Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/23 e a equidade para religiões de matrizes africanas

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Existe, infelizmente, no inconsciente coletivo brasileiro, a crença oficial da cultura brasileira, a tradição judaico-cristã. Os "colonizadores brasileiros" foram os portugueses e, nada mais "justo" que o Estado fosse confessional:

Art. 5. A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo. (1)

Com a nova Constituição, a de 1891, o Estado deixou de ser confessional para ser Estado laico. Isso não quer dizer que o Estado instituiu o ateísmo; garantiu a liberdade de ter ou não alguma crença. Na constituição, nas mentes não. Por muito, muito tempo, na maioria do inconsciente coletivo do povo brasileiro, a religião oficial continuava a ser a Católica Apostólica Romana. Pelo sincretismo, a tolerância com as religiões de matrizes africana. Disfarçadamente, na calada da noite, ou muito longe dos olhos de outros católicos, as consultas aos orixás e pedidos às entidades para conseguir algum amor, trazer algum amor, conseguir dinheiro.

No caso dos evangélicos, estes sofriam pelas discriminações dos católicos, e isto nos anos de 1990. No “Programa Silvia Poppovic", nos anos de 1990, no SBT (2), a ideia de que as igrejas evangélicas eram "seitas". Com o tempo, formou-se a Bancada Evangélica, no Congresso Nacional. A sua força política ganhou considerável poder decisório na redemocratização brasileira após os Anos de Chumbo (1964 a 1985). Ocorre que a Bancada Evangélica ganhou cada vez mais força decisória no Congresso Nacional. Dessa força política, as barreiras contra o desenvolvimento dos direitos humanos no Brasil, por exemplo, a criminalização da homofobia do Projeto de Lei da Câmara nº 122, de 2006. É importante, para não parecer intolerância religiosa aos evangélicos, protestantes, que as religiões, de tradição judaico cristã, têm fortes influências no Estado. Cito a Lei do Divórcio. A referida Lei foi amplamente rebatida pelos fiéis e padres da Igreja Católica Romana.

Em tempos de backlast no Brasil — backlast, este fenômeno é um descontentamento de alguns setores sociais e políticos contra mudanças nas normas e comportamentos da sociedade —, as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) têm desagradado, veementemente, os conservadores. Necessário dizer que no Brasil sempre houve uma disputa acirrada entre conservadores e progressistas. status quo para outro status quo, as disputas se fazem entre conservadores e progressistas. Podemos verificar isso, por exemplo, no tempo do Império Brasileiro. Os conservadores, defensores da manutenção do Império, eram contra os progressistas, por estes quererem a República. Atualmente, não se fala mais em conservador e progressista, mas "conservador" e "comunista". Se progressista é a "contracultura", conservador é "contra a contracultura".

É inegável que nos últimos anos a Bancada Evangélica conseguiu enorme força política, perceptível pelos apoios ao ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Após a derrota de Bolsonaro, nas eleições de 2022, para seu opositor Luiz Inácio da Silva, alguns líderes evangélicos insistem em apoiar Bolsonaro. Nada demais, numa democracia, religiosos apoiarem seus candidatos.

A DINÂMICA DA POLÍTICA

Sociedade e comunidades. Mesmo nas divergências entre as diversas comunidades que compõem a sociedade, existem momentos, de associações, negociações, coalizões.

Católico, protestante, ateu e candomblecista. Católicos, evangélicos e protestantes são contra os sacrifícios de animais durante os rituais do candomblé. O ateu é ambientalista, defende a dignidade dos animais não humanos, sendo a morte de qualquer desses animais, até para consumo humano, violação da dignidade do animal não humano. O ateu, vegano ou vegetariano, promove campanha contra o sacrifício de animais não humanos para os rituais do candomblé. Católicos, evangélicos e protestantes aproveitam a iniciativa do ateu para propor Projeto de Lei (PL) contra sacrifícios de animais não humanos em rituais candomblecistas. Projeto aprovado, proibição de sacrifício. O mesmo ateu, após o PL, propõe, por iniciativa popular (LEI Nº 9.709, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1998), proibição de qualquer símbolo católico nas repartições públicas. Protestantes e evangélicos, então, aproveitam para fortalecerem suas campanhas contra os símbolos católicos. Iniciativa popular aprovada, os protestantes e os evangélicos conseguem materializar um dos seus propósitos. Outra iniciativa popular, também criada pelo mesmo ateu, contra a intromissão das religiões na questão do aborto. Católicos, evangélicos e protestantes, apesar de algumas diferenças, unem-se contra o ateu. Algum cidadão vê oportunidade para se candidatar a deputado federal. Abraçará e defenderá o ateu e sua iniciativa. Eleições, votações e o cidadão candidato consegue vitória nas urnas. Alguns meses depois, o mesmo ateu propõe que os agentes públicos, principalmente os políticos, tenham as mesmas vantagens dos agentes na Suécia, ou seja, todas as mordomias dos agentes brasileiros serão extintas — Um País Sem excelências e Mordomias. Referência ao livro de Claudia Wallin. Outro deputado, não satisfeito, irá articular com outros deputados, para a manutenção do (super) subsídio e auxílios. Esse deputado negocia com católicos, evangélicos e protestantes — maioria no Congresso Nacional. Acordo: os deputados (católicos, evangélicos e protestantes) apoiam o nobre deputado em sua causa, enquanto este apoiar os religiosos para criação de Emenda Constitucional proibindo qualquer tipo de aborto. Recomendo ler O estatuto do nascituro e suas consequências.

