Crimes cibernéticos e a sensação de impunidade

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RESUMO

O presente trabalho versa sobre os crimes virtuais e seu vertiginoso crescimento no Brasil nos últimos anos. A internet veio para facilitar a vida do homem, principalmente quanto à velocidade das informações que chegam até nós, sendo uma janela de oportunidades para o “internauta”, que, dependendo do indivíduo, pode ser usada para o bem ou para a prática de crimes. O avanço da tecnologia virtual trouxe consigo novas formas de praticar crimes, reduzindo os delitos, segundo o Código Penal brasileiro, tipificado por “Roubo”, que causa grande temor e traumas nas vítimas. Hoje, o trauma é outro, não sentido de forma presencial, mas de forma virtual, causando revolta e grande prejuízo financeiro nas vítimas, visto que, quando elas procuram as unidades policiais apenas querem reaver o seu bem que fora entregue de forma espontânea mediante artifício e ardil. A distância entre o criminoso e suas vítimas acaba por beneficiar a continuidade delitiva conhecida por cybercrime. Analisa-se se os Estados estão preparados para conter o avanço dos crimes virtuais, quais as ações do poder público em inovações legislativas punitivistas e tecnológicas para a identificação dos criminosos e rastreio das rés, bem como se os operadores do Direito, no caso os Delegados de Polícia, estão preparados e capacitados para investigação de tais crimes.

Palavras-chaves: ação penal; crime cibernético; impunidade.

ABSTRACT

This work deals with virtual crimes and their vertiginous growth in Brazil in recent years. The internet has come to make life easier for people, especially in terms of the speed of the information that reaches us. It is a window of opportunity for the "internet user", which, depending on the individual, can be used for good or for committing crimes. The advance of virtual technology has brought with it new ways of committing crimes, reducing the number of crimes, according to the Brazilian Penal Code, typified by "theft", which causes great fear and trauma to the victims. Today, the trauma is different, not felt in person, but virtually, causing revolt and great financial damage to the victims, since when they go to the police they just want to get back their property that was handed over spontaneously through artifice and trickery. The distance between criminals and their victims ends up benefiting the continuity of crime known as cybercrime. It is analyzed whether states are prepared to contain the advance of cybercrime, what actions the government has taken in terms of punitive legislative and technological innovations to identify criminals and track down the defendants; as well as whether legal operators, in this case police officers, are prepared and trained to investigate such crimes.

Keywords: criminal prosecution; cybercrime; impunity.

INTRODUÇÃO

A crescente ocorrência de crimes relacionados à internet vem aumentando drasticamente desde a pandemia no Brasil, tendo em vista a facilidade de se obter vultuosos valores de dinheiro de forma rápida. A constante oferta de produtos virtuais chamou a atenção dos criminosos, propiciando um vasto mercado para a obtenção de lucro de forma fraudulenta. As redes sociais ganharam maior destaque durante o período pandêmico, ambiente propício para a compra de produtos pela população, que opta por preços mais acessíveis.

A internet propiciou um avanço no mundo globalizado, em que o acesso e busca por informação trouxeram, além de benefícios, problemas, como os denominados cybercrimes, a exemplo do art. 154-A do Código Penal (Invasão de Dispositivo informático), originário, no ano de 2011, após invasão do computador pessoal da atriz Carolina Dieckmann, tendo sido expostas fotos íntimas na internet por não ter ela cedido à extorsão dos criminosos. Diante da repercussão midiática, o poder legislativo da União se movimentou para sancionar a Lei 12.737/2012, denominada Lei Carolina Dieckmann, que, além do crime de invasão de dispositivo informático, promoveu alterações em diversos artigos do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal).

Diante disso, o presente artigo versará sobre a linha de pesquisa relacionada a crimes virtuais, marco histórico no Brasil, crimes virtuais comuns, aplicação da lei penal, competência para julgamento e os motivos da sensação de impunidade.

