Desafios relacionados ao crime de parcelamento irregular de solo na cidade de Palmas/TO

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RESUMO

O estudo tem por objetivo analisar alguns desafios práticos do poder público relacionados ao enfrentamento administrativo e criminal do parcelamento irregular de solo na cidade de Palmas/TO. Justifica-se a escolha do tema em razão do avanço de parcelamentos irregulares na cidade, trazendo-se prejuízos ao meio ambiente e ordenamento urbano, fazendo-se necessária a análise do tema e o apontamento de algumas dificuldades atuais que se impõem ao poder público. Abordam-se questões relacionadas a casos práticos de Inquéritos Policiais que demonstram particularidades relativas ao controle feito pelos órgãos de fiscalização, relacionadas ao registro público desses empreendimentos irregulares, bem como a responsabilidade do poder público municipal em relação ao tema. Ao final são apresentados indicativos de possíveis soluções aos problemas apresentados.

Palavras-chaves: Parcelamento de solo. Loteamentos irregulares. Ordenamento urbano. Palmas.

ABSTRACT

The study aims to analyze some practical challenges of the public power related to the administrative and criminal confrontation of the irregular subdivision of land in the city of Palmas/TO. The choice of theme is justified due to the advance of irregular installments in the city, causing damage to the environment and urban planning, making it necessary to analyze the theme and point out some current difficulties that are imposed to public power. Issues related to practical cases of Police Inquiries are addressed, which demonstrate particularities related to the control carried out by the inspection bodies, related to the public record of these irregular undertakings, as well as the responsibility of the municipal public power in relation to the subject. At the end, indications of possible solutions to the problems presented are presented.

Keywords: Land Division. Irregular division. Urban planning. Palmas.

INTRODUÇÃO

Diante do acelerado crescimento das cidades, a Lei 6.766/79 trouxe regras que disciplinam o regular parcelamento do solo para fins urbanos, tutelando o crescimento ordenado das áreas de ocupação humana das cidades. Ocorre que a realidade tem mostrado que, apesar da existência de órgãos estatais para tornar efetiva essas disposições normativas, o avanço das ocupações irregulares, através do parcelamento irregular do solo, tem sido cada vez maior.

Além da atuação administrativa, a exemplo da Prefeitura Municipal e de outros órgãos com atribuições afins, há também a atuação na seara criminal, conforme crime previsto no Art. 50, da Lei 6.766/79, onde é tipificado o parcelamento irregular de solo para fins urbanos.

Apesar da atuação desses variados órgãos estatais, a proliferação de loteamentos clandestinos tem sido uma realidade facilmente perceptível no Município de Palmas, demonstrando, em certa medida, alguma deficiência nessa atuação.

A responsabilização criminal e a administrativa não têm inibido a existência desses empreendimentos, havendo a constatação de continuidade e até expansão de alguns loteamentos irregulares que já foram objeto de investigação em situações anteriores, tornando importante a análise do contexto político e socioeconômico da cidade, bem como as possíveis causas e soluções para maior efetividade da atuação estatal.

METODOLOGIA

Serão abordados aspectos legais a respeito dos crimes previstos na Lei 6.766/79, através de pesquisa bibliográfica. Será realizada pesquisa documental em acervo de Inquéritos Policiais da DEMAG (Delegacia Especializada na Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente e Conflitos Agrários de Palmas) para identificação de situações de reiteração delitiva em crimes de parcelamento irregular de solo e aspectos da conjuntura socioeconômica da cidade de Palmas/TO que podem indicar motivos para a continuidade das situações ilícitas. As pesquisas serão qualitativas e descritivas, já que buscam avaliar aspectos que dependem da compreensão, explicação e descrição de fenômenos sociais.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

  1. DO CRIME DE PARCELAMENTO IRREGULAR DE SOLO PARA FINS URBANOS.

O parcelamento de solo para fins urbanos é regulamentado pela Lei 6.766/79, sendo um diploma que trata de aspectos cíveis, administrativos e penais relacionados à ordenação de território urbano.

A referida lei passou a definir como crime o parcelamento (loteamento ou desmembramento) para fins urbanos em áreas rurais. Um dos tipos penais da referida lei está previsto da seguinte forma:

Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública.

I – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municipíos;

II – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;

III – fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena: Reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

O Art. 2º, parágrafos 1º e 2º, da Lei 6.766/79 estabelece a definição do que seria o loteamento e o desmembramento. Ambos são tipos de parcelamento de solo, sendo que o loteamento é a subdivisão de gleba com a abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes. O desmembramento é a subdivisão da gleba com o aproveitamento do sistema viário existente.

