateral.

O direito estende a herança naturalmente até o terceiro grau mas é freado ao se encontrar com os colaterais de quarto grau.

Parece justo o motivo que levou o legislador a permitir que o descendente de uma pessoa que é herdeira em uma sucessão e pré-morre ao seu autor, receba a parte que a ele caberia.

Mas, seria justo limitar ao quarto grau de parentesco e ainda assim, sob condições tão difíceis de se cumprir?

E o Princípio da isonomia, conhecido como o princípio da igualdade e que é uma das bases da democracia brasileira, estaria ou não, maculado?

Mormente, a correlação do assunto em baila está intimamente voltado aos direitos sociais básicos, é cláusula pétrea gravada na Constituição Federal de 1.988, no título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais no qual está inserido o capítulo I, que cuida dos direitos e deveres individuais e coletivos.

De plano, o art. 5º do ordenamento maior assim dispõe em seu caput, os chamados direitos e garantias fundamentais21.

Arrimando-se nas mesmas orientações, temos as considerações acerca da discriminação tecidas por Joaquim (2014, apud SILVA, 2003, p. 222):

A discriminação é proibida expressamente, como consta no art. 3º, IV da Constituição Federal, onde se dispõe que, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, está: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Proibi-se, também, a diferença de salário, de exercício de fundações e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor, estado civil ou posse de deficiência (art. 7º, XXX e XXXI) JOAQUIM, Nelson – IGUALDADE E DISCRIMINAÇÃO – Disponível em: <https://www.advogado.adv.br/artigos/2006/nelsonjoaquim/igualdadeediscriminacao.htm.>. Acesso em: 18 de março de 2014.

E mais, in casu, especificamente no inciso XXX do art. 5º, a Constituição faz alusão ao direito de herança e a afetação da dignidade da pessoa humana, que para NUNES (2013) significa que:

Assim, para definir dignidade é preciso levar em conta todas as violações que foram praticadas, para contra elas lutar, extraindo-se dessa experiência o fato de que a dig­nidade nasce com o indivíduo. O ser humano é digno porque é. A dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente à sua essência22.

Ensinamentos de Aristóteles moldam que o conceito de justiça assemelha-se “[...] à régua de chumbo utilizada pelos construtores em Lesbos, a qual não é rígida e se adapta à forma da pedra; da mesma forma a Lei deve se adaptar aos fatos”.

Rui Barbosa, inspirado também nas lições de Aristóteles, no discurso intitulado “Oração aos Moços”, escrito aos formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, São Paulo, sustentou que “a regra da igualdade não consiste senão em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam”.

Por isso REIS e ALMEIDA (apud RODRIGUES, op. cit. p.16) afirmam que:

Este direito se firma no propósito de evitar a injustiça que existiria se um descendente mais afastado fosse excluído da sucessão pelo eventual fato do seu ascendente próximo falecido antes do mais distante. Seria iníquo que o neto não pudesse concorrer à sucessão do avô por ter seu pai, filho daquele, pré-morrido ao mesmo.

Para encerrar, fica a máxima empregada por ARISTÓTELES (1996): “[...] justiça e equidade são a mesma coisa, embora a equidade seja melhor”.


REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo. Nova Cultural: 1996

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: editora Martin Claret, 2004.1137b, 30.

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BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 3 ed. Saraiva: São Paulo, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

GOMES, Orlando. Sucessões. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 46; 47.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Volume VII Direito das Sucessões - 3ª Edição. Editora Saraiva 2009.

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HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões brasileiro: disposições gerais e sucessão legítima. Destaque para dois pontos de irrealização da experiência jurídica à face da previsão contida no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, 1 maio 2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4093>. Acesso em: 27 de março de 2014.

JOAQUIM, Nelson – IGUALDADE E DISCRIMINAÇÃO – Disponível em: <https://www.advogado.adv.br/artigos/2006/nelsonjoaquim/igualdadeediscriminacao.htm.>. Acesso em: 18 de março de 2014.

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TJSP, Agravo de Instrumento nº 476.672-4/8-00, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Octavio Helene, j. em 22.05.2007, v.u.. Página 542 • Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II• 02/12/2011 • DJSP. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/32848001/djsp-judicial-1a-instancia-interior-parte-ii-02-12-2011-pg-542>. Acesso em 15 de março de 2014.

TJSP, Agravo de Instrumento nº 4 58.918-4/0-00, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Testa Marchi, j. em 07.11.2006, v.u. Página 542 • Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II• 02/12/2011 • DJSP. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/32848001/djsp-judicial-1a-instancia-interior-parte-ii-02-12-2011-pg-542>. Acesso em 13 de fevereiro de 2014.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões . 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 4.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2003, p.29.

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Sobre os autores
Luiz Hélio Pereira de Jesus

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela PUC - Goiás; Bacharel em Direito pela ESUP - Goiás; Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM

Weiler Jorge Cintra

Professor Mestre da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Luiz Hélio Pereira ; CINTRA, Weiler Jorge. A sucessão, o direito de representação e o sobrinho-neto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5690, 29 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71519. Acesso em: 14 mai. 2024.

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