Procedimento extrajudicial de reconhecimento de usucapião de bens imóveis.

As dificuldades empíricas para sua utilização, reclamam modificação ao texto do Novo Código de Processo Civil

14/12/2015 às 11:07
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O Novo CPC implementará o procedimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião (aquisição pelo uso), mas apontamos embaraços de ordem procedimental que, se não sanados, tornarão impraticável a utilização do novo procedimento.

Resumo: Prestes a entrar em vigor um novo Código de Processo Civil, que em seu artigo 1.071, introduzirá o artigo 216-A, na Lei de Registros Públicos, para permitir o procedimento de Reconhecimento Extrajudicial de Usucapião, como tentativa de tornar mais célere o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade imobiliária pela usucapião, porém, existem ajustes legislativos a serem feitos na nova norma, que se mostram indispensáveis a possibilidade de utilização de tal novel procedimento.

Abstract: About to enter into force a new Code of Civil Procedure, that in his article 1,071 will introduce the article 216-A, in Public Records Act, to allow the recognition procedure for Extrajudicial Usucapião, as an attempt to make it more speedy recognition of the acquisition of the right of property ownership by usucapião, however, there are legislative adjustments to be made in the new standard, which are essential to the possibility of using this new procedure.

Palavras-chave: Usucapião de bens imóveis; reconhecimento extrajudicial de Usucapião; procedimento extrajudicial; ata notarial, registro público; registro imobiliário, propriedade imobiliária; ampla defesa; contraditório; dignidade da pessoa humana; função social da propriedade; fé-pública

                        Com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei nº: 13.105, de 16 de março de 2.015), cuja vigência iniciar-se-á em meados de março de 2.016 (art, 1045), o mundo jurídico aplaude inovações procedimentares; algumas delas, refletem sedimentação encetada pela jurisprudência, que, em prol da segurança jurídica, “de lege ferenda”, tornaram-se norma de direito positivo-processual; outras, fruto de principiologia jurídica moderna, nem sempre de genética puramente processual, mas quase sempre, buscando a efetividade da Justiça “lato sensu”, e, em última instância, o implemento do princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1º, II, CF).

                        Na busca de implementar a dignidade da pessoa humana, louvável toda e qualquer modificação do “Código de Ritos”, sempre respeitando o contraditório e a ampla defesa, tendente, porém, a tornar mais célere e efetiva a prestação jurisdicional Estatal, muitas vezes, a dissociando do ambiente Judiciário propriamente.

                        Na seara dos novéis procedimentos anunciados à comunidade jurídica no corrente ano de 2.105, e que, apesar de não refletirem tendências jurisprudenciais, mais, sem sobre de dúvida, almejam maior acesso à Justiça “lato sensu”, rapidez, simplificação, e efetividade, sem sombra de dúvida, encontramos o procedimento de Reconhecimento Extrajudicial de Usucapião, previsto detalhadamente pelo artigo 1.071 do Novo Código de Processo Civil (NCPC), em suas Disposições Finais e Transitórias, e que inserirá o artigo 216-A, na Lei de Registro Públicos (LRP) – (Lei nº: 6.015, de 31 de dezembro de 1.973); assim, doravante, referirmo-nos-á ao artigo 216-A, em epígrafe, quando de nossos comentários.

                        Com efeito, todos que militam na seara do Direito Imobiliário, mormente no contencioso judicial, em especial, envolvendo ações de usucapião (atualmente reguladas pelos artigos 941 a 945, do atual Código de Processo Civil (CPC) – Lei nº: 5.869, de 11 de janeiro de 1.973 (CPC/73)), bem sabem das mazelas de um processo judicial, cuja principal marca, sem sombra de dúvida, é a morosidade, eis que, não raro, tais feitos tramitam por quase uma década, por vezes, até mesmo chegando a completar um decênio, até que o interessado (às vezes seus sucessores – “causa mortis!”) obtenha uma sentença declaratória da usucapião (aquisição pelo uso), reconhecendo-lhe direito de propriedade sobre o imóvel usucapiendo, com o que, habilita-se ao registro imobiliário do imóvel, em seu nome, acabando com a agonia e a insegurança jurídica decorrente de uma sensação “de ser dono fático”, mas não “jurídico” (pela ausência de registro), de um bem de raiz.