METODOLOGIA

A metodologia a ser aplicada é a dedutiva, mediante pesquisas em sites de artigos científicos e páginas de notícias relacionados ao objeto do estudo em análise.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O surgimento da internet, inicialmente, ocorreu nos Estados Unidos em plena Guerra Fria, por volta de 1969, sendo a rede uma ferramenta de comunicação militar chamada Advanced Research Projects Agency Network – ARPANET, criada pelo Departamento de Defesa do Estados Unidos (SILVA e MARINHO, 2022).

A evolução da informática no início dos anos de 1980 possibilitou a conexão entre diversas redes com o desenvolvimento do protocolo TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol) e nos anos 90 a ARPANET foi transformada em NSFNET (National Science Foundation’s Network) que possibilitou conexões fora dos Estados Unidos, saindo da seara do governo para administração não governamental (TORMEN, 2018).

No Brasil, a internet teve amplo acesso ao público em 1995, tendo seu crescimento vertiginoso entre os anos de 1996 a 1997, saindo de 170 mil para 1,3 milhão de usuários, sendo que hoje, segundo o site Negócios SC (2023), temos aproximadamente 181,3 milhões de pessoas com acesso à internet, tudo isso fruto da evolução digital.

No entanto, essa evolução digital, apesar de ter trazido benefícios às pessoas, também trouxe problemas, como os denominados crimes virtuais ou cybercrimes, cuja definição é qualquer conduta culpável condenada por meio jurídico, ou seja, são condutas típicas, antijurídicas e culpáveis, praticadas por meio de sistemas informáticos (MENDES e VIEIRA, 2012).

O conceito de crime cibernético, segundo Cassanti (2014) é:

Toda atividade onde um computador ou uma rede de computadores é utilizada como uma ferramenta, base de ataque ou como meio de crime é conhecido como cibercrime. Outros termos que se referem a essa atividade são: crime informático, crimes eletrônicos, crime virtual ou crime digital.

Os crimes virtuais assumem diferentes formas, a depender do bem jurídico protegido; sendo assim, a internet atua como facilitador para a sua consumação, consideradas as dificuldades de identificação dos criminosos por parte da autoridade policial.

Nos dizeres de Domingos e Röder (2017): “No que toca aos delitos reais ou virtuais que deixaram evidências digitais, a sua investigação torna-se mais complexa, uma vez que aumenta a dificuldade em precisar o local onde estão as provas a serem coletadas”.

Grande marco no enfrentamento dos crimes virtuais no Brasil se deu no ano de 2011 com a invasão do computador da atriz Carolina Dieckmann, tendo sido divulgadas 36 fotos intimas em redes sociais após não ter ela cedido à extorsão dos criminosos. Devido à grande repercussão que teve o caso, foi sancionada a lei 12.737/2012, que tipificou no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) o crime denominado de Invasão de dispositivo informático.

Além da inovação na legislação penal, segundo Araújo (2023), a lei Carolina Dieckmann:

A Lei Carolina Dieckmann também incluiu no Código Penal regras para interrupção ou perturbação de serviço informático, telemático ou de informação de utilidade pública e ainda a equiparação de cartão de crédito ou débito a documento particular para estabelecer a pena de reclusão de um a cinco anos e multa a quem falsificar esses itens.

No ano 2020, o mundo sofreu mudanças drásticas por causa da pandemia de COVID-19, fazendo com que a população passasse a utilizar a internet com mais frequência, o que acabou por favorecer ainda mais a prática dos cybercrimes.

Segundo Silva e Marinho (2022), no que concerne aos ataques cibernéticos:

Segundo o relatório do FortiGuard Labs (laboratório da Fortguard), no decorrer do ano de 2020 o Brasil sofreu nada menos do que 8,5 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos, sendo que, 5 bilhões ocorreram apenas nos últimos três meses do ano (outubro, novembro e dezembro). No ano de 2021 o Brasil sofreu mais de 88,5 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos, tendo um aumento de mais de 950% com relação a 2020 (com 8,5 bi), o Brasil ocupou o segundo lugar em número de ataques na América Latina e Caribe, atrás apenas do México (com 156 bi). A alta nos números foi constante durante o ano e ocorreu em toda a região, que chegou a registrar 289 bilhões de ataques no total, um crescimento de mais de 600% com relação ao ano anterior (com 41 bi).

