Documento particular de compra, com firma reconhecida, serve para regularizar imóvel via Usucapião Extrajudicial?

06/03/2024 às 16:54
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A USUCAPIÃO além de forma legítima de aquisição de bens imóveis (inclusive em algumas espécies dispensando JUSTO TÍTULO e BOA-FÉ, como já sabemos) é também uma excelente forma de regularizar a aquisição de imóveis. Não são poucos os casos onde as partes convencionam a compra e venda de bens imóveis - seja por COMPRA E VENDA ou por PROMESSA (ou COMPROMISSO) DE COMPRA E VENDA - e acabam por jamais dar forma legal a essa transação, observadas as regras do Código Civil, entabulando a necessária ESCRITURA PÚBLICA e realizando o devido REGISTRO no Cartório de Imóveis. Para esses casos a Usucapião pode representar uma excelente solução.

Como sempre tratamos aqui, Usucapião é uma solução para diversos problemas imobiliários que pode ser adotada tanto na via judicial quanto na via extrajudicial. Pela via judicial (que não pode ser negada, embora a via extrajudicial tenha passado a ser a"regra"diante da extinção do rito específico que havia no CPC/1973) tudo é realizado via processo judicial tradicional (com Juiz, audiência, instrução etc), agora sem um rito específico, onde uma grande desvantagem pode ser a conhecida MOROSIDADE do Judiciário. Não é demais presumir que um Processo de Usucapião na Justiça possa demorar de cinco a dez anos e, a bem da verdade, em alguns casos essa demora pode ser ainda maior. De toda forma, nossa experiência sempre aponta como viável a Usucapião nos casos de maior complexidade haja vista que a via Extrajudicial não tem a envergadura da via Judicial para a solução de maiores impasses.

Desde 2015 com o advento justamente do Novo Código de Processo Civil tornou-se possível a realização da USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, dispensando a necessidade de um PROCESSO JUDICIAL. O CPC/2015 introduziu na Lei 6.015/73 ( Lei de Registros Publicos) o novo instituto - que não é uma nova espécie de Usucapião mas sim uma NOVA VIA para o reconhecimento o instituto. Reza o art. 216-A da LRP:

"Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado (...)".

Apenas as regras introduzidas através deste artigo 216-A na Lei de Registros Publicos naturalmente não foram suficientes para trazer aplicabilidade ao novo instituto, dessa forma, tal como ocorrido há alguns anos com o INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL, coube ao CNJ - Conselho Nacional da Justiça - regulamentá-lo através do Provimento CNJ 65/2017. Hoje em dia muitas modificações já incidem na regulamentação que inclusive foi substituída integralmente pelo PROVIMENTO CNJ 149/2023.

O estudo do complexo e interessante instituto da USUCAPIÃO nos revela que essencialmente haverá ÊXITO na demanda que busque seu reconhecimento - tanto na via judicial quanto na via extrajudicial - quando as partes puderem comprovar os seus requisitos, quais sejam, a POSSE QUALIFICADA (com ânimo de dono, ininterrupta, mansa e pacífica) exercida sobre a COISA HÁBIL (já que não são todos os bens imóveis que podem ser usucapidos) sobre o TEMPO NECESSÁRIO exigido em Lei. Outros requisitos podem ser exigidos conforme a modalidade adotada de Usucapião para o caso estudado - sendo certo que em alguns casos a Lei pode exigir além de tudo isso um item chamado "JUSTO TÍTULO". Será que o "Documento particular de compra e venda" poderá ser considerado como "JUSTO TÍTULO" para fins de regularização da compra pela Usucapião?

Nossa resposta é POSITIVA com base na melhor doutrina e na jurisprudência. Antes de tudo é preciso ter em mente que para as modalidades EXTRAORDINÁRIA (art. 1.238) e ESPECIAL URBANA (art. 1.240), por exemplo, a análise de "Justo Título" é DESNECESSÁRIA porque nessas espécies não se exige justo título e muito menos "boa-fé" do interessado. Ademais, sendo a Usucapião uma forma de aquisição originária, onde se admite a aquisição sem qualquer transmissão entre o dono anterior e o atual (especialmente venda/pagamento por isso) com mais razão ainda entendemos poderá a aquisição ser perfectibilizada/regularizada por quem chegou a pagar um "preço" pela compra do bem.

Segundo a doutrina especializada do ilustre Professor BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO (Tratado de Usucapião. 2012) a conceitução do Justo Título é complexa, dificultosa e divergente:

"A caracterização do conceito jurídico do justo título é das mais difíceis. (...) O justo título, como já salientado, deve ser entendido como o FUNDAMENTO e a CAUSA da aquisição de direito - 'justa causa acquisitionis' ou 'causa adquirendi'. (...) O conceito de justo título leva em consideração a faculdade abstrata de transferir a propriedade, e é nesse sentido que se diz JUSTO qualquer fato jurídico que tenha o poder EM TESE de efetuar a transmissão, EMBORA na hipótese lhe faltem os requisitos para realizá-la".

Nos parece evidente que quem documenta a transação imobiliária ainda que da forma incorreta (ressalvadas as hipóteses admissíveis, como por exemplo aquela do art. 108 do Código Reale) pode se valer da Usucapião para regularizar a compra, desde que preenchidos, por óbvio, os demais requisitos exigidos por Lei. Essa também é a opinião do festejado mestre, relativamente à aquisição feita baseada em documento particular:

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"Quem adquire por instrumento particular no lugar do público, apesar de considerar a lei nulo o ato, por defeito de forma ( CC/16, art. 145, II; atual CC, art. 166, IV), poderá ver regularizada a situação pela usucapião ordinária. Certo que a ninguém é lícito ignorar a lei, mas o erro de direito e o erro de fato devem ser considerados em pé de igualdade, porque, afinal, convertem-se numa questão de boa-fé. Um negócio jurídico realizado por escrito particular, apesar de valor superior à taxa legal, sendo inatacável, firmado perante testemunhas, com firmas reconhecidas e satisfeito o preço, poderá caracterizar justo título, hábil a fundamentar usucapião ordinária".

Como se viu acima, é indispensável a avaliação por um Advogado Especialista diante das peculiaridades apresentadas por cada caso de Usucapião; de toda forma, é também no sentido exarado pela doutrina a orientação da Jurisprudência pátria, senão vejamos:

"TJRS. 00440337020208217000. J. em: 03/02/2021. APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. INTERESSE PROCESSUAL. PRESENÇA DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. POSSE DE MAIS DE QUINZE ANOS. CONFIGURAÇÃO DE JUSTO TÍTULO. POSSIBILIDADE DE VIABILIZAR A REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE VIA USUCAPIÃO. I. Há interesse recursal quando a parte necessita vir a juízo para obter a declaração de domínio do imóvel adquirido por meio de instrumento particular de compra e venda inapto para transferência no registro imobiliário, uma vez que localizado dentro do todo maior. II. A jurisprudência é pacifica no sentido de que em caso como dos autos - documento não apto para registro - o instrumento particular de compra e venda configura justo título, prestando-se para COMPROVAÇÃO DA POSSE prolongada no tempo. III. Sentença desconstituída. retorno dos autos à origem para regular processamento do feito, assegurando o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Jurisprudência e doutrina a respeito. APELAÇÃO PROVIDA".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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