                        Vislumbrando maior celeridade, o procedimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião imobiliária tem causado euforia nos operadores do Direito, dentre eles, inclusive, os Notários e Registradores, que ganhariam maior âmbito de atuação, sendo os Notários para a lavratura das atas notarias necessárias a instrução do procedimento em questão (inciso I, do artigo 216-A, a ser inserido na Lei de Registro Públicos, pelo artigo 1.071, do Novo CPC); sendo os Registradores Imobiliários, para receberem e processarem os procedimentos extrajudiciais em estudo (art. 216-A, “caput”, em estudo), já que o procedimento, ao invés de tramitar no fórum, tramitará na serventia registral imobiliária da situação do imóvel usucapiendo.

                        A esse mister, temos constatado, até mesmo entre experientes advogados, procurados para propositura de ação de usucapião, uma exagerada euforia, que chega aos moldes de sugerirem aos seus consulentes/clientes, para que posterguem o início de tal procedimento, para que possam fazê-lo, já quando o Novo CPC estiver em vigor, e, assim, usufruir do “benefício” do Reconhecimento Extrajudicial da Usucapião.

                        Diante de tal cenário, valemos do presente artigo buscando despertar reflexão sobre a efetividade na aplicação de tal novel procedimento. Tal reflexão serve para mensurar se tal possibilidade procedimental extrajudicial trará ou não as consequências pretendidas pela comunidade jurídica, ou seja, celeridade procedimental, e, por via reflexa, um menor número de ações de usucapião.

                        Longe de nós, descortinar o passo a passo do procedimento extrajudicial de reconhecimento de usucapião, pois para isso, auto-explicativo o dispositivo legal em testilha (art. 126-A, inserindo na Lei de Registro Públicos).

                        Deixamos clara, portanto, nossa pretensão de não esgotar o assunto, não fazermos revisão bibliográfica do assunto, bem como, propositalmente ser omisso quanto a comparações do direito pátrio com direito estrangeiro; ou seja, o presente trabalho tem conteúdo estritamente pragmático e denunciativo aos embaraços trazidos pelo novo texto legal em análise, e que demonstram que tal “festejado procedimento extrajudicial”, ao nosso humilde entendimento, logo mostrar-se-á “letra morta” na legislação, demandando “de lege ferenda” adaptações, que permitam sua concreta aplicação! Esse é, portanto, o escopo do presente trabalho.

                        Com efeito, tais embaraços residem, em especial, no que dispõe o artigo 126-A, inciso II, a ser inserido na Lei de Registros Públicos (LRP), ao exigir documento assinado “(...) pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo (...)” - grifamos, cuja ausência no momento do início do procedimento, poderá tentar se fazer suprida por meio de intimação (pessoal ou por “Correios”, com Aviso de Recebimento) a ser promovida pelo interessado, e levada a cabo pelo Oficial da Serventia Registral Imobiliária (§ 2º, do artigo em estudo), com o escopo de que tal(is) pessoas assine(m) o documento em ambiente cartorário, ou apresentem sua oposição.

                        A problematização se potencializa, quando o artigo em análise, em seu §2º, “in fine”, ao cuidar de situação em que as pessoas que devem assinar documento indispensável ao procedimento (planta), mesmo intimadas, pelo Registrador Imobiliário, quedam-se inertes a assinarem o documento, ou se manifestarem de qualquer forma, pois, o procedimento extrajudicial somente tramitará se houver concordância expressa, por meio de assinatura da planta instrutiva ao pleito procedimental, por parte de todos os “(...) titulares de direitos reais[1] e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo (...)”; assim, caso estes não assinem o documento, mesmo após intimados pelo Registrador a fazê-lo, quedando-se inertes, entender-se-á que se recusaram a expedirem sua necessária expressa manifestação (§2º, “in fine”), forçando a rejeição ao pleito formulado em ambiente extrajudicial (§8º), já que a norma em estudo interpreta, em tal cenário, o “(...) silêncio como DISCORDÂNCIA” deixando, porém, aberta ao interessado, a possibilidade do ajuizamento de ação de usucapião, em tradicional ambiente judicial, que, como denunciado acima, é moroso.

                        Com efeito, caso intimados os “formais proprietários”, e estes, no prazo legal, se manifestem, de forma expressa, CONTRARIAMENTE ao pleito formulado pelo usucapiente, o Registrador Imobiliário, ao invés de rejeitar o pleito, deverá, em caso de impugnação, remeter os autos do ambiente extrajudicial, para o juízo competente da comarca da situação do imóvel, para que, desde então, o procedimento que era extrajudicial, tramite em ambiente judicial (§10, do texto legal em estudo).

