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Os verbos opor e interpor em contextos jurídicos específicos sob a ótica da Terminologia

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18/01/2024 às 19:16
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CONCEPTUALIZAÇÃO E ANÁLISE DO VERBO

Dentre as diversas classes de palavras, o verbo ocupa lugar de especial relevo na linguagem jurídica, em face de seu substrato semântico básico, que se caracteriza pela função específica de indicação de processos, quer se trate de ações, de estado ou de passagem de um estado a outro. (KASPARY, 1990, p.13)

O Direito, enquanto ciência social, tem o intuito de regulamentar e regrar as relações em sociedade, cumprindo a função natural de ordenar, seja no sentido de dar ordens, seja no de colocar as coisas em ordem. Na medida em que satisfaz esse desiderato, no universo jurídico, a enunciação de um verbo é capital, uma vez que tem a força coercitiva sobre pessoas e coisas, ligando-as, criando-as e, especialmente, modificando-as e extinguindo-as (MACIEL, 2001b).

Nessa ótica, os verbos têm o poder de, quando proferidos, produzir efeitos na realidade jurídica, possibilitando o acontecimento de algo, em que um compromisso é assumido, um procedimento legal normatizado, afinal, como bem aduz Maciel (2001b, p. 92), os “verbos não descrevem coisas, eles fazem coisas”. Observando a importância do verbo no cenário jurídico, faz-se necessário, antes, compreendê-lo sob a perspectiva morfossintática.

O verbo sob a perspectiva morfossintática

Impõe-se perscrutar a acepção e tudo o mais que defina verbo cientificamente, posto sua importância na ciência do Direito, enquanto sistema de leis, conforme referendado por Maciel (2001b), ao postular que “na comunicação dessas leis, a categoria gramatical do verbo desempenha um papel relevante” (p. 92). Faz-se interessante frisar que a escolha dos verbos em contextos nos quais aparecem no infinitivo não é, de forma alguma, gratuita, vez que nessa forma assumem, de modo mais tátil, sua significação.

Nesse toar, Mattoso Câmara Junior (1984, p. 102) conforta a ideia, postulando que “o infinitivo é a forma mais indefinida do verbo. A tal ponto que costuma ser citado como o nome do verbo, a forma que de maneira mais ampla e mais vaga resume a sua significação, sem implicações das noções gramaticais de tempo, aspecto ou modo”. Assim também se manifesta Santos (apud CORÔA, 2005, p. 34), quando afirma que “o verbo é uma significação (em geral indicada pelo radical) em trânsito por determinadas categorias”.

Sendo assim, para Luft (2002), o que diferencia o verbo em relação ao nome é a ideia temporal, acrescentando que, na língua alemã, o termo verbo significa palavra de tempo (Zeitwort). Segundo esse autor, o verbo é de fundamental importância na frase, posto que representa o termo essencial do enunciado, e, nas palavras de Luft (2002, p. 166), o verbo corresponde ao “núcleo da frase sintaticamente construída”. O gramático também enfatiza que há orações sem sujeito, mas não sem verbo. Afinal, Luft aduz que em razão de ser considerada a palavra por excelência é que os gramáticos latinos assim a denominaram: verbo, a palavra. Nessa linha teórica, Bechara (2009) postula que “entende-se por verbo a unidade de significado categorial que se caracteriza por ser um molde pelo qual organiza o falar seu significado lexical” (p. 209).

De forma sintética, Cegalla (2008) arrebata que, em suma, o verbo é uma palavra que expressa uma ação, estado, fato ou fenômeno da natureza – evidentemente indispensável na organização do período. No entender desse gramático, dadas as inúmeras formas para indicar a pessoa do discurso, o número, o tempo, o modo e a voz, dentre tantas classes de palavras, seguramente, o verbo é a mais rica em flexões.

