A aplicação de diferencial de alíquota de ICMS à empresa optante pelo simples nacional e o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do tema 517 da Repercussão Geral

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Jorge Américo Pereira de Lira

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco

A discussão acerca da cobrança do diferencial de alíquota de ICMS de empresas optantes pelo Simples Nacional que adquirem mercadorias em outros estados da Federação é tema recorrente em demandas judiciais, razão pela qual foi submetida a julgamento, em sede de repercussão geral (Tema 517), pelo Supremo Tribunal Federal, ganhando destaque no cenário jurídico nacional.

A principal tese dos contribuintes optantes pelo Simples Nacional é no sentido de que a referida cobrança é inconstitucional por violar o princípio da não cumulatividade e o dispositivo constitucional que prevê tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte.

Por outro lado, o Fisco, a seu turno, alega que a submissão do contribuinte ao Simples Nacional não exclui a possibilidade de exigência do ICMS em determinadas situações, em especial, nas aquisições interestaduais, porquanto o próprio disciplinamento legal, conferido ao Simples Nacional, assim determina, em consonância com a Constituição Federal.

Diante disso, cumpre analisar a jurisprudência dos Tribunais Superiores nessa temática e os argumentos que levaram à resolução dessa controvérsia, com o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Tema 517 de sua Repercussão Geral.

De início, faz-se mister comentar que o art. 13, §1°, XIII, g, da Lei Complementar n° 123/2006 autoriza expressamente a cobrança de alíquota diferenciada do ICMS nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal. Além disso, a referida Lei, em seu art. 23, veda taxativamente a apropriação ou compensação de créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidas pelo Simples Nacional, de modo que tal vedação compreende não apenas as operações subsequentes no caso do diferencial de alíquota, mas também todas as demais hipóteses.

Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é dado ao legislador ordinário excepcionar a não cumulatividade mesmo em situação de tributo plurifásico, impedindo o aproveitamento ou a transferência de créditos, desde que em favor da racionalidade do regime diferenciado e mais favorável ao micro e pequeno empreendedor, bem como lastreado em finalidades com assento constitucional, como é o caso da promoção do federalismo fiscal cooperativo de equilíbrio e da continuidade dos pilares do Estado Fiscal.

Vale conferir, nessa toada, os seguintes precedentes do STF:

Ementa: TRIBUTÁRIO. ICMS. CONTRIBUINTES OPTANTES PELO SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE – SIMPLES. APROVEITAMENTO OU TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS. VEDAÇÃO LEGAL (LEI ESTADUAL 12.410/2005). VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA NÃO CUMULATIVIDADE E DA PROIBIÇÃO DE BITRIBUTAÇÃO. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(STF, ARE 658571 AgR, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 26/04/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 06-05-2016 PUBLIC 09-05-2016)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. FORNECEDORES OPTANTES DO SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE – SIMPLES. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS: IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(STF, RE 595450 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/10/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-221 DIVULG 08-11-2012 PUBLIC 09-11-2012)

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Tributário. Não cumulatividade. Optantes do Simples Nacional. Aproveitamento e transferência de créditos de ICMS. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte vem se firmando pela impossibilidade de aproveitamento e transferência de créditos por parte dos contribuintes optantes pelo SIMPLES. Precedentes. 2. Não provimento do agravo regimental. Condenada a parte agravante ao pagamento de multa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 1.021, § 4º, do novo CPC. A título de honorários recursais, a verba honorária já fixada deve ser acrescida do valor equivalente a 10% (dez por cento) de seu total, nos termos do art. 85, § 11, do novo Código de Processo Civil, observados os limites dos §§ 2º e 3º do citado artigo e a eventual concessão de justiça gratuita.
(STF, ARE 938209 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 30/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-177 DIVULG 10-08-2017 PUBLIC 14-08-2017)

Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o diferencial de alíquota (DIFAL) não viola a sistemática do Simples Nacional. Isso porque o diferencial de alíquota apenas garante ao Estado de destino a parcela que lhe cabe na partilha do ICMS sobre operações interestaduais.

Caso não houvesse cobrança do DIFAL, ocorreria grave distorção na sistemática nacional desse imposto, pois a aquisição interestadual de mercadoria seria substancialmente menos onerosa do que a compra no próprio Estado, sujeita à alíquota interna "cheia".

Com efeito, a cobrança do diferencial de alíquota não onera a operação posterior, promovida pela empresa optante pelo Simples Nacional, apenas equaliza a anterior, realizada pelo fornecedor, de modo que a diferença entre alíquota interna (superior) e a alíquota interestadual seja recolhida aos cofres do estado de destino da mercadoria, a fim de minorar os efeitos da chamada "guerra fiscal".

