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Teoria das incapacidades: crítica ao Estatuto da Pessoa com Deficiência

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O presente artigo objetiva expor as características do Estatuto da Pessoa com Deficiência e discutir suas principais alterações em nosso ordenamento.

Resumo: Quando se diz sobre incapacidade civil, fala-se também sobre personalidade jurídica, conceitos que estão diretamente ligados entre si, na medida em que a capacidade será dada por quanto pode o sujeito adquirir direitos e deveres. O Código Civil (Lei 10.406/2002) prevê de forma genérica sobre a capacidade em seu artigo 1º, com a previsão de que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Entretanto, tal capacidade pode sofrer limitação de acordo com o previsto em Lei, como o faz o artigo 3º do mesmo diploma legal, determinando quem são os incapazes para exercer os atos da vida civil. Porém, com o advento da Lei 13.146/ 2015, mais conhecido como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, alguns artigos do Código Civil foram modificados, principalmente os que se referiam à incapacidade civil, dando nova redação ao artigo 3º. Com a tal mudança, somente os menores de dezesseis anos passaram a ser considerados absolutamente incapazes, e outros sujeitos que antes eram definidos como absolutamente, passaram a se encaixar como relativamente incapazes. O presente artigo visa estabelecer alguns conceitos básicos referentes ao assunto, trazendo à tona a Teoria das Incapacidades e os dispositivos legais que tratam do tema.

Palavras-chave: Incapacidade Civil. Personalidade Jurídica. Código Civil. Estatuto da Pessoa com Deficiência.


INTRODUÇÃO

Primeiramente, cumpre estabelecer diferenças entre personalidade e incapacidade civil. A primeira, diz respeito ao valor da pessoa, o que é inerente a qualquer ser humano, bem como dita o artigo 2º do Código Civil, ao estabelecer que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Desse modo, a personalidade se refere à qualidade de pessoa, na qual a partir de seu início (nascimento com vida) passa o indivíduo ser sujeito de direitos.

Sílvio de Salvo Venosa (2013, p.137) define a personalidade jurídica como “é a projeção da personalidade íntima, psíquica de cada um; é projeção social da personalidade psíquica, com consequências jurídicas”. Complementando ainda que “A personalidade, no campo jurídico, é a própria capacidade jurídica, a possibilidade de figurar nos pólos da relação jurídica. Como temos no ser humano o sujeito da relação jurídica, dizemos que toda pessoa é dotada de personalidade”.

Diferentemente é a capacidade civil, delineada no artigo 1º do Código Civil, que pode ser definida como a medida da personalidade, traduzindo-se no quanto a pessoa poderá exercê-la. Essa capacidade, pautada no referido artigo, todos a possuem, podendo o sujeito exercê-la pessoalmente ou por meio de algum representante, é a chamada capacidade de direito. Porém, a capacidade de fato nem todos a possuem. Esta última pode ser definida com a capacidade do sujeito de adquirir direitos e contrair deveres.

A capacidade é elemento desse conceito; ela confere o limite da personalidade. Se a capacidade é plena, o indivíduo conjuga tanto a capacidade de direito como a capacidade de fato; se é limitada, o indivíduo tem capacidade de direito, como todo ser humano, mas sua capacidade de exercício está mitigada; nesse caso, a lei lhe restringe alguns ou todos os atos da vida civil. Quem não é plenamente capaz necessita de outra pessoa, isto é, de outra vontade que substitua ou complete sua própria vontade no campo jurídico. (VENOSA, 2013, p. 139)

A incapacidade de fato pode ser total ou limitada. Em caso de ser total, precisará o sujeito de alguém para representá-lo, como os menores de 16 anos, que necessitam de representação dos pais ou responsáveis legais, por não ter qualquer autonomia para exercer os atos da vida civil. Quando, porém, é limitada, há permissão legal para que o sujeito realize certos atos, podendo ser representados ou assistidos por seus pais ou representantes.

