Alcance da responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras por fraudes e delitos praticados em operações bancárias

O comando das Súmulas ns. 479/STJ e 28/STF

08/10/2015 às 00:00
Leia nesta página:

Examina a responsabilidade civil das instituições financeiras por fraudes e delitos praticados em operações bancárias, a fim de esclarecer o comando da Súmula 479 do STJ e da Súmula 28 do STF.

Tendo em vista que o CDC é aplicável às instituições financeiras (art. 3º § 2° do CDC e da Súmula 297 do STJ), a todas elas se aplica a regra do art. 14 do CDC, in verbis:

CDC. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (grifo nosso)

O caput referido artigo 14 do CDC prevê a regra da responsabilidade civil objetiva, isto é, independentemente de culpa. Por sua vez, o § 3° do mesmo artigo trata das causas de exclusão de responsabilidade do fornecedor de serviços. Confira:

CDC. Art. 14. (...) § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Como se vê, dentre as causas de exclusão da responsabilidade do fornecedor está a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro. Por conta disso, as instituições bancárias, em situações como a abertura de conta-corrente por falsários, clonagem de cartão de crédito, roubo de cofre de segurança ou violação de sistema de computador por crackers, no mais das vezes, passaram a alegar a excludente da culpa exclusiva de terceiros, sobretudo quando as fraudes praticadas eram reconhecidamente sofisticadas.

Instado a se manifestar sobre a questão, o STJ firmou a orientação de que estas situações configuram fortuito interno, pois relacionam-se com os riscos da própria atividade econômica dos bancos e, por isso, não excluem o dever dos bancos de indenizar. Vale dizer: a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas, insere-se na categoria doutrinária de fortuito interno, pois fazem parte do próprio risco do empreendimento e, por isso mesmo, previsíveis e, no mais das vezes, evitáveis.[1]

Segundo a doutrina e a jurisprudência do STJ, o fato de terceiro só atua como excludente da responsabilidade quando tal fato for inevitável e imprevisível. [2] Portanto, a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor é espécie do gênero fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço.[3]

A Súmula 479 do STJ foi criada no ano de 2012 para fixar a responsabilidade objetiva das instituições financeiras por fraudes e delitos praticados por terceiros (como, por exemplo, abertura de conta-corrente por falsários, clonagem de cartão de crédito, roubo de cofre de segurança ou violação de sistema de computador por crackers), porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno.[4] Verbis:

STJ/Súmula 479: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias

Seguindo a mesma linha de raciocínio, já tínhamos a Súmula 28 do STF, criada no ano de 1963:

STF/Súmula 28: O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista.  

Sobre a parte final desse verbete, cumpre fazermos duas observações:

1.Se houver culpa exclusiva do correntista, a responsabilidade da instituição bancária é excluída. Neste caso, será do banco o ônus de provar a culpa exclusiva do correntista.

2.Havendo culpa concorrente do banco e do correntista, partilha-se o prejuízo, ou seja, a instituição bancária será responsável pelo dano causado, mas a culpa do cliente atenua o valor a ser pago pelo banco. Neste caso, será do banco o ônus de provar a concorrência de culpa.

Por fim, cumpre indagar: A Súmula 479 do STJ também se aplica quando o indivíduo que sofre o dano não é correntista do banco?

No que concerne àqueles que sofrem os danos reflexos de serviços bancários falhos, como o terceiro que tem seu nome utilizado para abertura de conta-corrente ou retirada de cartão de crédito, e em razão disso é negativado em órgãos de proteção ao crédito, não há propriamente uma relação contratual estabelecida entre eles e o banco. Não obstante, a responsabilidade da instituição financeira continua a ser objetiva.[5]

Aplica-se o disposto no art. 17 do Código Consumerista, o qual equipara a consumidor todas as vítimas dos eventos reconhecidos como “fatos do serviço”.[6]

Vale dizer: os bancos estão obrigados a indenizar as vítimas de fraudes e delitos praticados por terceiros em operações bancárias, independentemente de culpa da instituição financeira, ainda que o indivíduo prejudicado não seja correntista do banco. Neste ponto, entretanto, importa ressaltar que a questão deve ser examinada por seu duplo aspecto: em relação aos clientes, a responsabilidade dos bancos é contratual; em relação a terceiros, a responsabilidade é extracontratual. [7]


CONCLUSÃO

A responsabilidade civil dos bancos pela reparação dos danos causados aos consumidores é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC. O § 3° deste artigo, por sua vez, prevê causas de exclusão da responsabilidade de indenizar, dentre elas, a culpa exclusiva de terceiros.

Segundo o STJ, a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor é apenas a decorrente de fortuito externo (fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor).

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Ora, as fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas (tais como a abertura de conta-corrente por falsários, clonagem de cartão de crédito, roubo de cofre de segurança ou violação de sistema de computador por crackers, etc), configuram fortuito interno, pois fazem parte do próprio risco do empreendimento e, por isso, não livram o banco do dever de indenizar.

Vale destacar que, nos termos da Súmula 28 do STF, “o estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista”.   Ora, se houver culpa exclusiva do correntista, a responsabilidade da instituição bancária é excluída. Havendo culpa concorrente do banco e do correntista, partilha-se o prejuízo.


NOTAS

[1] Cf. STJ - Voto do Ministro Luis Felipe Salomão no REsp 1197929 PR, 2ª Seção, DJe 12/09/2011.

[2] Cf. STJ - REsp 685662 RJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, DJ 05/12/2005.

[3] Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 185.

[4] Conforme destacou o Ministro Luis Felipe Salomão no referido Recurso Especial: “Valiosa também é a doutrina de Sérgio Cavalieri acerca da diferenciação do fortuito interno do externo, sendo que somente o último é apto a afastar a responsabilidade por acidente de consumo: Cremos que a distinção entre fortuito interno e externo é totalmente pertinente no que respeita aos acidentes de consumo. O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pela suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável. O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação. Em caso tal, nem se pode falar em defeito do produto ou do serviço, o que, a rigor, já estaria abrangido pela primeira excludente examinada - inexistência de defeito (art. 14, § 3º, I)” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 256-257)”

[5] Cf. STJ - Voto do Ministro Luis Felipe Salomão no REsp 1197929 PR, 2ª Seção, DJe 12/09/2011.

[6] Idem.

[7] Estas as lições de CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 417

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Sobre a autora
Alice Saldanha Villar

Advogada, colunista e articulistas de diversas revistas jurídicas e periódicos. Autora dos livros “Direito Sumular - STF”, “Direito Sumular - STJ” e "Direito Bancário" - Editora JHMIZUNO, São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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