Na questão do sacrifício de animais para os rituais religiosos de matriz africana, o Recurso Extraordinário (RE) 494601. (3)

No meu canal, no YouTube, para suplementação de meus artigos, alguns vídeos. Sobre o o Recurso Extraordinário (RE) 494601, a sustentação oral em favor da liberdade religiosa (4).

Por mais que possa parecer a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/23 constitucional, pelo positivismo na norma do Art. 150, VI, b, da CRFB de 1988, é necessário ir além da letra. É verdade que já existia isenção de tributo para templos de qualquer culto, a LEI Nº 3.193, DE 4 DE JULHO DE 1957. A CRFB de 1988 continuou com a isenção de tributação aos cultos religiosos sejam eles de tradição judaico-cristã ou não. Do site da Câmara dos Deputados, as informações (5):

A versão aprovada proíbe a cobrança de tributos sobre bens ou serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços de todas as religiões. O texto ainda prevê expressamente que também não podem ser tributadas as organizações assistenciais e beneficentes ligadas a confissões religiosas, como creches, asilos e comunidades terapêuticas, entre outras.

Atualmente, a Constituição já proíbe o poder público de cobrar impostos de igrejas. No entanto, a imunidade tributária vale somente para o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Não podem ser isentos, por exemplo, os salários dos pastores.

Na opinião do deputado Dr. Fernando Máximo, o aumento da receita das igrejas com o não pagamento de impostos vai permitir que elas ampliem a prestação de serviços à comunidade. “Igrejas estão tirando pessoas do crime, triando pessoas das drogas, do álcool, da depressão e do suicídio, estão trazendo paz para o nosso País", ressaltou.

(...)

Máximo defende que a atuação dessas instituições representa economia para o Estado. "Elas conseguem resgatar esses cidadãos, trazendo para a sociedade de volta, trazendo para o trabalho, evitando crime, fortalecendo a família, dando mais anos de vida”, completou.

(...)

O autor da proposta, deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), comemorou a aprovação. Para ele, a proposta corrige uma injustiça. “As igrejas não podem sofrer esse prejuízo porque quem as sustenta são seus membros, são os fiéis, que já pagamos impostos sobre a nossa renda, sobre tudo o que consumimos e sobre o patrimônio.”

A EQUIDADE

Infelizmente, nos últimos anos, a intolerância religiosa aumento contra as religiões de matrizes africanas. A Resolução Nº 440 de 07/01/2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), assegurou o combate à Intolerância no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, com exceção do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2018, a 2ª Turma do STF negou recurso de pastor condenado por discriminação religiosa:

Consta dos autos que, na condição de pastor, ele publicou na internet vídeos e postagens que ofendiam autoridades públicas e seguidores de crenças religiosas diversas – católica, judaica, islâmica, espírita, wicca, umbandista e outras –, pregando inclusive o fim de algumas delas e imputando fatos ofensivos aos seus devotos e sacerdotes. O Tribunal do Rio de Janeiro manteve a condenação, reduzindo apenas a quantidade de dias-multa inicialmente imposta.

Após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que rejeitou habeas corpus lá impetrado, a defesa apresentou recurso ao STF pedindo o trancamento da ação por atipicidade da conduta. Segundo os advogados, a condenação ideológica de outras crenças é inerente à prática religiosa, e se trataria de exercício de uma garantia constitucionalmente assegurada.

