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Antecipação da tutela contra a Fazenda Pública à luz da Constituição Federal de 1988

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22/12/2010 às 17:12
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4 - CONCLUSÕES

Do exame dos tópicos precedentes, extrai-se que o Supremo Tribunal Federal, mediante o julgamento da ADI-MC n. 223 e da ADC n. 4, além de diversas Reclamações, tem dado a correta interpretação das leis infraconstitucionais que limitam a tutela de urgência contra a Fazenda Pública, apesar da veemente crítica de parcela ponderável da doutrina.

Isso porque a Suprema Corte, apesar de declarar a constitucionalidade dessas citadas leis, o faz nos seus devidos termos: interpretando de forma restritiva as hipóteses nelas contempladas.

Posições extremadas (tanto pela completa inconstitucionalidade quanto pela constitucionalidade sem reservas) acabam por desconsiderar por completo os direitos constitucionais de algum dos litigantes, a depender da posição adotada.

Entretanto, a posição da Suprema Corte, já exposta nas linhas passadas, preserva o núcleo essencial dos direitos fundamentais em aparente colisão, assim como dá correta aplicação aos princípios da interpretação constitucional (no caso deste estudo, o da "unidade da Constituição", da "concordância prática", da "eficácia integradora" e da "razoabilidade"). E a decorrência disso é de que não há direitos fundamentais absolutos [27][28], na medida em que eles encontram limites nos demais direitos igualmente consagrados pelo texto constitucional. O princípio da inafastabilidade do controle judicial deve conviver harmonicamente com os direitos fundamentais da outra parte (no caso, a Fazenda Pública).

Tem-se, pois, que, em regra, as limitações constantes nas leis infraconstitucionais acerca da tutela de urgência contra a Fazenda Pública devem ser prestigiadas pelo julgador de origem, pois declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal de Federal mediante controle concentrado (com eficácia contra todos e dotadas de efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal).

Não obstante, as restrições dispostas nessas leis devem ser lidas pelo intérprete de forma literal (sem ampliação), uma vez que elas já limitam em si um direito fundamental do demandante (art. 5º, XXXV, da CF/88).

Além disso, duas outras situações podem ser adotadas pelo julgador para, mesmo quando a causa em julgamento liminar estiver contida nessas restrições legais, conceder a tutela de urgência ao autor da ação: a) estando o pleito em completa sintonia com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal [29]; b) pela aplicação do princípio da razoabilidade [30] diante do caso concreto em julgamento, embora tal princípio seja de difícil aplicação nos casos de novo padrão remuneratório ao servidor público, sendo mais fácil antevê-lo quando envolver restrição à liberação de bens, mercadorias e coisas de procedência estrangeira (Lei n. 2.770/56).


5 – REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Galzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª ed. São Paulo: Dialética, 2008.

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, 4ª ed., Salvador: Editora JusPODIM, 2009.

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª. São Paulo: Saraiva, 2008.

PASSOS, J.J. Calmon. Da Antecipação da Tutela, Reforma do Código de Processo Civil, 3ª edição, São Paulo: Saraiva, 1996.

SARMENTO, Daniel. A Dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria. In Sampaio, José Adércio Leite (coord.) Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte, Ed.Del Rey, Ano 2003.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela, 6ª edição, São Paulo: Saraiva, 2008.


Notas

  1. Direitos esses tanto do demandante quanto da pessoa jurídica de direito público demandada.
  2. Não cabe medida possessória liminar para liberação alfandegária de automóvel.
  3. Revogada pela atual Lei 12.016/09 (disciplina o mandado de segurança).
  4. Decorrentes das Leis nºs 8.622/93 e 8.627/93.
  5. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
  6. [...]

    XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

  7. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 235-236.
  8. PASSOS, J.J. Calmon. Da Antecipação da Tutela, Reforma do Código de Processo Civil, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 188-189.
  9. STF, ADI-MC n. 223, Relator(a):  Min. PAULO BROSSARD, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 05/04/1990, DJ 29-06-1990.
  10. Pendente de publicação, mas disponível no Informativo n. 522 do STF (29 de setembro a 3 de outubro de 2008).
  11. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 276-278.
  12. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela, 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 203.
  13. Direitos do litigante demandante: a) fazer atuar a função jurisdicional; b) obter uma decisão útil e eficaz. Por sua vez, os deveres são: a) submeter-se à jurisdição, sem recurso à autotutela; b) submeter-se ao cumprimento das cláusulas do devido processo legal.
  14. Direitos do litigante demandado: a) manter os seus bens e direitos, sem restrições, mesmo quando contestados por outrem, enquanto não advier sentença final, produzida em processo regular, à base de contraditório e defesa ampla, que declara que ditos bens ou direitos não lhe pertencem. É a segurança jurídica; b) utilizar todos os meios de contraditório e de defesa, inclusive o de produzir provas e interpor recursos, previstos como inerentes ao devido processo legal. Entretanto, os seus deveres são: submeter-se à jurisdição; b) submeter-se às cláusulas do devido processo legal e à sentença nele produzida.

  15. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, 4ª ed. Salvador: Editora JusPODIM, 2009. p.536.
  16. STF, Min. PAULO BROSSARD, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 05/04/1990, DJ 29-06-1990.
  17. STF, ADC-MC 4, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/1998, DJ 21-05-1999.
  18. Art. 102, I, letra "l", da CF/88.
  19. 729. A decisão na ação direta de constitucionalidade 4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária.
  20. Para aprofundamento do tema ler: HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2002.
  21. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.
  22. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 142/143.
  23. Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.
  24. Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
  25. SARMENTO, Daniel. A Dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria. In Sampaio, José Adércio Leite (coord.) Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Ed.Del Rey, 2003. págs. 251/314.
  26. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Galzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p. 508.
  27. A expressão é de José Carlos Vieira Andrade (Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1998, p. 165).
  28. É bem verdade que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, hoje, considera não-restituível apenas os valores pagos por força de antecipação da tutela nas ações decorrentes de benefícios previdenciárias (Lei n. 8.2113/91). Nas causas de servidores públicos, esse Tribunal Superior entende possível a restituição. A propósito: STJ, AgRg no REsp 913.005/RN, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28/08/2008, DJe 29/09/2008; STJ, EDcl no REsp 996.850/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 04/11/2008, DJe 24/11/2008.
  29. Nesse sentido:
  30. [...] Na contemporaneidade, não se reconhece a presença de direitos absolutos, mesmo de estatura de direitos fundamentais previstos no art. 5º, da Constituição Federal, e em textos de Tratados e Convenções Internacionais em matéria de direitos humanos. Os critérios e métodos da razoabilidade e da proporcionalidade se afiguram fundamentais neste contexto, de modo a não permitir que haja prevalência de determinado direito ou interesse sobre outro de igual ou maior estatura jurídico-valorativa
    (STF, HC 93250, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 10/06/2008, DJe-117 DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008).

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    [...] Inexistem garantias e direitos absolutos. As razões de relevante interesse público ou as exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades permitem, ainda que excepcionalmente, a restrição de prerrogativas individuais ou coletivas. Não há, portanto, violação do princípio da supremacia do interesse público (STF, RE 455283 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 28/03/2006, DJ 05-05-2006).

  31. Parcela da doutrina, contudo, aponta que as únicas hipóteses de direito fundamental absoluto são: a proibição da tortura e da sujeição ao tratamento desumano e degradante.
  32. Considerando, para tanto, que ao Supremo Tribunal Federal compete preservar a sua autoridade de guardião da Constituição, de órgão com legitimidade constitucional para dar a palavra definitiva em temas relacionados com a interpretação e a aplicação da Constituição Federal. Por essa mesma razão, aliás, tem-se atualmente a redação dos arts. 475, § 3º, e art. 741, parágrafo único, ambos do CPC, só para citar duas hipóteses.
  33. Na mesma linha do resultado do julgamento da ADI-MC 223 pelo STF.
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Sobre o autor
Juliano De Angelis

Procurador Federal. Responsável pela Procuradoria Seccional Federal em Canoas (RS). Ex-sócio da sociedade Bellini, Ferreira, Portal Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp/REDE LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DE ANGELIS, Juliano. Antecipação da tutela contra a Fazenda Pública à luz da Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2730, 22 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18091. Acesso em: 19 mai. 2024.

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