O incremento dos ataques cibernéticos se deu pelo crescimento das mídias digitais durante a pandemia do novo coronavírus, como os streamings de vídeo, expansão do e-commerce e Marketplace, fazendo com que grupos de criminosos utilizassem essas ferramentas para atrair vítimas e aplicar golpes, mormente o crime de Fraude Eletrônica (Art. 171, § 2º-A da Lei 2.848/1940). Devido à expansão das mídias digitais durante a pandemia houve o enfraquecimento da segurança na rede, bem como o uso ilegal de dados pessoais vazados na deep web. (SILVA, 2022)

Os crimes comuns durante a pandemia perduram até hoje, visto ser uma das formas eficazes de ganhar dinheiro mediante artifício/ardil, sendo exemplo os malware, tanto os ransomware, que “trancam” o computador infectado e exigem resgate normalmente em criptomoedas; phishing, em que um criminoso finge fazer parte de uma instituição legítima para convencer as vítimas a entregar informações pessoais, normalmente com envio de e-mail ou SMS (serviço de mensagens curtas) com links ou arquivos contaminados que levam ao usuário a um site falso, a exemplo de página do Banco do Brasil; e clonagem do WhatsApp, em que o criminoso encaminha um código de acesso ao aplicativo para o celular da vítima, entra em contato com ela se passando por empresa conhecida, a exemplo do site da OLX, acessa a rede social da vítima e passa a pedir dinheiro emprestado a familiares e amigos. (SILVA e MARINHO, 2022)

Para a aplicação da lei penal, o Código Penal Brasileiro adotou, como regra, o princípio da territorialidade, conforme o seu art. 5º, e, para a definição do lugar do delito, optou pela adoção do princípio da ubiquidade (art. 6º do CP), que considera praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado (DOMINGOS e RÖDER, 2017). Portanto, se um crime cibernético ocorreu no Brasil, aplica-se a jurisdição brasileira.

No entanto, quando o criminoso é de outro país e a consumação do crime se deu aqui no Brasil, a competência para apurar o delito é da justiça estadual ou federal? Respondendo à pergunta, o Supremo Tribunal Federal, no RE 628.624 ED/MG, entendeu que, em regra, é da justiça estadual, dependendo, para ser julgado pela Justiça Federal, de três requisitos cumulativos:

a) que o fato esteja previsto como crime no Brasil; b) que o Brasil seja signatário de compromisso internacional, operado por meio de tratado ou convenção internacional, de combate àquela espécie delitiva; e c) que exista uma relação de internacionalidade entre a conduta criminosa praticada e o resultado produzido ou que, ao menos, deveria ter sido produzido.

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São muitas as dificuldades que os órgãos (Ministério Público, Polícia e Poder Judiciário) encontram para localizar e punir os autores de cybercrimes, o que explica a sensação de impunidade frente a tais crimes; esta é causada não pela falta de leis, mas pela morosidade das investigações, bem como pela falta de tecnologia e mão de obra especializadas no combate a essa modalidade criminosa. (CRUZ e RODRIGUES, 2018)

A quantidade de crimes ocorridos no país supera o número de capacitados para realizar as investigações. No que concerne à realidade do estado do Tocantins, existe apenas uma Delegacia de Crimes Cibernéticos, com apenas uma autoridade policial para investigar e instaurar os inquéritos policiais, adicionando-se a esse problema a demora no processamento e punição dos autores desses crimes.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Há anos os órgãos de justiça criminal vêm enfrentando dificuldades para investigar e punir os infratores dos denominados cybercrimes. Parte desse problema se relaciona às dificuldades intrínsecas de combate a essa modalidade de crime, dada a ampla realidade do meio virtual, adicionando-se a isso a ausência de mão de obra especializada para a investigação e punição dos infratores.