Seguindo essa esteira teórica, Cunha e Cintra (2008) definem o verbo como a palavra que exprime o que se passa, algo representado no tempo, contudo, não guardando função privativa, visto que substantivos e adjetivos podem cumprir sintaticamente a função de núcleo do predicado. Singulariza-se, porém, por funcionar obrigatoriamente como predicado na estrutura da oração. Incumbe ao verbo a função nuclear da oração, suscitando as ações e os processos desempenhados pelo sujeito, em determinado contexto. Nesse sentido, Damião e Henriques (2009, p. 58) defendem que

o pensamento humano evoca ações, expressa estados ou qualidades e dá atributos a condutas. Para simbolizar o agir e o sentir, a linguagem encontra no verbo o centro nevrálgico de todo o ato comunicativo, porque é sua função estabelecer as relações psicológicas do usuário de uma língua nas realidades por ele representadas.

Vale lembrar que o verbo é de tal monta significante nas comunicações jurídicas, que, não gratuitamente, há vasta publicação de material a respeito, dicionários e glossários que se encarregam de forma exclusiva deles (MACIEL, 2001b). Afinal, sábia é a lição de Elena Ferrán (apud MACIEL, 2001b), cuja síntese acaba por aquilatar o verbo na seara jurídica de tal forma asseverando que “o verbo é de tal maneira o núcleo da eficácia jurídica que, sem o verbo, não há Direito” (p. 94).

Verbo e Terminologia (jurídica)

Patente é que os nomes têm a capacidade maior de figurar como estatuto terminológico, uma vez que denominam coisas, pessoas e processos e, com efeito, para Maciel (2001b), até recentemente, as formas nominais têm sido preferidas nos estudos terminológicos. Depreende-se a mesma verificação de Barros (2004, p. 100), ao expor que “entre as diferentes categorias funcionais (classes nominais, dos determinantes, prepositiva, verbal, adjetiva, adverbial etc.), a classe lexical de base nominal (substantivos) ocupa um lugar de destaque nos estudos em línguas de especialidade”.

Contudo, é de se frisar que outras categorias gramaticais como os adjetivos e, especialmente, os verbos, de que trata esta seção, excepcionalmente, admitem o status de termo. Nesse arrimo, ratificam Krieger e Finatto (2004) que entre as classes gramaticais, de fato, há predominância de substantivos, conforme demonstram descrições já realizadas, em que pesem adjetivos e verbos obtenham valor de unidades terminológicas.

O mesmo ocorre nas ciências da Lexicografia e da Terminografia, posto que o enfoque dos dicionários e dos glossários centra-se com maior frequência nas expressões nominais. Krieger e Finatto (2004) alertam ser necessário registrar que além de nomes e substantivos, também outros elementos são relevantes ao reconhecer e registrar uma terminologia, tais como verbos, adjetivos, sintagmas terminológicos e fraseologias.

Há quem diga que as teorias de Wüster (TGT), na Escola de Viena, são as responsáveis pela preferência dos nomes, inobstante não se encontre afirmação alguma desse teor, seja por ele, seja por seus discípulos. A bem da verdade, dois de seus discípulos, Felber e Budin, referem o verbo quando definem os conceitos como representações mentais de seres, propriedades, ações, lugares, situações e relações (MACIEL, 2001b). Segundo a autora, os discípulos esclarecem “que as entidades são expressas por substantivos, as propriedades por adjetivos ou também substantivos, enquanto as ações podem ser expressas por meio de verbos ou substantivos [...]” (p. 91). De modo similar, complementa a autora, também a escola canadense não se opõe à possibilidade do verbo ser classificado como termo, que tanto pode ser dessa categoria, quanto dos substantivos ou dos adjetivos.

Imperioso admitir, entretanto, que é pouco frequente o registro de termos de categorias que não substantivos em dicionários e glossários, constatando-se que a presença do verbo é menor. Não obstante isso, no campo jurídico, há uma especificidade notável na categoria do verbo, à qual Maciel (2001b, p. 92) faz menção, afirmando que:

Com efeito, a especificidade do termo jurídico reside, primordialmente, nas condições de produção e de uso do texto da lei. Essas condições determinam que alguns verbos adquiram a capacidade de catalisar as características semânticas e pragmáticas de palavras que assumem o estatuto de termo. Desse modo, tais verbos determinam os traços específicos do termo na comunicação especializada.