                        Ocorre que, na prática, quem precisa se socorrer do instituto do reconhecimento da usucapião, quase que em 100% (cem por cento) das vezes, não consegue sequer localizar os titulares do direito de propriedade registrado na matrícula ou transcrição do bem imóvel usucapiendo; seja pelo fato dos “formais proprietários” (assim entendidos os constantes como proprietários junto ao Registro de Imóveis) estarem em local incerto e não sabido (“L.I.N.S.”), seja por terem falecido, se dissolvido (em caso de pessoas jurídicas), enfim...

                        Caso o interessado em ver seu direito de propriedade reconhecido pelo instituto da usucapião tivesse pleno acesso àquela(s) pessoa(s) constantes no registro imobiliário como proprietária(s) do imóvel a usucapir, convenhamos, seria quase inexistente a necessidade da usucapião, pois em regra, tentar-se-ía regularizar a sucessão dominial por outra via derivada, como escritura pública (ainda que se fizesse necessária a rerratificação de alguma escritura com erros que a tivessem tornado irregistrável, por exemplo), adjudiciação compulsória (em caso de compromisso de venda e compra pendente de escrituração seguido de recursa de outorga de escritura definitiva), enfim...

                        Com humildade, em que pese intensa militância em Direito Imobiliário, nunca enfrentamos situação de usucapião em que os “formais proprietários” fossem pessoas acessíveis pelo usucapientes, seja em decorrência dos impedimentos fáticos acima elencados, seja por outra enorme gama de situações!

                        O que vemos diariamente, quando da prescrição do remédio amargo da necessidade de reconhecimento da aquisição da propriedade imobiliária, pelo via da usucapião, são adquirentes com documentação (definitiva ou preliminar) irregistrável, por vezes até mesmo situações de total ausência de documentos a encetar a aquisição imobiliária, quando não, até mesmo situações de inexistência de negócio jurídico entre o possuidor direito e  os “formais proprietários” do imóvel (mormente após o advento do Novo Código civil, que, em prol da função social da propriedade, acabou flexibilizando a classificação da posse, para fins de torna-la “ad usucapionem”), sendo tais “formais proprietários”, portanto, de todo não mais contatáveis pelo possuidor; daí surge a dificuldade, de como contentar o requisito de coleta de assinatura dos “formais proprietários” do imóvel usucapiendo na planta a instruir o procedimento!

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                        Entendemos que a segurança segurança do registro imobiliário é um paladino a ser seguindo pela sociedade, e que deve ser obtido após rigor seletivo, na qualificação documental registrária, visando evitar “aventuras”, ou desmandos, mas entendemos também ser fato, que esperar, como hoje ocorre na seara judicial, uma década para um pronunciamento judicial declaratório da aquisição imobiliária pela via da usucapião, seja algo que hostilize sobremaneira aos princípios da eficiência dos provimentos jurisdicionais, afronte ao princípio da dignidade da pessoa humana, e colida com os ideias hodiernos da função social da propriedade!!

                        Entendemos ser prudente sim, estabelecer-se ritualística procedimental que louve o devido processo legal, tutele o direito de propriedade, não despreze o princípio da continuidade registrário-imobiliária, mas exigir a anuência dos “formais proprietários” na planta necessária à instrução do procedimento de reconhecimento da usucapião, como “contitio sine qua non” à utilização do procedimento extrajudicial de usucapião, em nosso modesto ponto de vista, forjado na expertise empírica das lides forenses, nessa seara, há quase duas décadas, revela-se ser algo totalmente obstacularizador ao acesso do resultado final pretendido pelo usucapiente, não lhe restando outra alternativa, que não a busca do longo e moroso procedimento tradicional, a tramitar pela via judicial, onde se lhe permitirá, uma vez malograda a tentativa de citação pessoal dos “formais proprietários” do imóvel usucapiendo, utilizar-se da citação por edital, e, assim, obter o trâmite procedimental que poderá lhe levar ao resultado almejado, ou seja, a obtenção de um título registrável, reconhecendo ao interessado, a aquisição pelo uso (“usus capere” = usucapião), com o que, uma vez registrada tal decisão judicial, aberta nova matrícula, reinará soberano o direito de propriedade do interessado, caso sagre-se exitoso em sua ação de usucapião judicial.