Desde a Lei Carolina Dieckmann, que no ano de 2023 completou 10 anos de existência, sendo considerada um marco histórico na luta contra essa modalidade de crime, surgiram outras leis específicas, a exemplo da Lei 14.155/2021 que tipificou alguns crimes, dentre eles a Fraude Eletrônica.

Como observado no FortiGuard Labs (laboratório da Fortguard), o Brasil ocupa o segundo lugar em número de ataques na América Latina e Caribe, atrás apenas do México, reforçando a necessidade de proteção e cuidado com a segurança digital.

Por fim, verifica-se que as vítimas de crimes virtuais ainda sentem no Brasil nítida sensação de impunidade, dado o crescimento vertiginoso de crimes dessa natureza, aliada à dificuldade de punição dos criminosos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho analisou os cybercrimes, a aplicação da lei penal, a competência para julgamento e a sensação de impunidade frente a esses crimes.

Os resultados obtidos apontam que estamos diante do crescimento de ataques cibernéticos, e que a quantidade de mão de obra capacitada não atende à demanda de investigação e punição, razão pela qual os órgãos de justiça criminal devem investir em capacitação dos profissionais para o combate a esse desafio no âmbito da segurança pública.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Janaína. Rádio Senado. Dez anos de vigência da Lei Carolina Dieckmann: a primeira a punir crimes cibernéticos. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2023/03/29/dez-anos-de-vigencia-da-lei-carolina-dieckmann-a-primeira-a-punir-crimes-ciberneticos>. Acesso em 07/10/2023.

BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/Del2848compilado.htm> Acesso em 19/10/2023.

BRASIL. Lei 12.737 de 30 de novembro de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm>. Acesso em 05/09/2023.

BRASIL. Lei 14.155 de 27 de maio de 2021. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14155.htm#art1>. Acesso em 17/09/2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Recurso Extraordinário 628.624/MG. Embargos de declaração no recurso extraordinário. Matéria criminal. Obscuridade sanada com a complementação da tese fixada. Embargos acolhidos. Brasília – DF. Relator Min. Edson Fachin. 18 de agosto de 2020. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753786441>. Acesso em: 08/09/2023.

CASSANTI, Moisés de Oliveira. Crimes virtuais, vítimas reais. Disponível em: < Chapter 13: Cibercrime - Crimes Virtuais, Vítimas Reais (zoboko.com)>. Acesso em 10/10/2023.

DOMINGOS, Fernanda Teixeira Souza e RÖDER, Priscila Costa Schreiner. Obtenção de provas digitais e jurisdição na internet. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacaotematica/ccr2/publicacoes>. Acesso em 15/10/2023.

MENDES, Maria Eugencia Gonçalves. VIEIRA, Natália Borges. Os crimes cibernéticos no ordenamento jurídico brasileiro e a necessidade de legislação específica. 2012. Disponível em: <http://www.gcpadvogados.com.br/artigos/os-crimes-ciberneticos-no-ordenamento-juridico-brasileiro-e-a-necessidade-de-legislacao-especifica-2>. Acesso em: 12/09/2023.

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SILVA, Beatriz Marques Rodrigues da. Crimes cibernéticos durante a pandemia em Goiás: aumento de casos de estelionato eletrônico. Disponível em: < https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/handle/123456789/5027>. Acesso em: 16/10/2023.

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TORMEN, Chalidan Adonai Callegari. Crimes cibernéticos: (im)possibilidades de coerção. Disponível em: <https://www.uricer.edu.br/cursos/arq_trabalhos_usuario/4078.pdf>. Acesso em: 30/09/2023.

Sobre os autores
Tarsis Barreto Oliveira

Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Associado de Direito da UFT. Professor Adjunto de Direito da UNITINS. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Membro do Comitê Internacional de Penalistas Francófonos e da Associação Internacional de Direito Penal.

Dônita Alves da Silva

Escrivão de Polícia no Tocantins. Graduado em Direito pela UNITINS. Especialista em Política e Gestão em Segurança Pública pela Universidade Federal do Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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