Em maior evidência, o verbo, na seara jurídica, como já se discorreu, é de capital importância e, no entendimento de Maciel (2001b, p. 97), “no campo jurídico, o verbo atualiza o termo em um evento comunicativo que utiliza a língua natural com propósitos especializados”. O reconhecimento da especificidade do termo jurídico, em consideração especial ao verbo, é apontado de forma singular pela tese de doutorado da professora Anna Maria Becker Maciel (2001c), a cujas lições se fazem referências, em destaque, doravante. A eminente pesquisadora encabeçou os estudos brasileiros acerca da matéria, de quem se busca o aparato necessário para o suporte desta proposição. Para a pesquisadora, é salutar registrar que “o verbo desempenha o papel catalisador do caráter peculiar dos vetores de informação do universo do discurso jurídico” (p. 25).

Ao encetar seus estudos, Maciel (2001c) considera pressuposto investigativo válido, portanto, que o caráter prescritivo do Direito implica reconhecer um grupo de especificidades semântico-pragmáticas, que transfere certas características à terminologia jurídica e, em especial, aos verbos. Igual convicção tem essa proposição, persuadida, mormente, pelo fato de que “a terminologia jurídica configura uma tipologia específica em que o verbo é um dos elementos responsáveis pela especificidade dos termos” (p. 26).

Desse modo, nota-se que o verbo, na linguagem do Direito, assume o papel de ativador ou provocador dos elementos que atualizam o significado jurídico de determinadas unidades no texto. E, por isso, às vezes, o verbo revela significância tal no âmbito especializado – jurídico – que carrega consigo conteúdo capaz de revelar traço especial à ciência a que está circunscrito contextualmente e, nessa medida, cumpre função relevante na linguagem jurídica, enquanto termo propriamente dito.

Afinal, convergindo com o que aqui se pretende, o verbo, na acepção jurídico- terminológica, não se detém a manifestar ordens, regras e normas jurídicas, mas, sobretudo, “realiza um ato jurídico” (MACIEL, 2001c, p. 236). E, nessas condições, ao evidenciar sua natureza segundo a Terminologia e os princípios do sistema jurídico civil-processual, torna-se viável a sua verificação em contextos específicos.


ANÁLISE DO CORPUS

Nesta seção, encarrega-se de proceder à análise e à reflexão dos verbos contextualizados nos institutos (corpus) do Código de Processo Civil, em que estrategicamente aparecem. Tudo o quanto discorrido nas seções anteriores conflui-se a viabilizar a interface, de forma fundamentada e referenciada, das ciências do Direito e da Terminologia, sob a óptica da Teoria Comunicativa da Terminologia. Vale salientar que o conteúdo abordado na seção referente ao Direito e ao Sistema Processual Civil, foi limitado, suficientemente, ao que aqui é referenciado.

O levantamento realizado junto aos mais variados dicionários da língua portuguesa e de especialidade (técnicos) acabou por confirmar a hipótese de que, a depender do contexto, as palavras admitem acepções diferentes, sobretudo em ambiente de especialidade. Nessa lógica, considerando ainda a interface abordada, à medida que exigido, para melhor compreensão da reflexão e apreensão dos elementos dos institutos versados, sugere-se que o leitor remeta-se às respectivas seções.

O verbo opor: da língua geral à contextualização no instituto de Embargos à Execução no CPC

Segundo o dicionário etimológico de Cunha (1982, p. 562), o verbo opor define-se como “apresentar objeção, contrastar”. A primeira acepção mantém relação estreita com o significado no campo do instituto, no entanto, não é possível afirmar o mesmo quanto à segunda.

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De outro turno, o verbo opor admite inúmeros significados na língua corrente (geral), segundo o dicionário Houaiss (2011, p. 683). Algumas dessas noções demonstram relevância, guardando correlação com o procedimento de Embargos à Execução, ou melhor, com o propósito da ação desempenhada no contexto jurídico do instituto, outros não, conforme se pode conferir abaixo:

1. v. {mod.23} t.d.i. (prep. a) colocar diante de, contra <opor tanques à infantaria>; 2. (prep. a) colocar como antagonistas, adversários <opor meninos a meninas> 3. (prep. a) apresentar (argumento, alegação etc.) em sentido contrário a; objetar <opor parecer a um projeto> 4. t.d.i e pron (prep. a) apresentar (ação, atitude etc) para impedir ou combater (algo) <opor resistência ao ataque> <opor-se à violência> 5. (prep. a) pôr em contraste, comparação com; confrontar <opor dois depoimentos>; <opor o orgulho à humanidade> 6. pron. (prep. a) ser contrário a; obstar <opor-se a preconceitos> 7. (prep. a) mostrar resistência a <opor-se a uma ordem>. (sic)

