A prescrição administrativa e as nomeações sem concurso

14/02/2016 às 09:11
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O artigo traz à luz caso concreto objeto de decisão judicial em matéria administrativa, em que se entendeu que as nomeações indevidas não poderiam ser desconstituídas após o prazo de cinco anos.

A súmula 685 do Supremo Tribunal Federal determina que é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.

Dir-se-ia que essas nomeações indevidas não poderiam ser desconstituídas após o prazo de cinco anos, que é o tempo no qual a Administração tem para desconstituir seus atos.

Ora, dir-se-ia, outrossim, que há uma situação de fato consumada.

Data vênia, não há direito adquirido ou ato jurídico perfeito contra a Constituição.

Sendo assim, podem ser, em qualquer tempo, desconstituídos tais atos.

Situações que afrontem diretamente a Constituição Federal, como é o caso das nomeações sem seleção pública para funções efetivas na administração, não podem ser mantidas apenas por eventual incidência do prazo de prescrição. As ações para desconstituir esses atos são imprescritíveis.

Aliás, essa a argumentação do Ministro Herman Benjamin, no julgamento do REsp 1.518.267. No caso, as nomeações eram privadas de publicidade. Afinal, não é possível cogitar que um ato administrativo constitutivo de relação jurídica e, portanto, de aumento de despesa aos administrados, como o é o provimento de um cargo público, seja privado da publicidade externa, ou seja: publicação em Diário Oficial, não bastando, para isso, um mero boletim interno. Portanto, o ato discutido é nulo de pleno direito, pois afrontoso à Constituição. E como tal não se consolida com o tempo.

A publicidade e a transparência são princípios e atitudes exigidas de quaisquer administrações num Estado Democrático de Direito.

Consagra-se o dever administrativo de manter plena transparência nos comportamentos da Administração Pública. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (artigo 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.

O princípio da publicidade, sempre é bom lembrar, está previsto expressamente no artigo 37 da Constituição, em seu caput, contemplado em manifestações específicas do direito à informação sobre os assuntos públicos, quer pelo cidadão, pelo só fato de sê-lo, quer por alguém que seja pessoalmente interessado.

Observe-se, ademais, a leitura do artigo 5º, XXXIII (direito à informação) e XXXIV, “b”.

Na esfera administrativa, o sigilo somente se admite, a teor do artigo 5º, XXXIII, quando “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Sabe-se que nessas nomeações há incidência de apadrinhamentos de figuras políticas e ainda de familiares de pessoas da elite local.

Tem-se da redação do artigo 37, II, da CF:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

A Constituição Federal exige o concurso público de provas ou de provas e títulos para investidura em cargo ou emprego público. Ademais é mister que haja pertinência nas disciplinas escolhidas para comporem as provas, assim como os títulos, a que se reconhecerá valor com a função a ser exercida.

Por sua vez, Adilson Dallari (Regime constitucional dos servidores públicos, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 1990, pág. 36) define concurso público como sendo “um procedimento administrativo aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos estabelecidos em lei, destinado à seleção de pessoal, mediante a aferição de conhecimento, da aptidão e da experiência dos candidatos, por critérios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura, de maneira a possibilitar uma classificação de todos os aprovados”.

A Constituição de 1988 utiliza a palavra investidura para designar o preenchimento de cargo ou emprego público. Como bem disse Celso Ribeiro Bastos (Comentários à Constituição do Brasil, volume III, tomo III, 1992, pág. 67), não se fala mais, como ocorreu, no passado, em primeira investidura, para deixar certo de que se cuida de todas as hipóteses em que se dá a condição de ingresso no quadro de servidores públicos. Assim, a Constituição repudia aquelas modalidades de desvirtuamento da Constituição anterior criadas por práticas administrativas, que acabaram por custar o espírito do preceito.

Muito conhecidos são os chamados desvios de função, onde se vê cargos distintos. Pois bem: O Supremo Tribunal Federal não admite o enquadramento, sem concurso público, de servidor em cargo diverso daquele de que é titular. Nesse sentido, tem-se o julgamento do RE 311.371-AgR-ED/SP, Relator Ministro Eros Grau.

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Ademais, a súmula 473 do Supremo Tribunal Federal consagrou, por certo, que a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que o tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá‐los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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