Desse modo, quando fala-se sobre incapacidade civil, pode ser esta subdividida em absoluta e relativa. Maria Helena Diniz (2012, p.168) expõe que “A incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser sempre encarada estritamente, considerando-se o princípio de que "a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção”.

Abordando a questão dos deficientes mentais, antes da Lei 13.146/15, estes eram considerados absolutamente incapazes, e necessitavam de representação sempre. Mas, com as mudanças ocorridas, não existe mais ninguém que seja considerado perante a Lei como incapaz se for maior de idade. O que ocorreu, portanto, foi a inclusão do deficiente mental nas relações jurídicas, uma vez que não é mais possível falar de interdição por falta de capacidade quanto a essas pessoas.

Inspirada na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e em seu Protocolo Facultativo (2007), a Lei 13.146/15, denominada como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), surgiu para adequar nosso ordenamento aos parâmetros internacionais de inclusão e estabelecer diversas garantias aos portadores de deficiência.

A partir da promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, notam-se reflexos em diversas áreas do direito, podendo ser destacadas as modificações substanciais de dispositivos do Código Civil, de modo que, no presente artigo, será tratado o regime das incapacidades, com foco nas pessoas com deficiência, que outrora eram tratadas como absolutamente incapazes, e atualmente com a mudança, passaram a ser considerados absolutamente capazes.


1. A ABORDAGEM DA TEORIA DAS INCAPACIDADES NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E ALTERAÇÕES EM FACE DA LEI 13.146/15

Com o objetivo inicial de promover os direitos humanos das pessoas com deficiência e propiciar a inclusão destas na sociedade, a Lei 13.146/16 concretizou as disposições apresentadas na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, de modo a garantir aos portadores de deficiência o exercício de seus direitos de forma plena, visando a liberdade e a equidade.

A Convenção considera pessoas com deficiência as que têm impedimento a longo prazo de ordem física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. Seu Art. 12 estabelece que “As pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida”.

Para adequação as propostas da legislação, foram revogados e modificados diversos dispositivos do Código Civil, especialmente os tangentes à incapacidade, interdição e curatela.

O Código Civil (Brasil, 2002) previa em seu artigo 3º: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I. os menores de dezesseis anos; II. Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III. os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”.

Ocorre que o art. 114 da Lei n° 13.146/2015 determinou uma nova redação do art. 3° do Código Civil, a saber: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”. Desta feita, todas as demais hipóteses de incapacidade absoluta foram revogadas do Código e foram qualificados como relativamente incapazes os que, por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Caio Mário da Silva Pereira (2016, p.232) manifesta-se dizendo: “A enfermidade e a deficiência mentais costumavam importar em incapacidade absoluta, e entendia-se genericamente abrangido pelo Código Civil qualquer estado de insanidade.”

Tais modificações foram realizadas com o objetivo de distinguir a deficiência da incapacidade civil. Sendo a deficiência relativa as barreiras a serem transpostas pelo individuo, o que não infere na capacidade civil do mesmo, sendo esta absoluta ou relativa.

Desse modo, o fim a que se destinou o Estatuto das Pessoas com Deficiência foi o de inclusão social e jurídica, aplicação do princípio da igualdade, além de buscar a dignidade do deficiente, garantindo-lhe direitos que são comuns a todos.

Dentre esses direitos, observa-se que um ponto apreciado pelo Estatuto foi a tutela do direito do deficiente de constituir família e exercer sua sexualidade, como bem cita o artigo 6º da referida Lei. Diante deste novo cenário, é garantido ao deficiente:

a) casar-se e constituir união estável;

b) exercer direitos sexuais e reprodutivos;

c) exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

d) conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; e exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária e exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção,como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (BRASIL, 2015)

Entretanto, a Lei 13.146/15 embora traga várias mudanças positivas para a pessoa portadora de deficiência, traz consigo uma série de indagações a respeito do assunto. Isso porque, a Teoria das Incapacidades se baseia no fundamento de que para existir capacidade, deve existir anteriormente aos sujeitos, aptidão para exercer os atos jurídicos, e concomitantemente, autonomia para praticá-los. A indagação que se faz é se os deficientes detêm o discernimento necessário para resolver suas questões sozinhos, e daí se as garantias que visa a Lei 13.146/15 são realmente efetivas, uma vez que dão total liberdade de agir para tais indivíduos.