Há algumas informações constantes do verbete cuja relevância exige maiores esclarecimentos. Após a primeira acepção, identificada pelo número 1, é feita referência à classe gramatical do vocábulo (v.), no caso, verbo. Adiante, há a abreviatura de sua classificação (t.d.i.), no caso, transitivo direito e indireto, bem como da preposição regida pelo verbo (prep. a). Pela leitura do verbete acima, depreende-se que o verbo opor pode assumir diferentes significados, como já se referiu.

A acepção 1 exprime, por sua vez, significado adjacente àquele utilizado para denominar o instituto. Essa acepção se encarrega, portanto, de desempenhar, embora ainda descontextualizada do instituto jurídico, a noção de colocar-se contra algo, exemplificando, <opor tanques à infantaria>. Significa dizer também que coaduna com a transitividade do verbo na dinâmica em que o instituto é denominado - Embargos à Execução.

Já as acepções 2 e 5 não demonstram pertinência ao significado do instituto trabalhado. De outro lado, a acepção 3 guarda particular relação semântica e com a finalidade do instituto, porquanto desempenha ação como apresentar argumento em sentido contrário, no sentido de objetar, criando obstáculo, pois funciona como verbo transitivo, acompanhando o exemplo <opor parecer a um projeto>. O mesmo ocorre com o exemplo 4, quanto à pertinência ao instituto dos embargos à execução, posto que é lícito entender que a função do verbo é apresentar atitude para impedir algo.

As acepções 6 e 7 carregam também sentido correlato com o que o verbo desempenha no contexto do instituto jurídico, em particular com o artigo 736 do CPC5, quais sejam finalidade de ser contrário, obstar, quanto àquele; e, mostrar resistência a. <opor-se a uma ordem>, em relação ao último, e ambos pronominais.

Adiante, lançando mão de um dicionário especializado, equivale a dizer, um dicionário jurídico, é possível dar conta das nuances das palavras no meio técnico, especificamente, nos contextos em que são referenciados os institutos do Direito – ação executiva e embargos à execução. Para tanto, recorre-se ao dicionário de Silva (2013, p. 988), em que pese ausente em seu repertório o verbo objeto desta pesquisa, dispõe do vocábulo oposição, de cujo significado depreende-se a especificidade jurídica, conforme abaixo demonstrado:

Oposição. Também chamada de oposição ao cumprimento de sentença ou de oposição à execução, é o mecanismo de defesa e reação de que dispõe o executado condenado à obrigação de fazer, não fazer, e entrega de coisa contra o cumprimento de sentença. [...] Diante disso, doutrinadores propõem que sejam opostos o que se denomina ‘oposição à execução’ ou ‘oposição ao cumprimento de sentença’, pois um processo equilibrado e justo não poderia prescindir de meios de defesa e reação contra atos judiciais. (grifo nosso)

Encontra-se presente no repertório jurídico do dicionarista a acepção correspondente à peça de defesa do executado, além de algumas que se assemelham às encontradas nos dicionários anteriores. Esclarece Silva (2013), no decorrer do verbete, estendida a outras acepções, que a expressão oposição à execução é utilizada em sentido amplo, razão pela qual se deduz que comporta, além dos Embargos à Execução, também os institutos de cumprimento de sentença e impugnação, todos os quatro de natureza executiva. Fica claro que, no contexto jurídico específico, admite um significado muito peculiar, próprio não só à técnica jurídico-processual-civil, mas também ao sistema procedimental executivo, porquanto referencia, conforme destaque sublinhado, o objeto do instituto em que o verbo é utilizado, a saber: servir como meio de defesa e reação contra atos judiciais.

