O caminhoneiro é um cara de classe média

que é explorado em situação análoga ao escravo no Brasil

30/05/2018 às 09:28
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O movimento grevista foi uma necessidade, como forma de reação e de autopreservação, acionada pelo caminhoneiro autônomo, pois há uma intensa inflação armazenada nos custos defasados do setor de transporte

O caminhoneiro é um profissional que trabalha muito e ganha mal, no sentido em que gasta muito em equipamentos e combustível em sua atividade, e é pressionado por todo o universo que o cerca, é um "marinheiro das estradas" que navega como os antigos portugueses em mares revoltos, com direito às tempestades, pirataria e naufrágios.

Em relação à realidade do setor de transportes posso afirmar que possuo algumas informações fidedignas, pois tenho atuado como advogado junto ao sindicato dos caminhoneiros autônomos do Pará, e há uma série de nuances neste tipo de mercado de trabalho, que julgo interessante destacar.

Há por volta de 01 milhão de caminhoneiros autônomos e microempresários que compõem a principal força de trabalho do setor, em paralelo há um alguns milhares de transportadores de médio e grande porte, bem como as famigeradas "transportadores de posto de gasolina" que funcionam somente como intermediários de mão de obra, pois na prática essas "transportadoras" não possuem frotas próprias, simplesmente retiram comissões sobre os fretes contratados, mas, que são efetivamente executados pelos autônomos.

Por outro lado, o perfil do caminhoneiro autônomo é basicamente uma pessoa de classe média que tem vida de estivador, são empreendedores que investem centenas de milhares de reais em seus equipamentos, mas em função de uma vida itinerante não possuem aquela tranquilidade aburguesada de lidar com problemas legais, contratuais e judiciais com aquela paciência de outras pessoas cujo domicílio profissional é menos inconstante.

Em suma, o caminhoneiro autônomo é constantemente trapaceado por todo mundo, seja governo, embarcador, transportadora, destinatário, fiscalização tributária e policiamento pelo Brasil a fora, e é totalmente incapaz de reagir com eficácia quando submetido a diversas práticas criminosas, e corriqueiras, em sua atividades, como é o caso da "carta frete" (recomendo que se faça uma pesquisa do assunto), bem como há uma flagrante discriminação social contra a figura do "caminhoneiro", uma vez que à falta de opções é um trabalhador que normalmente é forçado a estacionar em acostamentos e estacionamentos de postos de gasolina sem qualquer amparo hoteleiro ou de estadia, é meio que uma vida de "cigano", fator este que tem afastado as novas gerações dessa vida sofrida.

Por fim, nestes últimos anos, por uma grande gama de fatores (facilitação de financiamento em massa de caminhões por parte do BNDS, recessão causada pelos governos da chapa PT/PMDB, ausência de fiscalização da ANTT, etc.) ocorreu uma forte pressão para suprimir o valor do custo do frete, assunto que tem sido a principal pauta nos últimos três anos, e, tem sido objeto de reuniões infrutíferas no âmbito do Ministério dos Transportes, e, assim, uma boa parte da pressão inflacionária acabou sendo estocada na manutenção artificial de baixos preços dos fretes.

Há uma intensa inflação armazenada nos custos defasados do setor de transporte, e, creio que em breve essa inflação de custos será necessariamente repassada, sob pena de colapso do setor de transportes.

Em relação ao movimento grevista houve sua necessidade como forma de reação e de autopreservação acionada pelo caminhoneiro autônomo, em meio ao qual tem muita gente em fúria, e neste jogo há diversos sindicatos, associações e comunidades de WhatsApp, digamos que o setor é uma anarquia organizada que se ordena pelo imperativo da sobrevivência, afinal esse é o objetivo de sistemas vitais abertos.

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Sobre o autor
Werner Nabiça Coêlho

Advogado, especialista em direito tributário pela UNAMA/IBET

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Em relação à realidade do setor de transportes posso afirmar que possuo algumas informações fidedignas, pois tenho atuado como advogado junto ao sindicato dos caminhoneiros autônomos do Pará, e há uma série de nuances neste tipo de mercado de trabalho, que julgo interessante destacar.

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