A extradição no Brasil após o julgamento de Cesare Battisti e a quebra do princípio da pacta sunt servanda

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21/12/2017 às 13:07
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4. Quebra da cogência internacional dos Direitos dos Tratados

Requisito essencial para o processamento do pedido de extradição é tratado prévio de extradição entre os Estados envolvidos (Art. 76, Lei 6.815/1980).

O Brasil, além da Itália, possui tratados de extradição com mais 20 Estados: Argentina, Austrália, Bélgica, Bolívia, Chile, Coréia do Sul, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Lituânia, países do Mercosul, Bolívia, Chile, México, Peru, Portugal, Reino Unido, Rússia, Suíça, Ucrânia e Venezuela.

Ainda, tramitam no Congresso para ratificação, os tratados do Brasil com o Canadá, Líbano, Guatemala e Suriname, e em fase de conclusão das negociações com a Romênia e a Ucrânia, Angola, República Dominicana e Peru.

A extradição fundamenta-se nos tratados em que o Estado requerente compromete-se a dar tratamento análogo a situação posterior semelhante.

A extradição também pode se efetivar mediante promessas de reciprocidade, que são feitas caso a caso, podendo ser acatadas ou rejeitadas.

Aqui surgiu o primeiro problema no caso do Presidente da República ao negar a extradição de Cesare Battisti.

Conforme já explanado, o Brasil firmou em 1989 o Tratado de Extradição com a República Italiana que prevê expressamente a entrega de pessoas procuradas para serem submetidas a processo ou para execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal:

“Artigo I

Cada uma das partes obriga-se a entregar à outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciais da parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal.”

No caso da Extradição 1085, nenhum dos impedimentos verificados no artigo III e VI do referido acordo internacional ocorreram, portanto, a uma expressa quebra no respectivo tratado.

A situação ainda se agrava perante toda a Comunidade Internacional, pois ao negar o cumprimento daquele tratado, uma desconfiança é gerada diante das demais extradições, o que poderá gerar inclusive retaliações em pedidos que o Brasil vier a realizar.

Vale salientar que o Brasil é signatário da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, inclusive tendo a ratificado pelo Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009, que estabelece a obrigatoriedade no cumprimento dos tratados.

A Convenção de Viena estipula no seu Artigo 27, que “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Trata-se, pois, de verdadeira e sonhada regra internacional uniformizadora do Direito Internacional e uma importante evolução para este ramo do Direito.

Este Direito supra estatal preconizado no Artigo 27 é a realização formal imaginada pelo filósofo lusitano Luis Cabral de Moncada ao prever o crescimento do Direito Internacional Público, quando então, segundo ele, “terá deixado de ser internacional, interestatal, e terá passado a ser supranacional ou supra estatal” (O Direito Internacional Público e a filosofia do direito, 1955, pp. 70-71), mas que o Brasil se nega a cumprir.

A obrigatoriedade de se cumprir as regras contratadas, além de ser um princípio do Direito Privado, também é um princípio do Direito Internacional, insculpido na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados no artigo 26 como pacta sunt servanda:

“Artigo 26, Pacta sunt servanda - Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé.”

Portanto, no caso da Extradição 1085, nem o principio do pacta sunt servanda foi cumprido, nem o artigo I do Tratado de Extradição firmado com a Itália.

Para explicar o descumprimento das regras pactuais, muitos se embasam na soberania do Estado brasileiro.

Fato é que uma nova sistemática procedimental foi criada para os pedidos de extradição.


Conclusão

A extradição é um processo misto que depende da vontade de todos os poderes do Estado, eis que necessitam de uma celebração prévia de um tratado pelo Executivo, de um aceite pelo Legislativo e da verificação da legalidade pelo Judiciário.

Com o encaminhamento da decisão final sobre o deferimento da extradição ou não para a Presidência da República, o ato deixou de ser vinculada a legalidade para se tornar um ato discricionário, o que importou em uma enorme modificação quanto à estrutura do processo, mesmo ocorrendo tal decisão somente no final do processamento do pedido.

Quanto ao caso específico do Pedido de Extradição 1085 e sua consequente negação ao Estado italiano pelo Brasil, houve uma quebra de um tratado internacional e um desrespeito à norma cogente da Comunidade Internacional quanto ao pacta sunt servanda o que poderá gerar reflexos negativos ao Brasil perante os demais Estados.

Assim, é premente uma revisão do ato perpetrado e consequente verificação das variáveis que influenciaram os destinos dos demais tratados internacionais.


Referências

Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). Extradição. Brasília: Secretaria de Documentação, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência, 2006. Disponível em < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoTematica/anexo/EXT.pdf  > Acesso em 10.10.2008

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Sobre o autor
Everson Manjinski

Professor do Departamento de Direito das Relações Sociais, Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR.

Informações sobre o texto

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