De outro turno, mediante o exame do inventário de verbos na linguagem jurídica, trabalho realizado por Kaspary (1990), em que se atém com propriedade, e de forma restrita, aos verbos, seus regimes e acepções, verifica-se a seguinte definição do verbo opor:

opor – 1. Nas acepções de contrapor, oferecer obstáculo, oferecer recurso contra uma decisão judicial, aparece sob as seguintes construções: [...]” (p. 217). Em continuação ao verbete, traz o autor, de forma a confortar suas acepções propostas, um cabedal de exemplos, dispensáveis a essa reflexão, com ressalva daquele cuja essência guarda relação com o objeto dos Embargos à Execução, a saber: no sentido de opor algo, na construção “Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em dez dias; se esta não o opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: (CPC, art. 730)”.

Através desse verbete, em que o dicionarista remete-se à seção III do CPC, de cujo título depreende-se tratar de disposições sobre a Execução contra a Fazenda Pública, instituto de viés executivo, nota-se a precisão do significado do vocábulo, quando da inserção no instituto dos Embargos à Execução. Nessa medida, demonstra a definição proposta que o sentido admitido no contexto jurídico de processo executivo está estreitamente relacionado a obstaculizar algo, contrapor-se à pretensão executiva do credor, que, por sua vez, é consubstanciada por título executivo (seja judicial ou extrajudicial). Pelo discorrido, é possível notar que o vocábulo, nesse caso, o verbo opor, pode assumir diferentes significados a depender do contexto e, particularmente, quando inserido em instituto de área especializada.

Nessas condições, em última análise, o verbo opor, no instituto dos Embargos à Execução, assume um significado que transcende a compreensão na língua geral. De sorte que, consoante demonstrado na seção que aborda a técnica e o instituto jurídico de Embargos, com cujos elementos se relaciona o verbo, tem como essência demais institutos e pressupostos teóricos e principiológicos da ciência do Direito. Significa dizer, portanto, que o ímpeto de opor embargos à execução, pressupõe a compreensão do contexto jurídico-processual- executivo.

Com efeito, opor-se a alguma coisa, a alguma atitude, segundo a língua corrente, dispensa olhar atento e científico, posto que seu significado é inteligível a qualquer falante da língua portuguesa. Ao passo que, no meio jurídico-processual-civil, a dispensa do olhar atento, a falta de domínio do instituto, implica a não apreensão técnica do ato processual desempenhado na dinâmica do instituto. Isto ocorre devido à especificidade do campo científico a que está circunscrito o verbo. Destarte, para sua fiel apreensão, implica conhecer, portanto, fundamentos do Direito brasileiro, Teoria Geral do Processo, Direito Civil, Processo Civil. Implica, outrossim, reconhecer o Estado atuando no monopólio da jurisdição, exercendo a função e a prestação jurisdicional. Requer, afinal, o domínio do sistema processual de conhecimento e executivo.

A carga semântica e a função do verbo opor, no contexto do instituto de embargos, pressupõem a compreensão da natureza desse instituto, para, afinal, deduzir a noção processual precisa do ato desempenhado. Visto que o objeto da ação de execução é a satisfação do direito conferido no título executivo, por sua vez, os embargos têm o condão de resistir à pretensão satisfativa provocada pelo credor, noção viabilizada pelo verbo.

Sob essa lógica, é razoável afirmar que o manejo da peça de embargos busca objetar impedimento à expropriação de bens do embargante/devedor. Logo, implica compreender o mecanismo jurídico processual, mediante o qual se obsta a sanção jurisdicional, a execução forçada e, portanto, a expropriação de bens do patrimônio do embargante pelo Estado, em substituição ao exequente/embargado. Nesse sentido, complementa Silva (2013, p. 987), referindo-se ao substantivo oposição: “É, pois, o ato de opor-se, de contrapor-se, com argumentos ou com outras demonstrações ao que se quer fazer e executar” (grifo do autor).

O verbo opor, no contexto do instituto de embargos à execução, assume um significado e função específicos, porquanto pressupõe o domínio do instituto de ação executiva e de sua defesa, os embargos. A expressividade de que dá conta o verbo transcende o significado da língua comum que o faz assumir carga semântica específica e precisa com a noção objeto do instituto, portanto, – obstar/objetar a sanção do Estado -, mediante resistência à execução forçada e a desconstituição do título executivo.

No campo semântico, o verbo desempenha função arraigada a elementos referentes a ambos os institutos com os quais se relaciona: ação de execução e embargos à execução. A função é apreendida pela dinâmica dos institutos e pelo aspecto pragmático da natureza de ação desconstitutiva dos embargos à execução.