Para melhor compreensão da presente controvérsia, cumpre observar o julgado do Superior Tribunal de Justiça a seguir:

TRIBUTÁRIO. SIMPLES NACIONAL. AQUISIÇÃO INTERESTADUAL DE MERCADORIA. ALÍQUOTA INTERESTADUAL. ART. 13, § 1º, XIII, "g", da LC 123/2002. EXIGIBILIDADE. 1. A contribuinte é empresa optante pelo Simples Nacional que adquire mercadorias oriundas de outros Estados da Federação. Insurge-se contra a exigência, por lei de seu Estado, do diferencial entre a alíquota interestadual (menor) e a interna (maior). 2. Apesar de reconhecer que o art. 13, § 1º, XIII, "g", da LC 123/2002 determina o recolhimento do diferencial de alíquota, a Corte estadual entendeu que a legislação local deveria, necessariamente, prever a compensação posterior, o que não houve. Por conta da omissão da lei estadual em regular a matéria, a exigência do diferencial seria inválida. 3. Inexiste debate a respeito da legislação local. É incontroverso que a lei mineira exige o diferencial de alíquota na entrada da mercadoria em seu território e não permite compensação com o tributo posteriormente devido pela empresa optante pelo Simples Nacional. 4. Tampouco há dissídio quanto à interpretação da Constituição Federal, que admite a sistemática simplificada e prevê, como regra, o princípio da não-cumulatividade. 5. A demanda recursal refere-se exclusivamente à análise do art. 13, § 1º, XIII, "g", da LC 123/2002, para aferir se a exigência do diferencial de alíquota é auto-aplicável. 6. O diferencial de alíquota apenas garante ao Estado de destino a parcela que lhe cabe na partilha do ICMS sobre operações interestaduais. Caso não houvesse cobrança do diferencial, ocorreria grave distorção na sistemática nacional desse imposto. Isso porque a aquisição interestadual de mercadoria seria substancialmente menos onerosa do que a compra no próprio Estado, sujeita à alíquota interna "cheia". 7. Sobre um insumo, por ex., do Rio de Janeiro destinado a Minas Gerais, incide a alíquota interestadual de 12%. Se o mesmo insumo for adquirido no próprio Estado, a alíquota interna é de 18%. 8. A cobrança do diferencial de alíquota não onera a operação posterior, promovida pela empresa optante pelo Simples Nacional, apenas equaliza a anterior, realizada pelo fornecedor, de modo que o diferencial de 6%, nesse exemplo (= 18 - 12), seja recolhido aos cofres de Minas Gerais, minorando os efeitos da chamada "guerra fiscal". 9. Isso não viola a sistemática do Simples Nacional, não apenas porque a cobrança do diferencial é prevista expressamente pelo art. 13, § 1º, XIII, "g", da LC 123/2002, mas também porque a impossibilidade de creditamento e compensação com as operações subseqüentes é vedada em qualquer hipótese, e não apenas no caso do diferencial. 10. De fato, a legislação mineira não prevê a compensação do ICMS recolhido na entrada (diferencial de alíquota), o que é incontroverso, pela simples razão de que isso é expressamente obstado pelo art. 23, caput, da LC 123/2002. 11. Ao negar eficácia ao disposto no art. 13, § 1º, XIII, "g", da LC 123/2002, o TJ-MG violou a lei federal, descaracterizando o próprio Simples Nacional, o que impõe a reforma do acórdão recorrido. 12. Recurso Especial provido. (STJ, REsp 1193911/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2010, DJe 02/02/2011)

A opção pelo Simples Nacional é facultativa no âmbito da livre conformação do planejamento tributário, pelo que se deve arcar com os bônus e ônus decorrentes dessa escolha empresarial, que, em sua generalidade, representa um tratamento tributário sensivelmente mais favorável à maioria das sociedades empresárias de pequeno e médio porte.

Dessa forma, na esteira da jurisprudência do STF, afigura-se inviável ao Poder Judiciário, à luz da separação dos poderes, mesclar as características mais favoráveis dos regimes tributários, criando um modelo híbrido, sem qualquer amparo legal.

Nesse sentido, reproduzo os seguintes precedentes do STF:

Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. SIMPLES NACIONAL. ALÍQUOTA DIFERENCIADA PARA O ISS. ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INEXISTÊNCIA. CRITÉRIO DECORRENTE DA OPÇÃO VOLUNTÁRIA AO REGIME SIMPLIFICADO. IMPOSSIBILIDADE DE MESCLAR PARTES DE REGIMES TRIBUTÁRIOS DISTINTOS. VEDAÇÃO AO PODER JUDICIÁRIO DE ATUAR COMO LEGISLADOR POSITIVO. 1. Conforme se depreende da sistemática do Simples, a fixação de alíquotas diferenciadas para o ISS decorre do próprio regime unificado dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja regra matriz tem assento no texto da Carta, notadamente nos arts. 146, III, d, e 179, caput. 2. A opção pelo Simples Nacional é facultativa, devendo o contribuinte sopesar a conveniência da sua adesão a esse regime tributário, decidindo qual alternativa lhe é mais favorável. 3. A ofensa à isonomia tributária ocorreria se admitida a mescla das partes mais favoráveis de um e outro regime, de molde a criar um regime mais conveniente ou vantajoso. 4. Inaplicável o art. 85, §11, do CPC/2015, uma vez que não é cabível condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e Súmula 512/STF). 5. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, §4º, do CPC/2015, em caso de unanimidade da decisão.
(RE 1009816 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 09-06-2017 PUBLIC 12-06-2017)