Desse modo, a lei prevê que o loteamento ou desmembramento de áreas sem a devida observância das normas urbanísticas e ambientais sujeitará o agente à responsabilização criminal devida (prevista no Art. 50 da Lei 6.766/79), sem prejuízo das sanções cíveis e administrativas relacionadas à infração. Além disso, trata-se de atividade potencialmente poluidora, havendo também a incidência do crime ambiental previsto no Art. 60, caput, da Lei 9.605/98.

  1. O PARCELAMENTO IRREGULAR DE SOLO PARA FINS URBANOS NO CONTEXTO DA CIDADE DE PALMAS/TO.

A tutela jurídica do ordenamento urbano tem apresentado dificuldades para a devida implementação na cidade de Palmas/TO.

Em relação à atuação administrativa, a Prefeitura Municipal tem o papel de fiscalização de irregularidades na ocupação do solo e coibição desses empreendimentos irregulares. Órgãos de fiscalização ambiental municipal e estadual também podem atuar, considerando que vários ilícitos ambientais decorrem desses empreendimentos.

Na esfera da persecução criminal, em muitos casos a atuação é iniciada a partir de documentos, autos de infração e termos de embargo produzidos no âmbito da atuação administrativa dos demais órgãos de fiscalização, podendo ser iniciada também diretamente a partir da atuação do Ministério Púbico e da Polícia Civil.

Ocorre que, apesar da atuação e esforços desses órgãos, existe um avanço de empreendimentos de parcelamento irregular de solo na cidade de Palmas e, em muitos casos, mesmo em áreas que já foram alvo de atuação administrativa e com os mesmos autores, já investigados e/ou autuados pela mesma prática criminosa.

Pode-se citar, por exemplo, casos em que o processo penal havia sido extinto em razão do cumprimento das condições da suspensão condicional do processo. No entanto, após notícia de crime encaminhada à Delegacia pelo Ministério Público, instaurou-se inquérito policial, sendo constatado que o investigado permanecia realizando vendas de lotes no mesmo local que havia sido objeto de investigação anteriormente. Em oitiva, o investigado alegou que não houve proibição judicial expressa de continuar as vendas no empreendimento, como se o fato de ter respondido a um processo não fosse motivo suficiente para inibir a sua conduta criminosa.

Este é um dos cenários que demonstra alguma falha na atuação estatal no combate a esse tipo de infração. Portanto, é imperioso analisar alguns aspectos que podem dificultar a atuação estatal na repressão a delitos de parcelamento irregular de solo na cidade de Palmas.

Inicialmente, podemos citar a existência de fiscalizações e investigações a respeito de uma mesma área que já foi objeto de atuação administrativa e criminal, sem que haja qualquer referência a essas atuações anteriores. Isso pode indicar a possibilidade de estar havendo um retrabalho das instituições envolvidas, bem como a ineficiência das medidas tomadas anteriormente. É necessário que sejam analisadas as providências administrativas que estão sendo adotadas e o conteúdo das decisões no âmbito da persecução penal, verificando-se alternativas com maior grau de efetividade que possam implicar na cessação das condutas vedadas e inibição da reiteração delitiva.

Outro aspecto é o crescimento da ocupação de áreas rurais do município e a ausência de regulamentação que se adeque a alguns aspectos de crescimento local. Normas dissociadas da realidade local dificultam a aprovação e regularização de empreendimentos que se destinam ao parcelamento do solo, resultando em entraves burocráticos que acabam aumentando a quantidade de parcelamentos de solo irregulares.

Por exemplo, ausente disposição em contrário, proprietários e possuidores de imóveis rurais no Município de Palmas não podem vender frações inferiores ao módulo rural (4 hectares = 40.000 m2, no caso) em algumas áreas do Município, sob pena de se caracterizar um parcelamento irregular. Mas a pressão econômica, a proximidade com a zona urbana e a procura por chácaras e sítios de recreio, dentre outros fatores, acabam fazendo com que esses proprietários e possuidores façam parcelamentos irregulares, nos moldes que entendam ser mais convenientes, ao arrepio das normas urbanísticas e ambientais.