O verbo interpor: da língua geral à contextualização no instituto recursal no CPC

De acordo com o dicionário etimológico de Cunha (1982), o verbo interpor admite as seguintes acepções, com as quais guarda relação o instituto recursal: “fazer intervir, opor e entrar em juízo com um recurso” (p.441). Urge registrar que, entre as acepções constantes do dicionarista, há o verbo opor, sobre cuja reflexão encarregou-se a seção anterior, contextualizado no instituto de embargos à execução. Cumpre adiantar que o verbo opor também será objeto de análise e reflexão, contextualizado em instituto recursal, todavia, em espécie de recurso com características peculiares, conforme se encarrega a seção seguinte.

Conforme o dicionário Houaiss (2011, p. 548), na língua comum, o verbo interpor admite as seguintes acepções:

interpor – v. {mod.23} t.d. e pron. 1. Colocar (-se) [coisa ou pessoa] entre duas outras <interpor o quadro entre as estantes> <interpor-se entre policial e o réu> → entre as estantes é circunstância que funciona como complemento 2. Apresentar (- se) como obstáculo a; opor (-se) 3. Intervir como mediador 4. DIR. dar entrada em (recurso) [...]. (sic)

Na primeira acepção (1), o verbo interpor pode ser utilizado como transitivo direito e pronominal, quando a intenção é colocar algo entre duas coisas, conforme demonstrado pelo exemplo. Na acepção 2, a significação é próxima à da ação desempenhada pelo verbo opor na língua comum, no sentido de apresentar obstáculo a algo. Nas acepções 3 e 4, o verbo interpor demonstra manter maior relação com o procedimento desempenhado no instituto recursal. Naquela, carrega o sentido de algo ou alguém que cumpre o papel de mediador; nessa, por sua vez, está estreitamente relacionado ao ato de dar entrada em recurso, conquanto não seja esse precisamente o ato processual desempenhado juridicamente, no procedimento.

Por outro lado, para o dicionarista jurídico Silva (2013), o verbo interpor tem a seguinte definição: “Interpor. Geralmente, em referência ou relativamente aos recursos, tem o mesmo sentido de intentar, apresentar, formular, oferecer. Interpor recurso, pois, é recorrer ou usar do recurso, formular o recurso, oferecer o recurso. Interpor a apelação e apelar” (p. 768). Segundo esse verbete, é possível notar que, na linguagem jurídica, o verbo interpor assume um significado específico e relativo ao instituto recursal do campo processual civil. Ainda que não seja descrito precisamente o ato processual desempenhado pelo verbo, o verbete menciona que sua utilização ocorre geralmente no ato jurídico de oferecer, formular recurso, enfim, recorrer.

Adiante, lança-se mão do dicionário de verbos jurídicos de Kaspary (1990), do qual se depreende as mais variadas acepções para o verbo interpor. Na íntegra, merecem menção, conforme segue: “Interpor. Nas acepções de opor, entrar em juízo com recurso, formular e apresentar o recurso à primeira instância, para ser encaminhado à segunda, recorrer ao tribunal superior para obter justiça de juiz inferior no decorrer do processo” (p. 194).

Todas as acepções propostas, conforme os exemplos utilizados, têm relação com recurso, algumas com o campo processual penal, outras com o processual trabalhista e, em grande parte, com o processual civil, segundo os exemplos que acompanham o verbete. Para ilustrar melhor, faz-se uso do exemplo utilizado por Kaspary (1990), em que o verbo funciona como transitivo direto e indireto, quando inserido no âmbito processual trabalhista, conforme exemplo: “Qualquer tripulante que se julgue prejudicado por ordem emanada de superior hierárquico poderá interpor recurso, em termos, perante a Delegacia do Trabalho Marítima, por intermédio do respectivo comandante [...] (CLT, art. 252)” (grifo nosso).

O exemplo trazido pelo dicionarista, em que o verbo desempenha a ação natural de procedimento recursal, vale também para o instituto recursal do CPC, uma vez que se faz presente a noção de intermediação. A ação verbal, nesse caso, pressupõe o recebimento do recurso por um órgão diferente daquele competente para julgá-lo. Isto ocorre porque seus complementos verbais (objeto direto e indireto) completam com precisão o processo desempenhado pelo verbo no contexto recursal, enfatizando, adiante, a intermediação havida.

