O assédio moral como doença profissional, o acidente de trabalho e as formas de indenizações aplicadas pela Justiça do Trabalho

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20/07/2017 às 18:24
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O reconhecimento do assédio moral, e a necessidade de combater essa prática, estão contempladas em normas internacionais, pela União Européia e a Organização Internacional do Trabalho, por meio de legislação específica. O Brasil, porém, ainda carece de uma lei trabalhista que defina o conceito de assédio moral e suas formas de indenização, bem como norma penal que criminalize tal conduta e funcione, também, em caráter preventivo.

1. Introdução

As agressões físicas e psicológicas sofridas com o assédio moral, além de gerar indenização de natureza moral ou material, podem também ser caracterizadas como crime, de acordo com o Código Penal Brasileiro. Porém, no Brasil não existe legislação penal, trabalhista ou civil específica sobre o assédio moral no trabalho. As normas de Direito Civil são utilizadas pela Justiça do Trabalho na fundamentação das decisões de indenização material por assédio moral. Com um mercado de trabalho competitivo, com concorrência na iniciativa privada, a cobrança por resultados na produtividade dos trabalhadores em alguns casos é feita de forma enérgica e desrespeitosa por seus superiores hierárquicos ocorrendo o assédio moral no ambiente de trabalho. O empregador busca o sucesso e o lucro para sua empresa e possui o poder de direção do seu negócio, devendo o empregado obedecer às suas ordens, considerando que uma das características da relação de emprego é a subordinação. A disciplina é fundamental para o cumprimento de metas estabelecidas pela empresa. Porém, quando ocorre à extrapolação do poder de direção e o patrão ofende o empregado de forma física ou psicológica ocorre o assédio moral. O tratamento com rigor excessivo e ofensivo aos subordinados pode causar diversos problemas na vítima, de natureza social no convívio com os colegas de trabalho e de natureza psíquica, podendo causar depressão e afetar a saúde e o relacionamento do ofendido com a sociedade e a família.


 2. Conceito e denominação do Assédio Moral ou Mobbing

 A palavra assédio significa insistência inoportuna contra alguém com perguntas, respostas, propostas ou pretensões. Assédio também significa insistência impertinente, perseguição, sugestão e pretensão constantes em relação a alguém, um conjunto de comportamentos em relação a alguém, conforme citado por Fiorelli et al. (2015, p. 9).

No Brasil, o tema é conhecido pelos operadores do Direito como assédio moral. Porém, historicamente, o tema foi abordado com outras denominações por autores diferentes que escreveram sobre o assunto. existem várias denominações de assédio moral, como por exemplo, bossing, mobbing e acosso moral. São feitas distinções entre assédio moral e o assédio sexual, o bulllying, o acosso psicológico e burnouy. A palavra mobbing é usada na Itália, na Alemanha e alguns países da Europa, essa palavra foi utilizada com sentido de maltratar, perseguir, isolar psicologicamente, também tem o sentido de atitudes hostis e opressão entre crianças que são perseguidas por outras. Na Inglaterra e nos Estados Unidos é utilizada a denominação bullying, que significa intimidar, aterrorizar ou praticar atos cruéis. Nos Estados Unidos é encontrada também a palavra Bossing, que significa chefe autoritário ou mandão.

A expressão acoso moral ou acoso psicológico é utilizada nos países de língua espanhola, no sentido de perseguição, o assédio sexual tem por objetivo vantagem de natureza sexual (Martins, 2015, p. 9-11). No Brasil, esse tema é mais conhecido como assédio moral. Hirigoyen, uma das mais importantes escritoras sobre o tema, cita que o assédio moral no ambiente de trabalho trata objetivamente de conduta abusiva, notadamente, por comportamentos, palavras, atos e gestos causando danos de forma física e psíquica de uma pessoa, colocando em risco o emprego desta ou degradando o ambiente de trabalho, conforme citado em sua obra (2014, p. 66).