O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou pelo provimento do recurso. Para ele, apesar de caracterizar uma atitude “absolutamente reprovável e arrogante”, o ato narrado não pode ser tipificado penalmente. A conduta, ainda que “intolerante, pedante e prepotente”, se insere no embate entre religiões e decorre da liberdade de proselitismo essencial ao exercício da liberdade religiosa, frisou o relator.

(...)

O ministro Dias Toffoli, que inaugurou a corrente vencedora pelo desprovimento do recurso, divergiu do relator. Para ele, social e historicamente o Brasil se orgulha de ser um país de tolerância religiosa, valor que faz parte da construção de nosso estado democrático de direito. De acordo com Toffoli, a sentença condenatória transcreve vídeos publicados na internet que alimentam o ódio e a intolerância. Citando trechos dos vídeos, o ministro entendeu que, se o Estado não exercer seu papel de pacificar a sociedade, vai se chegar a uma guerra de religiões. “Ao invés de sermos instrumento de pacificação, vamos aprofundar o que acontece no mundo”, salientou.

O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou a divergência, ressaltando que as postagens transcritas nos autos alimentam um ódio que se espalha em nossa sociedade, tanto no Brasil quanto no mundo inteiro e lembrando que o preâmbulo da Constituição fala na construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Para Lewandowski, a ação do condenado atua contra um importante valor erigido pelos constituintes como fundamento da República Federativa do Brasil, que é a solidariedade.

Terceiro a votar pelo desprovimento do recurso, o ministro Gilmar Mendes lembrou do célebre julgamento do “caso Ellwanger” (HC 82424) , em setembro de 2003, quando o STF manteve a condenação imposta ao escritor gaúcho Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra os judeus. Para Gilmar Mendes, a despeito da importância conferida à liberdade de expressão, o próprio texto constitucional determina que sejam respeitados determinados limites. O artigo 220, parágrafo 1º, da Constituição diz que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observados determinados incisos do artigo 5º, onde estão contidas as limitações. O ministro assinalou ainda que, no Brasil, convivem pacificamente comunidades as mais diversas, que às vezes estão em guerra mundo afora. “Esse é um valor que precisamos preservar”, concluiu.

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À realidade dos últimos anos nos mostrou que a liberdade de crença e o uso da liberdade de expressão não podem se justificadas pelo que está escrito nos livros Sagrados. Ora, se assim for, o Estado brasileiro não poderá proibir que pai venda a própria filha como escrava:

Êxodo 21:7-8 Almeida Revista e Atualizada (ARA)

Se um homem vender sua filha para ser escrava, esta não lhe sairá como saem os escravos. Se ela não agradar ao seu senhor, que se comprometeu a desposá-la, ele terá de permitir-lhe o resgate; não poderá vendê-la a um povo estranho, pois será isso deslealdade para com ela.

Também o próprio Estado não poderá proibir a escravidão:

Além disso, dos filhos dos estrangeiros que se hospedam entre vós, deles comprareis, e de suas famílias que estão com vocês, que geraram em vossa terra: e eles serão vossa propriedade. E deixá-los-ei como herança para vossos filhos depois de vós, para mantê-los como propriedade; deles tereis seus escravos para sempre: mas sobre vossos irmãos, os filhos de Israel, não tereis domínio, um sobre o outro, com severidade (Levítico, 25:44-46).

Na contemporaneidade, nos países democráticos, coesos com os direitos humanos, impensáveis tais práticas.

Na obra Ética a Nicômaco. Aristóteles afirmou que devemos “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade". O Estado brasileiro, apesar das inúmeras tentativas de se manter o status quo racista, deu passos importantíssimos para a não coisificação, instrumentalização da dignidade de comunidades brasileiras. Temos a decisão do STF sobre a criminalização da homofobia e transfobia, a ação afirmativa para reserva de vagas para a etnia negra. LGBTs e negros, historicamente, foram coisificados em suas dignidades. De nada vale ter normas constitucionais, os Art. 1º, III, e 3º, se não há eficácia na vida cotidiana. Existirem normas sem aplicá-las é ter Constituição de Papel (concepção sociológica, de Ferdinand Lassalle).