O mesmo ocorre com a definição dada no verbete: “apresentar o recurso à primeira instância, para ser encaminhado à segunda [...]” (idem, ibidem). Nessa situação, pressupõe-se o ato de um juiz por intermédio de quem é remetido o recurso ao tribunal, após recebê-lo, para ser submetido a novo julgamento, ato processual consistente no efeito devolutivo recursal. De fato, essa é a ideia precisa do ato recursal, na maioria dos recursos previstos pelo CPC.

O mesmo se pode dizer sobre a parte final do verbete de Kaspary (1990, p. 194), qual seja: “recorrer ao tribunal superior para obter justiça de juiz inferior no decorrer do processo” (sic). Há, nesse uso, um procedimento particular à semelhança do que ocorre na interposição do recurso de Agravo de Instrumento, de que cuida o artigo 522 ao 529, do CPC. Nesse caso, é necessário esclarecer que o recurso é interposto de decisão proferida pelo juízo inferior, diretamente no tribunal. Isto é, não é o juízo inferior o responsável por recebê-lo, verificar seus pressupostos e impulsioná-lo ao tribunal, mas sim o juízo superior. A despeito de ocorrer ato processual diferente no agravo de instrumento, conforme se observa, devido ao fato de a interposição ser realizada diretamente no juízo superior, seguramente, esse ato está sujeito ao efeito devolutivo, mediante o qual a matéria impugnada é devolvida ao (à jurisdição) juiz distinto do que prolatou a decisão para, afinal, submetê-la à reanálise.

Desse modo, quando inserido no contexto do instituto recursal, o verbo interpor demonstra assumir um significado próprio, cujos traços estão estritamente relacionados com a dinâmica verbal do ato processual, com a principiologia do instituto e seus efeitos no universo jurídico. Seu significado, portanto, transcende àquele deduzido pelo falante geral da língua portuguesa. Sua compreensão requer o entendimento dos fundamentos do Direito, do sistema processual, do processual recursal civil brasileiro e de suas peculiaridades procedimentais, tanto na teoria quanto na prática.

Pelo discorrido acima, na seção relativa ao sistema recursal, verifica-se que é inconcebível a significação do verbo interpor à semelhança do que ocorre na língua corrente. Isto é, não se trata simplesmente de colocar algo entre duas outras coisas, de forma fixa, como exemplifica Houaiss (2011), em seu verbete. Também não é razoável compreendê-lo como sinônimo de ingressar em juízo com recurso, apenas. Todas as acepções, separadamente, não dão conta de forma fidedigna do ato verbal desempenhado no contexto do instituto. Exige-se, dessa forma, a apreensão do ato processual recursal, quer o recurso seja interposto perante o juiz prolator da decisão, com o propósito de remetê-lo ao juiz superior, quer seja diretamente no tribunal.

Considerando então que a decisão do juiz inferior, contra qual se insurge o recorrente, deve ser objeto de nova apreciação pelo juiz superior, e pelo qual haver a reforma, o significado do verbo interpor, no instituto de recursos, assume o significado de pôr entre juízes, entre espécies de jurisdição, entre jurisdição inferior e superior. Equivale a dizer: pôr de uma espécie jurisdicional para outra, por intermédio de um órgão jurisdicional, por conseguinte, fazendo o superior intervir na decisão do inferior. Para tanto, implica compreender a noção de gradação de jurisdição, referida na seção recursal, porquanto a ação processual é deduzida desse deslocamento da prestação jurisdicional (espécies de jurisdição), que passa de um juiz para outro (gradação de jurisdição). Em síntese, significa passar a decisão (o julgamento) do juiz prolator para aquele de quem se quer o novo julgamento – decorrente do efeito devolutivo recursal.

A noção de colocar o recurso entre um juiz e outro deve ser compreendida de forma dinâmica. O verbo interpor, nesse caso, assume o significado de atravessar (passando de um órgão jurisdicional a outro). Há, desse modo, precisamente a efetivação do duplo grau de jurisdição, porquanto nota-se a gradação de jurisdição e, sobretudo a ocorrência de fenômeno de aspecto subjetivo: a inclusão de um sujeito (juiz superior) e a exclusão de outro (juiz inferior), no exercício de espécies de jurisdição (juízo e tribunal respectivamente).