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. Extensão da equiparação prevista no art. 5º da Lei nº 9.716/98 às empresas optantes do Simples Nacional. Impossibilidade. Inadmissibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo. 1. Não cabe ao Poder Judiciário estender a equiparação prevista no art. 5º da Lei nº 9.716/98 às empresas optantes do Simples Nacional, sob pena de exercer papel legislativo e constituir um sistema Simples Híbrido, outorgando benefícios tributários ao arrepio da lei. Tal favor poderia aviltar a proporcionalidade e o equilíbrio sob os quais o legislador complementar baseou-se originalmente. 2. Agravo regimental não provido.
(RE 936642 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 28/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-165 DIVULG 05-08-2016 PUBLIC 08-08-2016)

Em maio de 2021, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 970821 - Tema 517, definiu a tese de que é constitucional a imposição tributária de diferencial de alíquota do ICMS pelo Estado de destino na entrada de mercadoria em seu território realizada por sociedade empresária aderente ao Simples Nacional, independentemente da posição desta na cadeia produtiva – se consumidor final ou não – ou da possibilidade de compensação dos créditos.

Discutiu-se, em síntese, a necessidade de observância ou não do princípio da não cumulatividade, previsto no art. 155, §2º, I da CF, o qual determina que o valor pago a título de tributo deve ser compensado nas operações seguintes da cadeia. 

Nesse julgamento paradigmático, restou consignado que a sistemática da não cumulatividade não funciona para os optantes do SIMPLES, pois o DIFAL das operações de aquisição de mercadorias para fins de revenda compõe a base de cálculo da antecipação das empresas que optam pelo referido regime, mas lhes é vedada a apropriação e a transferência de créditos, nos termos da Lei Complementar nº 123/2006. Ressaltou-se, ainda, que tal entendimento se aplica tanto à situação em que a empresa optante do SIMPLES compra mercadoria para revenda, quanto para as hipóteses em que, por exemplo, a adquire para “uso, consumo ou ativo imobilizado”.

Vale notar que ao julgar o Tema 517, o STF não se debruçou sobre a tese de existência ou não de lei complementar, pois compreendeu que a Lei Complementar nº 123/2006 expressamente autoriza a cobrança do diferencial de alíquota (art. 13, § 1º, XIII, “g”, 2, e “h”) e ainda porque o DIFAL do optante do Simples Nacional não é cobrado, necessariamente, do consumidor final (situação julgada no Tema 1093).

Ademais, no Tema 517, o Supremo Tribunal Federal entendeu legítima a exigência do DIFAL nos casos de operações de aquisição de mercadorias por empresas optantes pelo SIMPLES NACIONAL, sob o fundamento de que tal regime é facultativo, cabendo aos contribuintes que por ele optarem não apenas usufruir do bônus de sua decisão, mas também do ônus.

Saliente-se, por sua extrema clareza, o seguinte excerto do voto do Exmo. Rel. Ministro Edson Fachin:

(...) Não há como reputar existente vício formal na espécie, porquanto a Lei Complementar 123/2006 expressamente autoriza a cobrança de diferencial de alíquota mediante antecipação do tributo em seu art. 13, §1º, XIII, “g”, 2, e “h”.

(...)

Nesse contexto, a parte Recorrida no exercício de sua competência tributária exige do contribuinte local o recolhimento do ICMS nas aquisições interestaduais na entrada da mercadoria em seu território, assim como a legislação estadual não permite compensação com os tributos posteriormente devidos pela empresa optante do Simples Nacional, nos termos das Leis Estaduais 8.820/89 e 10.043/93 e do RICMS do Estado recorrido. O diferencial de alíquota consiste em recolhimento pelo Estado de destino da diferença entre as alíquotas interestadual e interna, de maneira a equilibrar a partilha do ICMS em operações entre entes federados. Complementa-se o valor do ICMS devido na operação. Ocorre, portanto, a cobrança de um único imposto (ICMS) calculado de duas formas distintas, de modo a alcançar o valor total devido na operação interestadual.

(...)

A meu juízo, não merece acolhida a alegação de ofensa ao princípio da não-cumulatividade, haja vista que o art. 23 da Lei Complementar supracitada também veda explicitamente a apropriação ou compensação de créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional.