Alhures disse sobre a intolerância religiosa no Brasil contra as religiões de matrizes africanas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/23 garantirá isonomia para todas as religiões no Brasil, no entanto, é necessário observar “Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade" para a isonomia não garantir desigualdade. Se verificarmos, as igrejas evangélicas e pentecostais gozam de ar condicionado, iluminação adequada etc. As igrejas Católicas são seculares dentro e fora do Brasil. As igrejas de matrizes africanas não dispõem das mesmas infraestruturas das igrejas evangélicas, pentecostais e católicas. Ao me referir “infraestrutura” não é somente condições físicas, mas os meios de divulgações. Nos meios de comunicações como televisão e rádio, as igrejas de matrizes africanas não possuem tanta divulgação. É perceptível redes ou canais de televisão a serviço das religiões de grupos católicos ou evangélicos. Cito algumas:

1) Católicas — TV Canção Nova, TV Aparecida etc.

2) Evangélicas — são: IURD TV, Rede Gospel etc.

Algumas concessionárias de televisão vendem espaços para programações religiosas, ou seja, há venda de horário de programação para canais religiosos, a maioria de tradição judaico-cristã. Por que as igrejas de matrizes africanas não compram também espaços para programações religiosas? As de tradição judaico-cristã possuem maior recurso econômico, as audiências podem ser maiores pela tradição religiosa no Brasil, de tradição judaico-cristã. Existe o “jogo mercadológico” de "oferta e procura" no caso religioso no Brasil. E também o “jogo político” de oferta e adesão política. Perceptível na questão Governo quer dar 25 canais de TV para Igrejas evangélicas (6):

“(...) Jair Bolsonaro decidiu apoiar a aprovação de um Projeto de Lei que visa liberação de diversos sinais de TV aberta para Igrejas evangélicas.

Segundo apurou o site NaTelinha, a ideia é liberar 25 novos canais de TV aberta para diferentes agremiações evangélicas, que estão pressionando por mais espaço na televisão. Como se trata de uma concessão pública, pastores conversaram pessoalmente com o presidente para tentar apressar a aprovação do Projeto.”

No atual governo, o Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva tenta angariar fiéis das igrejas evangélicas. Por que não de umbandista e candomblecistas? Porque não possuem força política como a Banca Evangélica no Congresso Nacional.

Ora, se a ideia da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/23 é “As igrejas não podem sofrer esse prejuízo porque quem as sustenta são seus membros, são os fiéis, que já pagamos impostos sobre a nossa renda, sobre tudo o que consumimos e sobre o patrimônio”, numa questão de justiça é:

"Para os escravos poderem cultivar os deuses de seus ascendentes, as religiões de matrizes africanas tiveram que se adaptarem, forçosamente, à tradição judaico-cristã, disto o sincretismo religioso. Historicamente, os negros escravizados e os seus descendentes, mesmo após a Abolição da Escravatura, sofreram discriminações sejam pelas suas origens étnicas e pelas suas religiões. O Brasil se desenvolveu economicamente por mãos indígenas e negras, mas as pessoas de tradição judaico-cristã ditavam, por intermédio do Estado, o modelo moral de vida, de crença oficial. Por séculos, as desigualdades sociais entre brancos e negros. A desigualdade fora obra de um plano para se ter mão de obra barata, ou quase análoga à escrava; é de se afirmar que o poder econômico das igrejas de matriz africanas é muito menor que outras igrejas de tradição judaico-cristã. Soma-se essa disparidade de poder econômico com as tentativas de impingir pavor e medo às religiões de matrizes africanas e até os seus fiéis.”

A frase acima, construída por mim, pode parecer intolerante. Veremos abaixo valiosa informação sobre a construção do medo às pessoas e religiões de matrizes africanas:

“Para Maggie (1988), Mandarino (2007), entre outros, a crença popular no Brasil, ainda hoje, atribui a determinadas pessoas o poder de causar o mal, doenças ou até mesmo a morte a outras, e isto, da mesma forma que trouxe fama para os sacerdotes e ampliou o número de adeptos nos cultos afro-brasileiros, serviu também como motivação para a atuação repressora de juízes, promotores, advogados e policiais a tais cultos.

‘O Estado, desta forma, irá se fazer presente nos assuntos acerca da magia e intervindo de forma aguda no combate a feiticeiros e macumbeiros, criando instrumentos reguladores, criando juízos especial e pessoal especializado. Mais do que isso, em alguns casos, fornecerá a própria denúncia. [...] Essa função do Estado permanece até hoje, mas, de 1890 a 1940, com as reformulações introduzidas no Código Penal, o aparato político se institucionalizou e passou a ser usado com mais intensidade como instrumento de repressão. As perseguições eram levadas a cabo, em sua maioria, através de denúncias da população que muitas vezes se sentia incomodada pelos batuques que se arrastavam até altas horas em dias de grandes obrigações. [...] As religiões afro-brasileiras eram e continuam sendo vistas como curandeirismo, magia negra, exploração de credulidade pública e exercício ilegal da medicina, estando os seus praticantes incorrendo em crimes previstos no Código Penal. O Código Penal de 1890 incriminava não só o curandeiro, mas, também, o feiticeiro, juntamente com outras categorias, como espíritas e cartomantes. (MANDARINO, 2007, p. 97 e 100).’” (7)