O conceito de assédio moral também está definido em dispositivos de caráter internacional, como por exemplo, em Diretiva da União Europeia 2000/78/CE, como discriminação em relação à religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual com o objetivo ou o efeito de violar a dignidade de uma pessoa e de criar um ambiente de trabalho intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, conforme citado por Martins (2015, p.15).

Também, sobre a definição de assédio moral como insistência importuna, perseguição em relação a alguém, que ultrapassa o campo da intenção, do desejo ou ideia, sendo algo perceptível e concreto, uma ação, causando prejuízo psíquico a uma pessoa ou a um grupo de pessoas, conforme citado por Fiorelli et al. : “A palavra “assédio” significa “insistência importuna, junto de alguém, com perguntas propostas, pretensões etc.” (dicionário novo Aurélio) ou “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém” (dicionário Houaiss)” (2015, p. 9-10).                      

Para caracterização do assédio moral ou mobbyng, também é necessário que a conduta seja reiterada e prolongada, considerando que o ataque isolado gera dano moral, mas o assédio é uma conduta persecutória reiterada, conforme citado por Namora e Santos (2013, p. 45). O conceito de assédio moral é amplo. Os autores citam formas diferentes para conceituar a matéria, porém, o entendimento da maioria dos autores é no sentido de caracterizar o assédio moral ou mobbyng, como também é conhecido na Europa, como atitudes reiteradas de perseguição, ofensa moral e psicológica que originados de atos ou atitudes de desrespeito ou desprezo ao ofendido que sofre o assédio moral.

2.2 Espécies de Assédio Moral

O assédio moral pode ser cometido pelo chefe ou pelo empregado, que também pode cometer assédio moral com seu superior hierárquico. Pode ser vertical, quando é praticado pelo superior hierárquico e horizontal quando é feito pelos próprios colegas de um mesmo nível, que não aceitam um empregado no ambiente de trabalho. Pode ocorrer também de forma vertical ascendente, quando um grupo de subordinados ficam revoltados contra o chefe em função de sua forma de administrar, ou vertical descendente que é feito pelo superior hierárquico ao seu subordinado com o objetivo de demonstrar seu poder de comando no local de trabalho (Martins, 2015, p.28-29).

Nessa linha de entendimento, de forma semelhante às espécies de assédio moral ou mobbing, de forma horizontal e vertical, são descritas na forma vertical quando exercido por meio da cadeia hierárquica e horizontal quando os agentes são os colegas de trabalho e combinado se o ataque for simultâneo nas duas modalidades. O mobbing vertical está associado a relações de trabalho autoritárias e o horizontal ao medo de perder o emprego e a pressão para produzir mais e com qualidade, conforme citado por Namora e Santos (2013, p. 45).

Outras espécies de assédio moral também são citadas, como por exemplo, misto, individual, coletivo, coletivo ativo, coletivo passivo, institucional, organizacional ou corporativo, o coletivo é realizado contra um grupo de pessoas, ou por um grupo de pessoas. Pode ocorrer o assédio moral discriminatório com tratamento desigual em razão de sexo, idade, cor ou religião, também pode ser por delegação quando o assédio ocorre por ordem do chefe ao seu subordinado que comete o assédio a um colega de trabalho (Martins, 2015, p.29-30).


3. Das normas internacionais sobre o assédio moral

A Convenção nº 155, de 1981, da Organização Internacional do Trabalho, possui normas sobre a segurança e saúde dos trabalhadores, foi ratificada no Brasil, pelo Congresso Nacional em 1992, foi promulgada pelo Decreto Federal nº 1.254 de 1994, que no artigo 3º, dispõe que a saúde do trabalho abrange além dos elementos físicos, a saúde mental dos trabalhadores. O assédio moral gera graves consequências à saúde mental do trabalhador, com afastamentos por licença médica e benefícios suportados pela Previdência Social com o pagamento de auxílio-doença  (Nascimento, 2015, p.57).