A tentativa do Estatuto das Pessoas com Deficiência é estabelecer o equidade no plano normativo e fático para os deficientes mentais, porém, se falta autodeterminação para esses sujeitos, não se pode dizer que são plenamente capazes.


2. OS LIMITES DA CAPACIDADE DO DEFICIENTE MENTAL

Perante o Código Civil sabe-se que o deficiente mental não mais se encaixa dentro da classificação dos incapazes, sendo-lhe dado total liberdade para exercer todos os atos da vida civil. Porém, ao mesmo tempo, sabe-se que essas mesmas pessoas não estão preparadas para dirigir suas vidas, tomando atitudes como qualquer outra, pois possuem suas manifestações de vontade comprometidas.

Inegável é a ideia de que a inclusão social deve ser feita em todas as esferas da vida, de modo a permitir a pessoa deficiente o convívio social pleno, e que o ajuste de suas necessidades devem ser feitas de acordo com a realidade. No entanto, a Lei 13.146/15 rompe de maneira abrupta a barreira colocada para os deficientes mentais, retirando-os da zona de total impossibilidade de exercício dos atos civis para totalmente possibilitados, gerando uma repercussão muito grande acerca de todo sistema.

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Entretanto, infelizmente, na maioria dos casos, o deficiente mental não possui a consciência de que necessita para exercer todos os atos da vida civil, sendo de suma importância o acompanhamento por alguém para conduzi-lo.

A contradição apresentada pelo artigo 2º da Lei 13.146/15 com o restante dos dispositivos apresentados por ela mesma deixa o questionamento ainda mais potencializado, pois determina quem são considerados os deficientes mentais, estabelecendo em sua redação que pessoa com deficiência é “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. A questão é justamente sobre esse ponto, pois tendo o deficiente limitação quanto ao seu poder de agir, a concessão de capacidade somente o desprotegeria de todo e qualquer tipo de perigo, deixando-o vulnerável juridicamente.


3. ADEQUAÇÃO DA NORMA À REALIDADE

A adequação da norma à realidade nem sempre se faz de modo tão fácil, uma vez que pode carregar o mundo fático inúmeras subjetividades que variam de indivíduo para indivíduo. No caso dos deficientes mentais, em especial, a questão não se mostra diferente, pois cada sujeito apresentará seu nível de percepção. Assim, o encaixe de uma norma universal que atenda a todas as situações seria uma idealização.

Assim, o Código Civil de 2002 em sua antiga redação estabelecia que os que por enfermidade ou deficiência mental, não possuíssem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, bem como os que, por causa transitória, não fossem capazes de exprimir sua vontade, eram considerados absolutamente incapazes. Enquanto o artigo 4º, dizia em seu inciso II sobre os deficientes mentais que possuem discernimento reduzido, colocando-os no molde da incapacidade relativa. Essa sistemática permitia uma adequação de cada caso à lei, visto que se o sujeito não tivesse condições de exercer seus atos sozinho, era imposto a ele a necessidade de um representante legal, e caso possuísse alguma consciência, certos atos poderia praticar sozinho. Observa-se que o sistema produzido pela Lei, visava justamente dar a proteção aos comprometidos mentalmente, e adotava uma técnica razoável para tanto.

A verificação se um sujeito poderia ou não exercer totalmente os atos da vida civil se davam a partir da perícia médica, momento na qual seria feita a aferição de “até onde o indivíduo poderia ir sozinho”. Contudo, a partir da vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, os critérios para liberação dos sujeitos a todas atividades da vida tornaram-se indiscriminados.

Caio Mário da Silva Pereira (2016, p.233) complementa o explanado: “Dependendo do grau de deficiência a ser verificado por perícia médica, entendia-se ser o caso de incapacidade absoluta ou relativa. Somente aqueles a quem faltasse, de modo completo, o discernimento, seriam declarados absolutamente incapazes”.

A preocupação que se tem diante dessa problemática, são os prejuízos que uma Lei que em tese veio com o intuito de proteger e dar equidade às relações vivenciadas pelas pessoas com deficiências podem trazer a estas. A cautela do legislador frente a esta situação foi falha, uma vez que se pensada a realidade vivida, os caminhos se fariam diferentes.

Na prática, foi autorizado mediante lei, que as pessoas com deficiência mental governem suas vidas irrestritamente, como se não houvesse para elas limitações cognitivas para tanto.

É notório para todos, a dificuldade que pessoas deficientes mentalmente (além de outras deficiências) possuem diante da sociedade, pois dependem muitas vezes, da empatia, da solidariedade e também do bom senso do próximo para exercerem seus direitos mais simples, como por exemplo, ter garantido o acesso ao lugar preferencial no ônibus. A partir de então, é possível perceber o quanto tais pessoas poderiam sofrer lesões, financeiras principalmente, ao lidar com a má-fé de muitos com quem convivem. É certo afirmar que a inocência para administrar certos atos da vida, colocaria tais pessoas num patamar de um prejuízo eterno, tomando atitudes descontroladas frente a uma população que não está preparada para lidar com esse tipo de situação.

Em todos os âmbitos da sociedade, o deficiente, seja de qualquer tipo, experimenta atitudes discriminatórias, falta de respeito e intolerância. O fato é que não há como igualar pessoas que são diferentes sem criar um meio para que seus direitos sejam garantidos efetivamente, o nome disso seria criar mais injustiças sociais.

Um outro caso como exemplo seria a situação da prescrição, em que extinguindo-se a incapacidade do deficiente, este não mais se beneficiaria da causa impeditiva ou suspensiva para contagem do curso prescricional prevista no artigo 197, III e 198, I do Código Civil. Pode-se pensar em quantos direitos vão estar sendo perdidos pelo deficiente diante desse contexto, em que se não tiverem alguém por perto para tentar os ajudar, não mais encontrarão respaldo jurídico.

Não se trata, porém, de retirar do deficiente mental seus direitos e deveres, mas sim, de saber a dosagem correta para a concessão, afim de que estes mesmos não sejam lesionados em cada esquina que passarem. A norma deve tentar ao máximo proteger quem está em desigualdade, e não criar mecanismos para expor ainda mais aquele de que dela necessita.


4. COMO FICA A INTERDIÇÃO A PARTIR DO INSTITUTO DA CURATELA?

Mediante estas alterações, a pessoa portadora de deficiência pode possuir e herdar bens, ter acesso a empréstimos bancários e controlar suas próprias finanças e torna-se detentora de todos direitos e deveres na esfera civil, deixando o instituto da curatela totalmente sem aplicação, uma vez que agora é considerada plenamente capaz.

A Lei 13.146/15 traz mudanças substanciais, mas não leva em consideração a realidade vivida no Brasil pelos deficientes, sobretudo mentais. Não se pode contar apenas com a boa vontade da sociedade para resguardar os direitos dos deficientes, e o Poder Legislativo tem o dever de assegurá-los. Caio Mário da Silva Pereira (2016) é assertivo quanto ao exposto:

O deficiente mental, embora deficiente, o menor, embora menor, têm o direito, não obstante seu exercício requeira um veículo técnico, no instituto da representação. Aquele que ignora o seu direito tem no assegurado pelo ordenamento jurídico, como poder de querer, que realizará efetivamente a qualquer instante. (PEREIRA, 2016, p.48)

Pode-se dizer que o que de fato assegura os direitos do deficiente mental é o sistema de interdição, na qual por meio de outra pessoa, poderão ser realizadas todas as atividades necessárias para a vida do indivíduo.

