AS DIFICULDADES ATUAIS DO CONTRADITÓRIO

Leia nesta página:

Advogados discutem a importância do conceito do contraditório

Era uma tarde de terça-feira e o plenário onde se daria o julgamento de mais de 600 processos estava lotado. Anunciada a abertura da sessão, o Em. Desembargador Presidente declarou os processos retirados de pauta e anunciou o primeiro com inscrição para sustentação oral. Dada a palavra ao i. advogado do Autor, este não chegou a se pronunciar, uma vez que foi, de súbito, interrompido pelo Desembargador Relator que, no afã de “evitar perda de tempo”, solicitava ao presidente do órgão judicante a declaração antecipada de seu voto, já adiantando que estava indeferindo a petição inicial.

Ainda da tribuna, insistindo ao presidente para ter devolvida a palavra, o advogado imediatamente arguiu ofensa à garantia do contraditório. Afinal, como é cediço, não pode ser proferida decisão contrária à parte sem que, antes, lhe seja permitida a oitiva (art. 9º, CPC). Argumentou, também, que, mesmo na hipótese em que o Tribunal possa decidir de ofício, há o dever de informar à parte o fundamento para tanto, garantindo-lhe a oportunidade de previamente se manifestar a respeito (art. 10, CPC).

Todavia, não foi isso que se observou. Surpreendentemente, o Relator novamente toma a palavra para dizer que aquelas duas normas processuais “são uma bobagem”, já que haveria outras “trinta e quatro normas” no código que autorizariam o julgamento imediato, nos moldes em que pretendia fazer. Ato contínuo, o Presidente da sessão indeferiu o requerimento do advogado e devolveu-lhe a palavra para que oferecesse a sustentação oral das razões do pedido rescisório, oportunidade em que também poderia enfrentar a questão suscitada de ofício pelo Relator.

Feita a sustentação oral, o relator ratificou seu voto, pelo indeferimento da petição inicial rescisória.

O argumento do trazido pelo i. Relator deixa escapar uma questão de basilar: o contraditório não é apenas uma norma qualquer presente no CPC/2015. Antes de tudo, é princípio constitucional processual, ou seja, um direito fundamental inserido na cláusula que compõe o devido processo legal, consagrado por nossa Constituição de 1988.

O contraditório está em nosso ordenamento jurídico exatamente para evitar situações como a dos acontecimentos narrados. Tal norma objetiva garantir o espaço discursivo de todos os sujeitos processuais para em uma dinâmica policêntrica se construa legitimamente o provimento jurisdicional.

O episódio serve para chamar a atenção para algo mais: a importância da publicidade dos processos judiciais (art. 93 inc. IX CF). Como o advogado provará, em eventuais recursos posteriores, que lhe foi ceifada a oportunidade de exercer tal garantia constitucional, dentro de um contexto de oralidade, como é próprio das sessões de julgamento nos tribunais?

A forma de fazer tal prova é por meio das notas taquigráficas que registram a sessão de julgamento, como decorrência do direito da parte à certidão sobre atos processuais (art. 152 V CPC).

O que deveria ser uma obviedade, ainda precisa de mais esforço para adquirir efetividade no mundo dos tribunais brasileiros. Ainda temos muito o que falar sobre o contraditório, para que ele deixe de ser entendido como mera “bobagem” pelos magistrados.

Luiz Fernando Valadão Nogueira, advogado, professor universitário e procurador do Município de BH
           Flávio Quinaud Pedron, advogado e professor universitário
          Leonardo Silva Nunes, advogado e professor universitário

Sobre o autor
Luiz Fernando Valladão Nogueira

Advogado, procurador do Município de Belo Horizonte; diretor do IAMG (Instituto dos Advogados de Minas Gerais); professor de Direito Civil e Processo Civil na Faculdade de Direito da FEAD; professor de Pós- Graduação na Faculdade de Direito Arnaldo Janssen; autor de diversas obras jurídicas, dentre elas "Recursos em Processo Civil" e "Recurso Especial" (ed. Del Rey); membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos