O procedimento de composição da Suprema Corte Brasileira e seus reflexos sociais e jurídicos

11/08/2023 às 12:06
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Intróito

No último dia 03 de agosto tomou posse como ministro do Supremo Tribunal Federal o advogado Cristiano Zanin. E partindo deste fato é que se põe a presente discussão. Uma discussão que precisa ser colocada; já passou do momento de ser travada. Os anos transcorrem e nada se fala do tema; nenhum jurista, certamente por receio dos inconvenientes de escrever sobre a questão, propõe-se a discuti-la de forma crítica. Quando se vê algo no meio jurídico sobre o tema, cuida-se geralmente de texto de cunho jornalístico, tão somente para elogiar a indicação.

Zanin tem como currículo uma pós-graduação em direito processual civil e dezenove anos de advocacia profissional na banca do sogro, a Teixeira Martins Advogados, onde começou a trabalhar em 2004. Roberto Teixeira patrocinava a defesa do então ex-presidente Lula, e, a certo momento, passou a bola para o genro, que fez nome e imagem nos anos de atuação do ex-juiz Sérgio Moro na Lava-à-Jato, cujas audiências judiciais ganhavam repercussão na mídia jornalística televisiva. Logrando carona na novel fama do causídico, a banca mudou o nome para Teixeira Zanin Martins Advogados, em 2020. Com a anulação de todos os atos decisórios do ex-juiz Sérgio Moro, em 2021, Lula pode livrar-se solto, concorrer às eleições de 2022 e sagrar-se presidente para um terceiro mandato, com início em 01/01/2023. Lula não escondeu que, tão logo surgisse a oportunidade, presentearia seu causídico com a indicação à vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. A oportunidade surgiu com a aposentadoria de Ricardo Lewandowski, em abril/2023.

Zanin sucede, na ordem decrescente de antiguidade no tribunal, a André Mendonça, outro advogado (o prometido “terrivelmente evangélico” de Bolsonaro), aprovado pelo Senado em dez/2021, e a Nunes Marques, mais um advogado que, com alguns anos de atuação, ascendeu ao TRF da 1ª. Região pelo quinto constitucional e, face à proximidade com outro piauiense, Ciro Nogueira, parlamentar do chamado “Centrão” e então integrante do governo, foi recomendado a Bolsonaro e por este nomeado ministro do Supremo, em out/2020. A indicação ganhou as manchetes nacionais e pegou a comunidade jurídica de surpresa, na época, pelo anonimato do então indicado.

Registra-se que a banca de Zanin continuará atuando perante o Supremo sob a administração da esposa, Valeska Teixeira Zanin Martins.

Feito este prólogo, o artigo não se direciona a tecer crítica pessoal a qualquer ministro, presidente, linha política, partido A ou B, etc. Propõe-se o debate jurídico, ilustrado por algumas constatações fáticas de conhecimento público, mas sem citação de fontes. As fontes são de fácil acesso na rede mundial de computadores e, mencionadas, pessoalizariam a discussão. Também não se discute quem, da advocacia, poderia ter sido escolhido, data venia, com muito mais mérito jurídico que Zanin ou qualquer outro ministro. Isto não tem mais relevância.

Propõe-se esta discussão em tese. A intenção, aqui, é discutir o procedimento. E o procedimento, da forma como vem sendo aviado – e para tal demonstração é que se partiu do breve relato histórico dos três últimos indicados – clama por mudanças. Já passou da hora. De há muito. Para bem da própria imagem do Supremo e do Judiciário brasileiro, enquanto poder instituído, autônomo e independente.

Dos Requisitos para o Cargo

A Constituição da República estabelece, no art. 101, que os ministros do Supremo devem ser escolhidos dentre pessoas de notável saber jurídico e reputação ilibada. Estes dois conceitos são, na lição de Eros Grau, jurídico-indeterminados, ou, nos termos da Lei 13.655/2018, que alterou a LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Dec.Lei 4657/42), valores jurídicos abstratos (art. 20). O art. 101 seria, ainda nos termos da LINDB, uma norma de conteúdo indeterminado (art. 23). O mesmo se aplica ao art. 2º da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), de igual letra.

Em sendo norma, e mormente uma com conteúdo desta natureza, faz-se exigência de sua interpretação. E a primeira delas que exsurge premente é a gramatical, ou semântica. A letra da norma é clara: o cidadão deve ter notável saber. De acordo com o dicionário, notável é o “digno de nota, o que pode ser percebido, notado; o digno de atenção”. Percebe-se ser a definição gramatical demasiado branda, não sendo por si suficiente, pelo que vem a CF/88 dar o norte, não só na redação do art. 101, mas em todo o sistema.

Para que o cidadão seja indicado e nomeado para qualquer tribunal do país, à exceção dos superiores, ele deve ter notório saber (CF/88, art. 94). Se extrairmos do dicionário a definição de notório, tem-se: “aquilo que é amplamente conhecido; sabido; aquilo que se mostra evidente; manifesto, público”. Percebe-se que, gramaticalmente, a definição de notório mostra-se mais marcante. Porém, não foi esta a intenção do constituinte, que claramente exigiu, para os tribunais superiores, que o indicado possuísse uma graduação maior, um currículo mais robusto, o notável saber (CF/88, art. 101, p/ o Supremo; art. 104, p. único, p/ o STJ; e art. 111-A, p/ o TST). Desta forma, se para compor tribunais regionais (do trabalho ou federais) ou de justiça, a Constituição exige um saber acima da média (manifesto, público, notório), para compor os tribunais superiores a Constituição exige o notável saber. Numa interpretação sistemática, portanto, é assente a intenção da gradação. Em sentido jurídico, o notável saber seria aquele acima do notório, como algo além do consabido e reconhecido; o saber incomum; o saber extraordinário, excepcional.

Isto parece não estar sendo minimamente observado. Veem-se nomeações de indicado que foi advogado pessoal do indicante, foi advogado do partido, foi procurador de ente público, ou, em seu governo, ocupante de cargo político (ministro ou secretário), ou porque chefiou a AGU (infelizmente, a chefia da AGU pode ser exercida por um estranho, em desprestígio aos membros da carreira; CF/88, art. 131, §1º). Veem-se, ainda, indicações por critério identitário. E, ultimamente, indicações por mera simpatia, correlação política ou crença religiosa. Raramente se viu colocar à mesa, de forma pública e transparente, o currículo jurídico do indicado que comprove o requisito constitucional; um estudo detalhado e comparativo de possíveis indicações ou a formulação de uma consulta, uma enquete que fosse, à comunidade jurídica.

O notável saber é um requisito objetivo que traz em si uma certa margem de subjetividade. Não podia ser diferente, pois o sistema de freios e contrapesos o exige. Mas, ainda assim, é um critério objetivo. É este o norte constitucional. O indivíduo deve ter currículo abastado, seja acadêmico (mestrado, doutorado, ou várias pós-graduações, mostrando filia pela obtenção do conhecimento aprofundado), seja bibliográfico (livros, vários artigos publicados, enfim: ser pessoa que gosta de escrever, que produz conteúdo jurídico) e, além disso, deve ter destacamento na comunidade jurídica nacional. A partir daí é que poderia o presidente da república usar de sua margem discricionária (critério subjetivo residual) para indicar quem, inserido nesse universo, mais lhe apetecesse, pelo motivo que fosse, ainda que de foro íntimo. Os parâmetros, porém, têm sido invertidos.

Observe-se ainda que se trata de requisito para a indicação ao cargo. Ou seja: se é requisito, é prévio. Trata-se de pré-requisito. Não se cuida de algo a ser cogitado no sentido de que o indicado irá obtê-lo ao longo do exercício do cargo: “vai estudar ao longo dos anos”, “irá fazer um bom trabalho”, “será um bom ministro”, etc., como se lê em textos defensivos do procedimento atual ou do indicando. A questão não é essa. Fazer um bom trabalho e ser um bom ministro, depois de nomeado, é o mínimo, é obrigação. A questão é jurídica, é constitucional. O requisito é prévio. O indivíduo deve ter cabedal jurídico merecedor da indicação e nomeação; esta, que é a maior honraria que um juiz ou jurista poderia receber. O indivíduo deve ser, por si só, notável! E não por fama ou serviço prestado. O requisito é prévio e não premial.

Há até posições no sentido de que o sujeito “não precisa ser um Ruy Barbosa”. Bem. A referência constitucional não foi a um nome ou pessoa, mas à adjetivação: notável saber. E notável saber, se é extraordinário ou excepcional, não é qualquer um que possui. A livre indicação, tomada como critério puramente subjetivo, viola inclusive o princípio da imparcialidade na Administração Pública, de status constitucional (art. 37). Trata-se de cargo para integrar a cúpula da Justiça nacional.

Há posições, ainda, no sentido de que Celso de Mello não tinha currículo robusto e foi um dos maiores ministros da corte de todos os tempos. É verdade. O ministro Celso de Mello era culto, de eloquência impar e tinha postura irretocável. Um exemplo de magistrado. Mas Celso foi um achado. Não existem “Celsos” por aí à disposição, como o raio não cai duas vezes no mesmo lugar. E de toda forma o norte constitucional é pelo pré-requisito.

O outro requisito constitucional é o da reputação ilibada. Aqui, a expressão deveria ser tomada em sentido o mais amplo possível, para não macular a imagem da Corte Suprema. Esta teria sido a intenção do constituinte, por óbvio. Portanto, não calha argumentar que o indicado, suspeito da prática de qualquer ato que o desabone, nunca sofreu processo, ou que não foi condenado, não teve contra si provado o fato, etc. Não é suficiente a presunção de inocência. Emerge aqui o dito popular: “não basta ser, deve parecer”. O menor sinal de prejuízo nesse critério deveria contraindicar a nomeação. Trata-se de nomeação para a suprema corte de um país, com automático vitaliciamento. Não se cuida de nomeação para cargo político no Executivo, demissível ad nutum. Nos últimos anos aviaram-se nomeações de indicados contra os quais se levantaram notícias, na imprensa da época, da prática de ato de violência doméstica, improbidade administrativa ou de ostentar curriculum vitae fraudado. Em defesa, surgem vozes: “- o indicado não tem nada contra si provado!”. Pergunta-se: e só serve se for esse? Tem que ser esse o indicado? Por que não outro, indene de arestas? Esta é a questão. Recai-se novamente no subjetivismo puro e simples e na violação ao princípio da imparcialidade. Arestas precisarão ser aparadas ou maquiadas e o sujeito já ingressa no tribunal com a imagem desgastada.

Por conta da falta de observação séria desses requisitos é que o STF sofre hoje uma importante crise de legitimidade. É certo que isto vem acontecendo também por conta da permeabilização social às ideias extremodireitistas no Brasil (cujos propósitos passam necessariamente pela tentativa de fragilizar o Poder Judiciário), mas este é só um dos motivos. Blindado estivesse o Supremo, e seus membros, pela observância de parâmetros técnicos nessas indicações, a instituição judiciária estaria muito mais fortalecida. E está tudo lá, no texto constitucional. Era só fazê-lo cumprir. Noutro giro, as categorias ou classes interessadas nessas nomeações logo se apressam em conseguir validação de ministros que compõem ou já compuseram o Tribunal. Ora, é óbvio que a declaração será positiva: em parte porque nenhum ministro vai se indispor gratuitamente contra um potencial futuro colega; e em outra parte porque ele próprio foi indicado daquela mesma maneira.

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A Problemática da Livre Indicação – Reflexos Sociais e Jurídicos

Diante do exposto, o que se observa, na prática, é a livre indicação. O presidente da república tem indicado livremente o pretenso ocupante da cadeira. Noutro giro, não se pode contar com a sabatina do Senado, que mais se assemelha a uma roda de conversa. Quando muito, procuram identificar a linha ideológica do indicado em temas que se costumam politizar (aborto, meio ambiente, pena de morte, etc.). No mais, podem-se ouvir colocações como “é uma honra estar sabatinando v. exa”, “eu estudei com o pai de v. exa!”, “o avô de v. exa era um grande homem”, e coisa que o valha.

Diante disso, exsurge a problemática da indicação livre em duas vertentes: a primeira, relativamente ao preparo para a atividade judicante; a segunda, pertinente à postura do eventual magistrado.

Quanto à primeira vertente, a inconsistência do procedimento – e do próprio sistema – é gritante. Para que um indivíduo pense em alçar a magistratura, deve tê-la como projeto de vida: ser vocacionado, estudar por muitos anos, com grande sacrifício pessoal e familiar, lograr aprovação em certame dificílimo com seis etapas (objetiva, subjetiva, sentencial, documental, oral e curricular) e, ficando aprovado, enfrentar árdua carreira, desde juiz substituto a titular, e aqui passando por todas as comarcas, da interiorana menor até chegar à capital, enfrentando audiências em um turno do dia (que frequentemente passa ao outro), e lavrando sentenças no restante do tempo que tiver, com cumprimento de metas e rankings e sofrendo monitoramento constante por robôs de coleta de dados. Isto tudo até que um dia, havendo tempo e oportunidade, na última parte da carreira, possa eventualmente receber promoção para a segunda instância; que é quando terá auxílio de uma equipe para lavrar as decisões, segundo seu entendimento, a fim de que possa se dedicar apenas aos estudos e às sessões de julgamento.

Ocorre que, quanto mais se chega perto da cúpula do Judiciário, mais frouxo o sistema vai ficando.

Nos tribunais de segundo grau, há o instituto do quinto constitucional, com o fito, assim se diz, de “arejar” os tribunais (isto daria matéria para um texto autônomo, mas não convém, nesta oportunidade).

Para compor os tribunais superiores, a Constituição reproduziu este mecanismo do quinto constitucional. No restante das cadeiras, portanto, as vagas devem ou deveriam ser preenchidas por magistrados de carreira; aqueles que passaram por todo o amadurecimento narrado linhas atrás, como ocorre nos tribunais ordinários, e como é no TST (CF, art. 111-A, II). No STJ, porém, o sujeito pode ingressar tangencialmente no tribunal pelo quinto (que numericamente, no STJ, é terço) e pelas vagas correspondentes à magistratura, pois o art. 104, p. único, I, da CF/88 não exige que o indicado proveniente de TRF seja magistrado de carreira.

Até que se chega ao Supremo, composto de 11 juízes nomeados pelo presidente da república livremente, num sistema em que o indicado não necessita qualquer conhecimento prévio do ofício judicante para ingressar na suprema corte do país com o fito de... desenvolver a atividade judicante. Não existe reserva de vagas pré-definidas. O nomeado pode chegar ao Supremo sem conhecimento de causa do que é a magistratura, para julgar os processos jurídicos mais importantes da nação e, ainda, para chefiar o CNJ (CF, art. 103-B, I e §1º), que julga ações disciplinares contra... magistrados de carreira. Num paralelo com a Justiça Militar, seria como poder alocar apenas civis para julgar ações militares. O indivíduo chega ao tribunal sem qualquer submissão a uma avaliação prévia, sem passar sequer por uma prova de sentença, sem qualquer experiência, sem qualquer vivência, para exercer pela primeira vez a atividade judicante exatamente na cúpula do Judiciário. No Supremo Tribunal brasileiro, composto de 11 juízes-ministros, 9 são oriundos da advocacia e/ou cargos políticos. É evidente que isto não está certo.

E não tem dado certo. Juridicamente, a quantidade de decisões judiciais atécnicas, solipsistas, ativistas ou fundamentadas em critérios extrajurídicos (econômicos, consequencialistas, estatísticos) é flagrante. Sobre isso há milhares de colunas e escritos publicados. E a situação piora nas decisões colegiadas provenientes dos órgãos fracionários (Turmas) e, mais ainda, nas monocráticas (reclamações constitucionais), onde as atecnias fixadas nos julgamentos colegiados são ampliadas e pioradas, pela maior margem do julgador para praticar o ativismo, eis que decide sozinho (outra aberração que deve ser extinta urgentemente: ministro cassando acórdãos dos tribunais regionais monocraticamente). A comunidade jurídica, especialmente a trabalhista, tem-se ressentido demais da grande desconsideração para com o Direito do Trabalho, a Justiça do Trabalho e os trabalhadores brasileiros, frente à (falta de) qualidade das decisões dos ministros, e até de vivência prática e humanidade para com os hipossuficientes (mas isto também é matéria para outro artigo).

Quanto à segunda vertente, a da postura social, a magistratura exige de seu representante uma vida social menos ativa, mais reclusa em termos de relações e comportamento. O magistrado não deve usufruir de amizades de ocasião, compadrios políticos, convívio ostensivo no meio empresarial, e apresentações frequentes no meio social. Seu comportamento deve ser discreto e distante de badalações, sem dar margem a troca de favores. Tudo isto para preservar um dever e um atributo da magistratura, que é o da imparcialidade. As garantias da magistratura existem (CF, art. 95, caput, I a III) para permitir-lhe a imparcialidade. Os deveres da magistratura existem (CF, art. 95, p. único, I a V) para se deixar transparecer que há imparcialidade. Não basta ser, tem que parecer.

Esse sistema é exatamente o oposto da vivência advocatícia, cuja atividade é, por sua própria natureza, parcial (o advogado não representa o Estado[-juiz], mas a parte, ou os interesses da categoria que costuma defender), e seus membros necessitam de uma boa rede de contatos, visto que são trabalhadores autônomos (profissionais liberais). Boa parte vive de cargos políticos de livre nomeação e exoneração.

Ora, é justamente essa rede de ligações políticas que lhes dá vantagens para ingressar na magistratura obliquamente, e compor tribunais como STJ e STF, em detrimento dos magistrados de carreira, ou dos juristas em geral. Ademais da incoerência do sujeito que escolheu a advocacia ou a política para sua vida profissional resolver ingressar na magistratura na primeira oportunidade que lhe aparece (é inarredável que é uma incoerência!), ele encontra muito maior facilidade para seu intento, em face de suas conexões políticas, do que alguém que ingressou pela porta da frente e passou a vida profissional se dedicando à mesma. E não só os magistrados, mas a mesma desvantagem sofrem os advogados e os professores catedráticos de direito que se dedicam à produção jurídica e à doutrina, aos livros e ao ensino jurídico, em detrimento dos meandros da vida política.

Daí vêm as consequências práticas. Como essas pessoas não tiveram uma vida lastreada no peso da necessidade de se ter um comportamento mais recluso, não se apercebem de suas imposturas, ou são resistentes à assunção desse ônus, a despeito das críticas constantes. Esta constatação é o que justifica, como já se noticiou inúmeras vezes na imprensa nacional, o comportamento de ministros do Supremo ou STJ criticando processos ou decisões de outros colegas abertamente; participando com frequência de rodas de debates em programas de televisão; expondo na mídia procedimentos correicionais; atacando, até com expressões indecorosas ou termos chulos, membros da magistratura de instâncias inferiores, ou membros do ministério público, com processos judiciais ou disciplinares em curso; mantendo-se em reuniões a portas fechadas e em locais inadequados com empresários ou políticos; etc. Além de outras questões mais sérias já levantadas pelo jornalismo, como servir-se de jatinho particular de empresário para viagens; atuar ou influenciar em processos patrocinados por bancas advocatícias de que fazem parte cônjuge ou parente; atuar em processo que tenha como parte padrinho de casamento (e ainda declarar que não há problema nenhum nisso); associar-se com advogado para instituir negócios; prometer, em ligação telefônica, intermediar junto a colega do tribunal em favor de político que responde a processo na corte; podendo-se mencionar ainda pequenos episódios que maculam a imagem da corte, como permitir a entrada de advogado afamado trajado em bermuda no tribunal. Todas são/foram questões já amplamente noticiadas na imprensa jurídica e jornalística.

Estas situações destroem a imparcialidade do julgador, do Judiciário, e a credibilidade da Justiça. Perceba-se que no TST, composto de magistrados de carreira, não se observam essas teratologias.

Outro ponto que causa incômodo é que, na grande maioria das vezes, a banca de advocacia do recém-nomeado continua funcionando, ainda que com outro nome ou sob chefia de outrem, muitas vezes cônjuge ou parente, e isso dá margem à toda sorte de influências na rotina judiciária.

Ah! Mas o sistema é cópia do americano!”; dizem os defensores do procedimento. De fato, o procedimento é praticamente o mesmo do da indicação e nomeação para a U.S. Supreme Court. Entrementes, há diferenças substanciais.

A uma, trata-se dos Estados Unidos, país de aprimoramento moral muito superior ao Brasil, e de democracia muito mais consolidada.

A duas, dos 9 julgadores atuais da suprema corte americana, apenas uma, Elena Kagan, não proveio dos tribunais de apelação (embora tivesse experiência judicante com a atividade de assessoria de juiz federal e de juiz da própria suprema corte). E, mesmo assim, sua escolha foi criteriosa: Kagan era professora titular nas universidades de Harvard e Chicago, as duas maiores e mais tradicionais no curso de direito dos Estados Unidos. No Supremo brasileiro, dos 11 julgadores, 9 provieram da advocacia, pública ou privada, ou cargos políticos. Apenas a ministra Rosa Weber e o ministro Luiz Fux são magistrados de carreira. Se se contar experiência judicante anterior, são apenas três: Weber, Fux e Nunes Marques, que compunha o TRF1 pelo quinto.

A três, o membro mais novo da Suprema Corte americana tem 51 anos de idade – a juíza Amy Coney Barret, nascida em jan/1972 – e tinha 48 anos quando foi indicada. Barret era juíza da corte de apelação de Chicago. Antes dela, somente Clarence Thomas tinha sido nomeado na casa dos 40 anos, isto há quase 32 anos (em out/1991, com 43 anos de idade, no governo de Bush pai). Thomas era juiz da corte de apelação de Washington. No Supremo brasileiro, mais da metade do tribunal (seis dos atuais ministros) tomou posse com essa média de idade (um deles com apenas 41 anos). Além da falta de experiência judicante, a própria pouca maturidade prejudica o ofício, especialmente nos ramos jurídicos sociais (direito do trabalho e direito previdenciário). Para fins comparativos, os dois magistrados de carreira do Supremo, Weber e Fux, tomaram posse com 63 e 57 anos de idade, respectivamente. Se atualmente compusesse o Supremo, haveria um da mesma idade e outros dois ministros mais jovens que Barret.

É evidente, pelo quanto exposto, que o sistema brasileiro de composição da suprema corte nacional é frouxo, frágil, demasiado aberto. Não à toa o tribunal passa por uma crise de legitimidade que seguramente é a maior de sua história, culminando, em seu ápice, com os atos do dia 08 de janeiro (os quais, novamente, frisa-se, não se deveram apenas ao procedimento de composição, mas foram, indiscutivelmente, e isto era pauta aberta dos golpistas, fundados também neste).

Conclusão - Proposta de Procedimento

Para encerrar esse breve texto, fica sugerido um procedimento que seria muito mais condizente com a envergadura do tribunal, qual seja, uma emenda constitucional que propusesse que pelo menos seis dos ministros proviesse obrigatoriamente da magistratura de carreira, sendo três da Justiça Comum e três da Justiça do Trabalho (ou dois da JT e um juiz federal previdenciarista), a fim de elevar a multidisciplinaridade necessária a um tribunal constitucional que tem claramente se mostrado desconhecedor deste tão relevante ramo jurídico para o povo brasileiro (mas isto também é tema para outro artigo). O restante poderia ser escolhido, em partes iguais, dentre advogados, juristas, professores, membros do ministério público, com destacamento na comunidade jurídica a nível nacional, observada a multidisciplinaridade e sempre respeitados os requisitos tradicionais já colocados no texto constitucional, prévios à indicação. Também seria conveniente a majoração da idade mínima para 45 anos.

Isto melhoraria, por certo, a imagem do tribunal perante a sociedade, a qual, pelo bem ou pelo mal, mostra-se hoje mais crítica e mais diligente no que concerne aos atos e decisões do Poder Judiciário.

Sobre o autor
Alexandre Herculano Verçosa

Servidor Público Federal, integrante dos quadros do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª. Região. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela Assembléia Legislativa do Piauí. Ex-Assessor da Presidência do TRT22. Ex-Diretor de Vara do Trabalho. Ex-Secretário Geral Judiciário do Tribunal (biênio 2011-2). Ex-Assistente de Gabinete de Desembargador Federal do Trabalho. Atualmente Assistente de Juiz Federal do Trabalho Titular de Vara do Trabalho. Ex-Professor de Cursos Preparatórios para Concurso Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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