CONCLUSÃO

A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 ( CRFB de 1988) garante a laicidade, porém, o que ocorre há muito tempo, não é a separação entre o Estado e as instituições religiosas de tradição judaico-cristã, em especial as igrejas evangélicas. desde a redemocratização no Brasil, após os Anos de Chumbo (1964 a 1985), a influência da religião evangélica no Estado, na cultura e na educação. Possibilidade ou não de se ter crucifixo em repartição pública? O tema retornou em 2020:

STF vai decidir se símbolos religiosos em órgãos públicos federais ferem laicidade do Estado

A matéria é tratada em Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) em ação civil pública ajuizada pelo MPF e teve repercussão geral reconhecida por unanimidade no Plenário Virtual.

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se a presença de símbolos religiosos em prédios públicos colide com a laicidade do Estado brasileiro. Em discussão no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1249095, a matéria teve repercussão geral reconhecida (Tema 1086) por votação unânime do Plenário Virtual.

O recurso tem origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) para que sejam retirados todos os símbolos religiosos, como crucifixos e imagens, de locais de ampla visibilidade e de atendimento ao público nos prédios da União e no Estado de São Paulo. A ação foi julgada improcedente pelo juízo de primeiro grau e pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que considerou que a presença dos símbolos religiosos é uma reafirmação da liberdade religiosa e do respeito a aspectos culturais da sociedade brasileira.” (8)

É inegável que a Bancada Evangélica tem influência significativa no Congresso Nacional. Para a democracia, a laicidade é fundamental para garantir proteção e manutenção do Estado Democrático de Direito. Quanto ao uso de qualquer símbolo religioso em repartições públicas, também sou contra. Se pode ter crucifixo, também pode ter qualquer outro símbolo que não seja cristão. Porém, que fique claro, não é por “está na CRFB de 1988”, positivismo, que não se deve analisar os motivos e a verdadeira intenção. Valho-me da “Microfísica do Poder”, de Michael Foucault.

Foucault estudou como o poder se manifesta desde práticas cotidianas dos cidadãos e do próprio Estado. Dessas práticas cotidianas, as relações humanas nos ambientes como prisões, hospitais, instituições de ensino etc. Podemos, sem muitos esforços, presenciar a tentativa de biopoder pela Bancada Evangélica. Mas não somente pelos evangélicos, mas pelos que se dizem católicos, cristãos. O efeito backlast contra as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como aborto, criminalização da homofobia e da transfobia, a união homoafetiva, é uma tentativa de se restabelecer um status quo típico e anterior ao século XXI. Do medo, do pavor, da ameaça à democracia, o comunismo: a formação de uma sociedade de disciplina e de vigilância aos “destruidores da fé, da família e da democracia”. É o retorno da “menoridade” — O que é o Iluminismo?, de Immanuel Kant.

Na questão da equidade, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/23 deve ser analisada pelas diferenças econômicas das igrejas, na questão de possibilidade de pagar por tempo de exibição nas concessionárias de televisão — aliás, não há nenhuma igreja de matriz africana com concessão de televisão no Brasil —, pela “Microfísica do Poder”, ou seja, as relações sociais, a relação empresa e funcionários, entre os próprios funcionários, a relação política e normas constitucionais, pelo positivismo jurídico. Os congressistas, como pessoas atreladas aos princípios constitucionais, devem analisar a PEC e garantir, de alguma forma, que as religiões de matrizes africanas possam ter oportunidades como existem para as religiões de tradição judaico-cristã. Também, o reconhecimento legal das religiões de matrizes africanas e o fomento à sua visibilidade e o combate ao racismo religioso, por motivos históricos, sociais e políticos no Brasil.

NOTAS:

(1) — BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituição/constituicao24.htm

(2) — YouTube. “Programa Silvia Poppovic". Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=45NVrpfdBEs

(3) — BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). STF declara constitucionalidade de lei gaúcha que permite sacrifício de animais em rituais religiosos. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=407159

(4) YouTube. A" galinha do preto ". Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7IU_mUf_Xs0

(5) — Brasil. Câmara dos Deputados. Comissão aprova ampliação de imunidade tributária para igrejas. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1038542-comissao-aprova-ampliacao-de-imunidade-tributaria-para-igrejas#:~:text=A%20comiss%C3%A3o%20especial%20destinada%20a,M%C3%A1ximo%20 (Uni%C3%A3o%2DRO).

(6) — Terra. Governo quer dar 25 canais de TV para Igrejas evangélicas. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/gente/governo-quer-dar-25-canais-de-tv-para-igrejas-evangelicas,7b81c5c19caa66f758caafe2553ad8d2k8vmsrg1.html

(7) — OLIVEIRA, Ilzver de Matos. PERSEGUIÇÃO AOS CULTOS DE ORIGEM AFRICANA NO BRASIL: O DIREITO E O SISTEMA DE JUSTIÇA COMO AGENTES DA (IN) TOLERÂNCIA. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=13d83d3841ae1b92

(8) — Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). STF vai decidir se símbolos religiosos em órgãos públicos federais ferem laicidade do Estado. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442144&ori=1

REFERÊNCIAS:

BBC BRASIL. Por que as religiões de matriz africana são o principal alvo de intolerância no Brasil?. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160120_intolerancia_religioes_africanas_jp_rm

Brasil de Fato: Entidades lançam pesquisa inédita para mapear racismo e violência religiosos no Brasil. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/03/17/entidades-lancam-pesquisa-inedita-para-mapear-racismoeviolencia-religiosos-no-brasil

BRASIL. Senado Federal. Senado Notícias. Senadores lembram Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/01/21/senadores-lembram-dia-nacional-de-combateaintolerancia-religiosa

_____________________________________. 'Projeto anti-homofobia' foi apresentado na Câmara há quase dez anos. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2011/05/31/projeto-anti-homofobia-foi-apresentado-na-camara-ha-quase-dez-anos

_____________________. O casamento (e a separação) ao longo do tempo. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infograficos/2017/12/arquivosauxiliarocasamentoea-separacao-ao-longo-do-tempo

_____. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. EC nº 66/10: A Emenda Constitucional do Casamento. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhaseprodutos/artigos-discursoseentrevistas/artigos/2010/ec-no-66-10aemenda-constitucional-do-casamento-des.-arnoldo-camanho

G1. Estudo mostra que religiões de matrizes africanas foram alvo de 91% dos ataques no RJ em 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/01/22/estudo-mostra-que-religioes-de-matrizes-africanas-foram-alvo-de-91percent-dos-ataques-no-rj-em-2021.ghtml

GUIDOTTI, Vitor Hugo Rinaldini. INTERFACES ENTRE RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL: REFLETINDO SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O FORTALECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/cadernos/article/download/7686/5529/21443

Le Monde Diplomatique. De Lutero aos neopentecostais: como os evangélicos atraem tanta gente? Disponível em: https://diplomatique.org.br/de-lutero-aos-neopentecostais-como-os-evangelicos-atraem-tanta-gente/

PRANDI, R.; SANTOS, R. W. DOS . Quem tem medo da bancada evangélica? Posições sobre moralidade e política no eleitorado brasileiro, no Congresso Nacional e na Frente Parlamentar Evangélica. Tempo Social, v. 29, n. 2, p. 187–214, maio 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ts/a/GGc54bzbNRHfcQGMnnQmfmx/#

SANTOS, Carolina Bertassoni dos. OS EVANGÉLICOS E A CONSTITUINTE DE 1987. ANPUH-Brasil - 31º Simpósio Nacional de História Rio de Janeiro/RJ, 2021. Disponível em: https://www.snh2021.anpuh.org/resources/anais/8/snh2021/1627336325_ARQUIVO_33db25bc394e1af13a4d5a3c7a789bd5.pdf

Universidade Tiradentes (Unit). Como a bancada evangélica é influente na política brasileira. Disponível em: https://portal.unit.br/blog/noticias/comoabancada-evangelicaeinfluente-na-politica-brasileira/

Veja. Projeto de lei anti-homofobia desagrada gays e evangélicos. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/projeto-de-lei-anti-homofobia-desagrada-gayseevangelicos#:~:text=O%20projeto%20de%20lei%20que,na%20Comiss%C3%A3o%20de%20Direitos%20Humanos.

MENESES, Francisco Eliton A. Defensoria Pública do Estado de Ceará. A SAGA DO DIVÓRCIO NO BRASIL. Disponível em: https://www.defensoria.ce.def.br/wp-content/uploads/downloads/2015/02/a_saga_do_divrcio_no_brasil.pdf

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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