Assim, é possível deduzir que, inserido nos institutos recursais, o verbo interpor adquire função decorrente do efeito devolutivo, da gradação de jurisdição, traços jurídicos aos quais está associado. É razoável afirmar que esse verbo assume o significado de provocar intermediação, no sentido dinâmico, que vai por intermédio de um juiz a outro. E essa significação representa a noção de movimento do recurso de uma espécie de jurisdição a outra.

O verbo opor: da língua geral à contextualização no instituto de Embargos de Declaração no CPC

Ocorre, nesse instituto recursal, uma peculiaridade demasiada relevante. Já se recorreu aos significados do verbo opor junto aos dicionários, conforme a seção 6.1. Segundo as definições coletadas, a única que merece registro é uma acepção de Kaspary (1990, p. 217), que contempla a possiblidade do emprego do verbo opor no contexto recursal, a seguir referida: “oferecer recurso contra uma decisão judicial [...]”.

Embora presente a possibilidade em seu repertório de verbos jurídicos, o autor não dispõe de exemplo. Todavia, é suficiente para a verificação de que o verbo opor pode assumir, sim, uma função semântica diferente de quando empregado no instituto de Embargos à Execução. Embora possuam em comum a palavra embargos para denominá-los, sobre o que também já se discorreu anteriormente, são institutos de natureza, princípios e objetos assaz diferentes.

O recurso de embargos de declaração tem como objeto provocar o juízo prolator da decisão para que se manifeste sobre ponto em que tenha incorrido em erro, omissão ou obscuridade. Nesse instituto, como se nota, o objeto não é opor-se à sanção jurisdicional prestada pelo Estado, tampouco o desejo de reanálise da decisão judicial, por órgão jurisdicional superior. O seu objeto é, afinal, a retificação da decisão pelo próprio juiz, conforme descrito na seção pertinente. Para tanto, resguarda competência jurisdicional o juiz prolator da decisão, a quem incumbe manifestar-se de algo ou ponto sobre o qual recai dúvida, erro, a fim de retificar o julgado, dando-lhe provimento.

Desse modo, não há, nos declaratórios, segundo a posição provisoriamente adotada, o clássico efeito devolutivo recursal, por intermédio do qual há a remessa da matéria ao tribunal. Forçoso reconhecer, portanto, que não há intervenção do juízo superior para reforma da decisão judicial. Contrariamente, os declaratórios estão sujeitos ao efeito iterativo, conforme expõe a doutrina, porquanto a matéria impugnada retorna ao próprio julgador para, segundo seus critérios, proceder à retificação do ponto contra o qual se insurge o recorrente. Assim, o verbo opor, inserido no contexto do instituto dos embargos declaratórios, assume significação que transcende àquela acessível ao falante da língua comum, por vezes, até mesmo à compreensão de acadêmicos e profissionais do Direito.

É possível referenciar a natureza, o objeto e os efeitos do instituto, com os quais o verbo guarda relação. Nesse contexto, o verbo opor expressa precisamente o ato volitivo do recorrente ao requer a retificação do julgado ao juiz prolator da decisão, porquanto, nesse caso, há o retorno da decisão ao próprio juiz para manifestação. Logo, a partir disso, é possível depreender seu aspecto pragmático.

Já o aspecto semântico diz respeito ao sentido assumido pelo verbo quando referenciado aos embargos declaratórios, permitindo dedução do militante jurídico do ato de simples contraposição, significando dizer, portanto, com objeto de contrapor-se à decisão maculada proferida. Desse modo, o verbo possui expressividade precisa, de sorte que se insurge contra a decisão, a fim de requerer que seja esclarecido ou retificado determinado ponto, e, por conseguinte, uma função específica. Assume a função de contrapor-se à decisão maculada, adquirida pela representação do objeto dos declaratórios.

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Sobre o autor
Gabriel Bezerra da Silva

Procurador do Município de Tramandaí/RS. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Gabriel Bezerra. Os verbos opor e interpor em contextos jurídicos específicos sob a ótica da Terminologia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7505, 18 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108087. Acesso em: 20 mai. 2024.

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