A previsão legal das condutas que são consideradas assédio moral no trabalho são fundamentais para compreensão da matéria pelos operadores do direito, porém, não podemos restringir o assédio moral a apenas alguns tipos de conduta, considerando que têm ocorrido casos cada vez mais diversificados de assédio moral no trabalho. Os princípios fundamentais da Organização Internacional do Trabalho sempre devem ser considerados diante da avaliação de um ato contra o empregado, o fim da discriminação em matéria de trabalho e emprego está entre os princípios elencados, o respeito aos direitos humanos fundamentais sempre deve ser considerado.

A Convenção nº 111, da Organização Internacional do Trabalho, também possui normas sobre discriminação no trabalho, devendo ser reprimido o assédio moral e qualquer forma de discriminação ao trabalhador, essa proibição e determinação de que dever ser reprimido o assédio aos empregados é uma forma de proteção contemplada nos direitos humanos fundamentais (Nascimento, 2015, p.57).

A União Europeia, em 2000, descreveu o conceito de assédio moral, que está definido como discriminação, um comportamento indesejado relacionado à religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual com o objetivo ou efeito de violar a dignidade de uma pessoa, descrevendo de uma forma bem ampla o conceito para que possa ser aplicado em várias situações práticas, esse conceito foi descrito pela Diretiva 2000/78/CE, da União Europeia (MARTINS, 2015, p.29-30).

Conforme cita Nascimento,(2015) a Resolução A5 nº 283/2001, do Parlamento Europeu, sobre o assédio no local de trabalho (2001/2339 (INI)), publicada no Jornal Oficial C, nº 77-E, de 28 de março de 2002, alerta para alguns fatos do assédio moral, como por exemplo, “(i) maior incidência do assédio moral nos contratos a termo e precários; (ii) serem as mulheres as principais vítimas do assédio moral; e (iii) a importância de adotar medidas preventivas do assédio no local de trabalho.” A resolução estimula os Estados-Membros a regulamentarem o assédio moral, por meio de normas ou por negociação coletiva de trabalho (NASCIMENTO, 2015, p.29-30). Embora não exista uma aplicação imediata das Resoluções nos países da Europa, que possuem normas diferenciadas, o reconhecimento do assédio moral e a necessidade de medidas para coibir essa prática já constam entre os objetivos da União Europeia desde 2000, o que demonstra que o assunto é de grande importância e possui repercussão direta na saúde do trabalhador em vários países. 

Na França, o assédio moral é definido pelo Código do Trabalho, Lei 1.152-1, como conduta que atenta contra a dignidade do trabalhador que afeta sua saúde física ou mental, ou prejudica o seu crescimento profissional, vedando a punição ao empregado que denuncia uma situação de assédio ou que recusa a sofrer atos de assédio moral. O Código do Trabalho francês define o assédio moral e protege o trabalhador vítima do assédio, protege aquele que denuncia o ato e testemunha em favor do ofendido, também prevê a nulidade da demissão realizada contra o empregado vítima de assédio, protegendo o emprego, conforme citado por Nascimento (2015, p. 45).

A legislação francesa protege o trabalhador vítima de assédio moral no aspecto físico e no aspecto mental, psicológico, contemplando a saúde do empregado. Também define o assédio moral e o assédio sexual como crime no Código Penal francês no art.222-33-2, com pena de prisão de até 01 ano e multa de 15.000 Euros, conforme citado por Martins (2015, p. 110).  