                        Em suma, em que pese o tão apregoado procedimento de Reconhecimento Extrajudicial de Usucapião estar prestes a se tornar manejável em nosso país, entendemos que na prática, nada mudará e os interessados em obter o reconhecimento da usucapião, em virtude da necessidade de colher a concordância expressa em planta instrutória do procedimento de usucapião, seja dantes da apresentação do pleito ao Registrador Imobiliário, seja intercorrentemente, por meio da intimação dos mesmos, não conseguirá sucesso em tal empreita, e, assim, terá impossibilitado o tramitar de seu pleito pela vereda extrajudicial, devendo se socorrer do demorado procedimento JUDICIAL de reconhecimento da usucapião.

                        De “lege ferenda”, propomos, portanto, tornar viável o procedimento EXTRAJUDICIAL, como alternativa mais rápida, barata e eficaz ao procedimento judicial, permitindo aos interessados em usucapir imóveis, que, a exemplo do que ocorre no ambiente judicial, e, aproveitando a fé-pública, típica aos Registradores Imobiliários, tentada a intimação pessoal dos “formais proprietários” do imóvel usucapiendo, caso estes não se manifestem junto ao Registrador Imobiliário, seja feita sua intimação por edital por 3 (três) vezes, sendo 1 (uma) em Diário Oficial e 2 (duas) em jornal de grande circulação no local do bem usucapiendo, dando-se 30 (trinta) dias – a contar da última publicação, ao invés de 15 (quinze) dias (art. 216-A, §2, em estudo), para, a exemplo dos eventuais interessados, que já são intimados por edital (§4º), serem apresentadas objeções pelos intimados, sob pena de serem consideradas SUPRIDAS suas aceitações ao procedimento.

                        Muitos poderão dizer que tais “formais proprietários” poderão ter morrido, trocado de endereço, empresas terem sido dissolvidas sem a comunicação ao registrador  imobiliário, a justificar o insucesso da intimação pessoal, sendo que a intimação editalícia, em tese, trazer-lhes-ía insegurança jurídica, mas, convenhamos, a parte do brocado jurídico a encetar que o direito não socorre os que dormem (pois bem poderiam os interessados averbarem óbitos ou mudanças de endereços, dissolução, enfim - à margem do assento predial, dos bens imóveis dos quais são proprietários ou sucessores, sem grandes dificuldades ou dispêndios financeiros), todos bem sabem da seriedade do exercício das atividades registrarias por parte dos Oficiais das Serventias Registrais Imobiliárias (muitas vezes até mesmo criticada pelos leigos!), que, inclusive, são dotados de fé-pública, sendo, ademais, agentes públicos por delegação do Poder Judiciário (que, inclusive, além de lhes delegar a atividade registraria, fiscaliza e regulamenta respectiva atividade profissional, por meio das Corregedorias Gerais de Justiça)!

                        Desta feita, e com efeito, qual seria, portanto, a diferença, em termos de seriedade jurídica, entre uma intimação extrajudicial, promovida pelo Registrador Imobiliário, feita por edital, quando comparada à uma citação editalícia promovida pelo juiz, em um processo judicial?!

                        Defendemos, inclusive, que tal modificação, a permitir a intimação extrajudicial editalícia, se estenda aos titulares de direitos reais constantes nas matrículas de imóveis contíguos ao usucapiendo, e nos justificamos a par das dificuldades até então apresentadas, no que tange ao contato dos usucapientes com tais pessoas.

                        Em última análise, vislumbrando maior segurança jurídica consistente na facilitação de formalização registrária à “propriedades fáticas” (decorrentes da usucapião), resultando em reverência à função social da propriedade, concluímos, portanto pelo reclamo, “de lege ferenda”, pela alteração procedimental, em epígrafe, pertinente ao requisito da concordância expressa dos “formais proprietários”, como “conditio sine qua non” a tramitação do procedimento de Reconhecimento Extrajudicial de Usucapião, tornando possível a intimação editalícia de tais pessoas, sob pena de nos depararmos, num futuro próximo, com um procedimento que tenda ao desuso, e que tornar-se-á, em regra, “letra morta” em nosso ordenamento judicial, em que pese o festejar, a nosso crivo, ainda irrefletido dos Colegas operadores do Direito.

Fonte: www.senado.gov.br/legislacao, em 13/12/2015.

[1] - A quem chamamos de “formais proprietários”.

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Sobre o autor
Renato Canha Constantino

Advogado Militante desde 1998; Consultor Imobiliário; Especialista em Direito Empresarial (Universidade São Judas Tadeu); Mestre em Direito (Mackenzie); Professor de Direito Civil, desde 2000 (Universidade São Judas Tadeu).

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Militância na área jurídica e sugestão de melhoria legislativa ao artigo do Novo CPC.

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