Nesse cenário, importante o papel do Município no trabalho de adequação às demandas que se materializam na realidade local. Não somente na atividade inibitória do surgimento de ocupações irregulares, mas, também na regularização das áreas onde não foi possível evitar o surgimento desses parcelamentos, conforme tese já fixada pelo Superior Tribunal de Justiça:

Existe o poder-dever do Município de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares restrito às obras essenciais a serem implantadas em conformidade com a legislação urbanística local, sem prejuízo do também poder-dever da Administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer a sua atuação saneadora. (REsp 1164893/SE Recurso Especial 2009/0211816-7).

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Outro aspecto importante que contribui para o surgimento de parcelamentos irregulares refere-se a procedimentos adotados nos serviços cartorários. Não raro, para revestir o empreendimento de aparência de legalidade, são feitas escrituras públicas de compra e venda de fração ideal, com os compradores averbando essas escrituras públicas na matrícula do imóvel.

Às vezes, a quantidade de coproprietários é evidentemente desproporcional. Na prática, existe um loteamento, mas como os coproprietários não estão autorizados a fazer o destacamento da matrícula de seus lotes por se tratar de um loteamento irregular, os loteadores apresentam a alternativa aos clientes de registro de frações ideais, revestindo o empreendimento de uma aparente legalidade. Mas o que era para ser fração ideal, na verdade é loteamento ou desmembramento irregular, avalizado pelo cartório.

Há necessidade de regulamentação mais incisiva dos serviços cartorários a respeito dessas práticas, mas a atividade acautelatória do oficial de registro nesses casos não depende de regulamentação; é decorrente do próprio ordenamento jurídico vigente, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL. VENDA DE FRAÇÃO IDEAL DE TERRAS, PARA TRANSFERIR LOTE CERTO E DETERMINADO, SEM O REGULAR PARCELAMENTO DO SOLO. IMPOSSIBILIDADE. A venda de fração ideal de terras parceladas irregularmente não pode ser objeto de registro imobiliário, porque frauda a legislação específica; o Juiz que proíbe o registro desses negócios, sem a prévia oitiva do proprietário, não fere a garantia do contraditório, porque só ordenou o que o Oficial do Cartório já estava obrigado a fazer. Recurso ordinário não provido. (STJ - RMS: 9876 SP 1998/0038544-4, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 17/08/1999, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 18.10.1999 p. 226).

Desse modo, apresentam-se alguns fatores que merecem ser analisados, buscando-se soluções em variadas frentes para a diminuição das infrações relacionadas ao parcelamento irregular de solo e, consequentemente, um crescimento mais ordenado da cidade de Palmas/TO.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se neste trabalho apresentar alguns aspectos relacionados à incidência da prática de crimes de parcelamento irregular de solo na cidade de Palmas/TO.

Apesar da atuação dos órgãos administrativos e de persecução criminal, alguns empreendimentos continuam existindo e os autores permanecem em reiteração delitiva, indicando a necessidade de aperfeiçoamento das medidas adotadas e maior integração das instituições de fiscalização e de persecução criminal.

Apontou-se a existência de entraves normativos que indicam a necessidade de regulamentação mais adequada à realidade da cidade, de suas demandas sociais e econômicas, bem como processo mais transparente e menos burocrático de aprovação e regularização desse tipo de empreendimento.

Também se faz necessária a adequação da normatização dos serviços dos cartórios de registro de imóveis, voltada para impedir o registro indiscriminado de compra e venda de frações ideais de imóveis, evitando-se que o expediente seja utilizado para o registro de compra e venda de imóveis em empreendimentos irregulares.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 6.766/79, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6766.htm. Acesso em: 05/09/2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudência n. 651. Secretaria de Jurisprudência do STJ. Brasília, 2 ago. 2019, 19p. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo&acao=pesquisar&livre=@cnot=017093. Acesso em: 07/09/2023.

PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: crimes ambientais (Lei 9.605/98). 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

ROCHA, Fernando Goulart. Loteamentos irregulares e clandestinos: natureza urbanística e aspectos jurídicos do parcelamento do solo. Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito – Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/223509 . Acesso em 06/09/2023.

SOUSA, Ana Célia Lopes Barros. A lei do parcelamento do solo urbano e a preservação ambiental. 2019. Monografia de Especialização (Especialização em Direito Imobiliário) – Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/33256 . Acesso em 06/09/2023.

Sobre os autores
Tarsis Barreto Oliveira

Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Associado de Direito da UFT. Professor Adjunto de Direito da UNITINS. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Membro do Comitê Internacional de Penalistas Francófonos e da Associação Internacional de Direito Penal.

Rommel Rubens Costa Rabelo

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Especialista em Direito Público pelo Instituto Damásio de Direito. Delegado de Polícia Civil do Estado do Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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