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A legislação da França na área trabalhista e penal contemplam normas de proteção ao trabalhador assediado, prevendo proteção do emprego, das testemunhas do ato, protegendo o empregado de forma física e mental, contemplando também o assédio moral e assedio sexual como crime e determinando pela de prisão e multa, o que demonstra a relevância da matéria no país. Outros países também já possuem normas sobre o assédio moral no trabalho:

ALEMANHA

O art. 62 do Hessisches Personalvertretungsgesetz (HPVG) e o art. 68 do Bundes Personalvertretungsgesetz (BPersVG) reconhecem: 1) o amplo poder diretivo do empregador. Ele tem o direito de vigiar, de interrogar os empregados sobre comportamentos adotados nos locais de trabalho e sobre elementos relativos à mobbing no ambiente de trabalho (MARTINS, 2015, p.105).

COLOMBIA

O assédio moral foi tipificado na Colômbia por meio da Lei n. 1.010, de 23.1.2006(79). De início, a referida lei, em seu art. 12, parágrafo único, já exclui de seu âmbito de aplicação a contratação administrativa e os trabalhadores autônomos, de modo que se aplica apenas aos empregados e trabalhadores subordinados. De maneira original, o art. 22 da lei colombiana fixa um rol exemplificativo de seis modalidades gerais de assédio(...) (NASCIMENTO, 2015, p.69).

PORTUGAL

Proibição de assédio Artigo 29.º Assédio

1 – Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

2 – Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito referido no número anterior.(...) (MARTINS, 2015, p.115).

SUÉCIA

A Ordenação do Conselho Nacional Sueco de Saúde e Segurança Ocupacionais, de setembro de 1993, que entrou em vigor em março de 1994, estabeleceu que incumbe ao empregador "propiciar que cada empregado tenha o maior conhecimento possível sobre suas atividades e seus objetivos; informações regulares e reuniões no local de trabalho ajudarão a alcançar esse objetivo". O assédio moral foi considerado delito em 1993. Os inspetores do trabalho podem intervir na empresa, ordenando que sejam feitas mudanças para cessar o assédio. (MARTINS, 2015, p.117).

ESPANHA

A Lei nº 62/2003, de 30 de dezembro, conceitua o assédio como toda conduta não desejada relacionada com a origem racial ou étnica, a religião ou convicções, a deficiência, a idade ou a orientação sexual de uma pessoa, que tenha como objetivo ou consequência atentar contra sua dignidade e criar um ambiente intimidatório, humilhante ou ofensivo, abrangendo todos os casos de assédio moral nas relações de emprego com causas ou objetivos discriminatórios. (MARTINS, 2015, p.106).

FRANÇA

O assédio moral é definido pelo art. L 1.152-1 do Código do Trabalho como a conduta repetida que tem por objetivo ou como consequência uma degradação das condições de trabalho suscetível de atentar contra a dignidade do trabalhador, de alterar a sua saúde física ou mental ou de comprometer o seu futuro profissional. (NASCIMENTO. 2015, p.45).

 

SUIÇA

O art. 328 da Legislação do Trabalho prevê que "o empregador é obrigado a tomar todas as medidas necessárias a fim de assegurar e melhorar a proteção da saúde, e garantir a saúde física e psíquica dos trabalhadores [...]. A luta contra o assédio deve fazer parte dessas medidas, pois ele põe em perigo a saúde física e psíquica da pessoa assediada".(MARTINS, 2015, p.105).

Holanda

O Decreto sobre condições de trabalho de 1994 estabelece que os empregadores estão obrigados a evitar que os seus es empregados sejam alvo de assédio sexual, de agressões psicológicas, entre as quais se inclui o assédio moral. (MARTINS, 2015, p.110).

 

 

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Sobre o autor
Felipe Ferraz Merino

Advogado. Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela Funcesi, é docente em cursos de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Uniritter Laureate International Universities, Faculdade Monteiro Lobato, Faculdade de Tecnologia da Saúde e Universidade Paulista (UNIP). Docente em cursos preparatórios para concursos do IDC, Verbo Jurídico e Instituto de Processos em Brasília. Mestrado em Direito da Universidade Fernando Pessoa (UFP). Mestrando em Educação(Aluno-especial) da ULBRA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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