Filiação e autonomia partidária

26/06/2017 às 16:58
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Recentemente, a Justiça Eleitoral passou a examinar casos concretos envolvendo requerimentos de registros de candidatos, cujos estatutos partidários não previam expressamente o prazo mínimo de seis meses de filiação partidária. As controvérsias jurídicas que porventura surjam no pleito eleitoral devem ser sanadas tanto com base no ordenamento jurídico eleitoral, que possui normas próprias e especificas, como na Constituição, na qual aquele busca seus vetores normativos.

Recentemente, a Justiça Eleitoral passou a examinar casos concretos envolvendo requerimentos de registros de candidatos, cujos estatutos partidários não previam expressamente o prazo mínimo de seis meses de filiação partidária.

A discussão jurídica, sob a luz da Constituição Federal, leis eleitorais e normas interna corporis de cada partido político, gira em torno da fixação do prazo de filiação partidária, para o pleito de outubro de 2016.

A sistemática do ordenamento jurídico eleitoral possui vetores normativos fixados na Constituição da República que, sem dúvida alguma, devem funcionar como instrumentos hábeis a solucionar controvérsias jurídicas que podem surgir no processo eleitoral.

Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, mas com função extremamente relevante em nossa democracia.

O eleitor possui o direito fundamental de escolher seus representantes, de forma direta, secreta, prevendo a lei máxima igualdade de voto entre os cidadãos. Entretanto, aos eleitores somente lhes é garantido o direito à escolha dentre os candidatos escolhidos e registrados por partidos políticos e coligações, ou seja, compete aos partidos políticos a escolha prévia antes da submissão dos candidatos ao crivo das urnas.

A Constituição Federal traz em seu artigo 17, o princípio da autonomia partidária para deliberar sobre suas normas internas relativas à organização e funcionamento: Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

§ 1° É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional no 52, de 2006)

§ 2° Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.

Portanto, a autonomia partidária é considerada relevante diretriz e princípio constitucional para aplicação das normas infraconstitucionais a casos concretos que envolvam interesses partidários. A interpretação mais adequada, conforme a Constituição, indica que não compete ao julgador se imiscuir nas decisões internas e meritórias de uma agremiação partidária.

Nessa esteira, a prevalência das normas e deliberações internas é regra que somente poderá ser afastada por infringência explícita à lei eleitoral ou Constituição. Em resumo, uma norma interna ou deliberação partidária é válida e eficaz, salvo se contrariar a CRFB ou a lei.

A Constituição Federal e a legislação infraconstitucional preveem variados prazos para aferição de condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade. Por exemplo, a lei complementar 64/90 prevê prazos de desincompatibilização que variam de 03 a 06 meses antes do pleito; a lei 9304/97 prevê prazo de um ano para inscrição eleitoral na circunscrição, dentre vários outros.

A hipótese a ser examinada diz respeito à filiação partidária, condição de elegibilidade prevista no artigo 14, § 3° da Constituição Federal, que consiste no vínculo entre o eleitor e um partido política. A consumação da filiação partidária se perfaz, exclusivamente, mediante o consenso entre eleitor e partido político, funcionando a Justiça Eleitoral como agente cartorário das informações transmitidas por cada partido, arquivando-as. Havendo dúvidas e controvérsias sobre a regularidade de alguma filiação, cabe ao Juiz decidir.

A legislação eleitoral evoluiu a ponto de considerar, em caso de dupla filiação, válida a filiação partidária mais recente, preservando a vontade final do eleito; evitando discussões jurídicas muitas vezes inúteis e prejudiciais aos princípios da preservação da vontade do eleitor e da livre escolha (artigo 22, Parágrafo único da Lei 9.096/95). A evolução jurisprudencial veio em boa hora para respeitar, em uma relação jurídica privada, o princípio da autonomia da vontade das partes.

Como condição de elegibilidade, a filiação partidária possui prazos fixados em lei, sendo certo que na última reforma eleitoral o artigo 9° da Lei 9504/97 passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 9° Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicilio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito, e estar com afiliação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição. Parágrafo único. Havendo fusão ou incorporação de partidos após o prazo estipulado no (apue, será considerada, para efeito de filiação partidária, a data de filiação do candidato ao partido de origem.

O artigo 9° da Lei das Eleições é clarividente ao estipular um prazo mínimo de 06 meses para a filiação partidária antes da eleição. A nova previsão legislativa revoga qualquer disposição contrária existente em outras normas, sendo certo que nessa relação filiado-partido, a autonomia das partes é a regra prevalente.

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Tanto é verdade que um eleitor pode estar filiado ao partido há décadas e não ser escolhido candidato a cargo eletivo. Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a regra da candidatura nata, prestigiando o princípio da autonomia partidária.

O artigo 20 da Lei dos Partidos Políticos indica, uma vez mais, que ao partido é facultado alongar prazos de filiação partidária, ou seja, seria uma faculdade da agremiação, dependente da deliberação interna corporis, matéria não sujeita a controle judicial.

Entretanto, a aplicação deste artigo 20 hoje é despicienda, visto que o artigo 9º da Lei 9.504/97, lei específica eleitoral mais recente e que rege o processo de escolha de candidatos, fixou o prazo mínimo de 06 meses. Nessa toada, qualquer partido político possui liberdade de escolher seus candidatos dentre aqueles que possuem mais de 06 meses de filiação.

O prazo mínimo de filiação partidária pode ser mitigado, diante de interpretação conforme a Constituição Federal relativa aos militares da ativa, que precisam apenas estar filiados no momento da convenção partidária. Importante destacar dispositivo previsto na Lei 9.504/97 que, novamente, privilegia a autonomia partidária no processo de escolha de seus candidatos:

Art. 7º As normas para a escolha e substituirão dos candidatos e para afirmação de coligações serão estabelecidas no estatuto do partido observadas as disposições desta Lei.

§ 1. Em caso de omissão do estatuto, caberá ao órgão de direção nacional do partido estabelecer as normas a que se refere este artigo, publicando-as no Diário Oficial da União até cento e oitenta dias antes das eleições.

A Constituição Federal outorga ampla autonomia aos partidos políticos, que são os únicos que podem alargar o prazo de filiação partidária para fins de elegibilidade.

Dessa feita, não é razoável ou prudente, restringir o direito político de algum cidadão, com base em uma interpretação formalista ao extremo. O rigor formal não é capaz de limitar o exercício do direito político, muito menos pode afastar a manifestação de vontade de um partido político.

Outro princípio constitucional, que resguarda a interpretação aqui exposta, é o princípio da isonomia e da igualdade entre as partes na disputa, posto que deve-se nivelar o direito de lançar candidatos com menos de um ano de filiação.

Portanto, conclui-se que estará preenchida a condição de elegibilidade da filiação partidária, para o pleito de 2016, de todo e qualquer filiado a partido político até o dia 02 de abril deste ano, ressalvada a exceção do militar da ativa, desde que não haja restrição expressa em norma ou deliberação do partido político.

Sobre o autor
Eduardo Damian Duarte

formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), advogado especializado em Direito Eleitoral e exerce a advocacia junto aos Tribunais Eleitorais, defendendo os interesses de partidos políticos e candidatos. É professor em diversos cursos preparatórios para concursos públicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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