Maria Helena Diniz (2012, p.198) pontua que “A proteção jurídica dos incapazes realiza-se por meio da representação ou assistência, o que lhes dá segurança, quer em relação a sua pessoa, quer em relação ao seu patrimônio, possibilitando o exercício de seus direitos.”

Contudo, o Estatuto da Pessoa com Deficiência rompe com todas as possibilidades de interdição.

Maria Helena Diniz (2012, p. 202) apud Washington de Barros Monteiro comenta sobre o instituto: “Fácil é perceber que a curatela é um instituto de interesse público, ou melhor, é um múnus público, cometido por lei a alguém para reger a pessoa e administrar bens de maior que, por si só, não está em condições de fazê-lo, em razão de enfermidade mental ou de prodigalidade”.

O autor Caio Mário da Silva Pereira (2016) traz suas considerações:

Apurada a insanidade, em processo regular, o juiz pronunciava a interdição do enfermo com a nomeação de curador que o representasse nos atos da vida civil, e observância dos dispositivos especiais da lei de fundo (Código Civil) e da lei formal (Código de Processo Civil). Pronunciando o decreto judicial de interdição, ao interdito era recusada a capacidade de exercício, e, por conseguinte, reputava-se nulo qualquer ato por ele praticado. (PEREIRA, 2016, p. 233)

A sentença dada no processo de interdição apenas declarava a incapacidade do sujeito, em que a partir daí teria todo negócio jurídico praticado por ele seria nulo, em caso de incapacidade absoluta, visto a demonstração de sua enfermidade e falta de discernimento para a prática dos atos. Caio Mário da Silva Pereira Pereira (2016) expõe como será considerado o instituto da curatela a partir de então:

A curatela passa a ser aplicável, segundo a atual redação do art. 1.767 do Código Civil, em princípio, somente aos relativamente incapazes (além dos ébrios habituais, toxicômanos e pródigos, também as pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade). Em redação aparentemente contraditória, o art. 748 do Código de Processo Civil de 2015 admite que o Ministério Público ou os demais legitimados do art. 747 promovam a interdição “no caso de doença mental grave”, criando, com isso, a categoria sui generis do enfermo mental que, podendo exprimir sua vontade, considera-se juridicamente capaz, mas, estando acometido de doença mental, pode ser posto sob curatela. (PEREIRA, 2016, p.234)

A contradição apresentada pelo autor citado, também está presente na Lei 13.146/15, na qual no artigo 84, §1º diz que “Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.” Pouco dá pra se articular bem as ideias com relação ao estabelecido pelo legislador, pois afinal, tal dispositivo estaria criando uma espécie de interdição para alguém que em tese é absolutamente incapaz. Assim, embora a curatela especificada no artigo seja apenas com relação aos atos de natureza patrimonial e negocial (art. 85 da Lei nº 13.146/2015), ainda se mostra incompatível com a atual posição dos deficientes mentais.

Quanto às demais áreas da vida da pessoa com deficiência, totalmente impossível será a interdição, como referido ao longo do presente artigo, o deficiente mental poderá casar, ter filhos, não podendo sofrer restrição alguma, bem como poderá votar (art. 85, §1º da Lei 13.146/2015).

Desse modo, todos os atos dos deficientes serão considerados totalmente válidos, salvo a hipótese de curatela especificada em lei quanto aos atos de cunho patrimonial.

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Sobre as autoras
Laíse Helen da Cruz Pereira Ribeiro

Bacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras de Betim  (MG)

Renata Lorrani Dutra Marques

Acadêmica de Direito pela Faculdade Pitágoras de Betim (MG).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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