(...)

Por conseguinte, é dado ao legislador ordinário excepcionar referida norma-regra mesmo em situação de plurifásia, impedindo a formação do direito ao abatimento, desde que em prol da racionalidade do regime diferenciado e mais favorável ao micro e pequeno empreendedor, bem como lastreado em finalidades com assento constitucional, como é o caso da promoção do federalismo fiscal cooperativo de equilíbrio e da continuidade dos pilares do Estado Fiscal. A respeito da vedação legal ao aproveitamento ou transferência de créditos, a compreensão iterativa do STF é pela sua higidez constitucional.

(...)

No tocante à possível ofensa ao postulado do tratamento favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte, a jurisprudência assente do STF compreende o Simples Nacional como realização desse ideal regulatório, em total consonância ao princípio da isonomia tributária.

(...)

Contudo, a realização desse objetivo republicano deve ser contemporizada com os demais postulados do Estado Democrático de Direito, como assentou este Tribunal no Tema 363 da sistemática da repercussão geral, cujo caso líder é o RE 627.543, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 29.10.2014, e a tese de julgamento é a seguinte: “É constitucional o art. 17, V, da Lei Complementar 123/2006, que veda a adesão ao Simples Nacional à microempresa ou à empresa de pequeno porte que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa. ” 

No caso em particular, a partir da Lei estadual 14.436/2014, cristalizou-se em lei tratamento mais benéfico a sociedades empresárias aderentes ao Simples Nacional, permitindo-se maior prazo de recolhimento do diferencial de alíquota àquelas pessoas jurídicas em comparação aos contribuintes submetidos à sistemática geral, sob as luzes da praticabilidade fiscal e da realização do princípio da capacidade contributiva no dinâmico contexto de mercado referente ao Estado do Rio Grande do Sul. 

Não há, portanto, como prosperar uma adesão parcial ao regime simplificado, adimplindo-se obrigação tributária de forma centralizada e com carga menor, simultaneamente ao não recolhimento de diferencial de alíquota nas operações interestaduais. 

Nesse sentido, a opção pelo Simples Nacional é facultativa no âmbito da livre conformação do planejamento tributário, arcando-se com bônus e ônus decorrentes dessa escolha empresarial que, em sua generalidade, representa um tratamento tributário sensivelmente mais favorável à maioria das sociedades empresárias de pequeno e médio porte. À luz da separação dos poderes, é inviável ao Poder Judiciário mesclar as parcelas mais favoráveis dos regimes tributários culminando em um modelo híbrido, sem qualquer amparo legal.

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Não se pode deixar de mencionar, ainda, o didático voto da Exma. Ministra Rosa Weber, a seguir parcialmente transcrito:

(...) a Constituição, em seu art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, criou a sistemática do diferencial de alíquota, de sorte que, se um contribuinte do ICMS compra em outro Estado uma mercadoria para ele próprio, ou seja, atuando como consumidor final, ele vai ter de arcar não só com o ICMS devido ao Estado de origem, cobrado pelo vendedor e calculado com base na alíquota reduzida, como ele de pagar ele próprio, contribuinte destinatário, um ICMS extra ao seu Estado (Estado de destino da operação interestadual), calculado com base na diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

(...)

Inicio por apontar que é fato que a Constituição, no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, só prevê expressamente a cobrança do diferencial de alíquota na hipótese de operações interestaduais envolvendo destinatário consumidor final.

(...)

Todavia, embora o diferencial de alíquota só esteja previsto diretamente na Constituição para as hipóteses de operações interestaduais que tenham como destinatário consumidor final, minha compreensão é de que isto não torna inconstitucional a previsão de cobrança do diferencial de alíquota em todas as operações interestaduais que tenham como destinatário empresa optante pelo SIMPLES.

É que a Constituição prevê que, além da sistemática geral do ICMS, por ela já bastante detalhada, lei complementar pode estabelecer tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte, como emerge, desde a Emenda 42/2003, de seu art. 146, “d”, e parágrafo único.

(...)

Esse sistema diverso e favorecido de recolhimento do ICMS não foi explicitado pela Constituição, que deixou o encargo à lei complementar. Assim, minha compreensão é de que a lei complementar pode, como efetivamente o fez a LC 123/2006, prever a cobrança do diferencial de alíquota em qualquer operação interestadual que tenha como destinatário empresa optante do SIMPLES. 

Importa ressaltar que essa cobrança tem, também, justificativa perfeitamente razoável, a atrair a incidência do art. 146-A da Constituição, que visa a evitar seja mais vantajoso para a empresa optante pelo SIMPLES a aquisição de mercadorias fora do seu Estado do que dentro dele. 

Inexistente o diferencial de alíquota, a empresa optante pelo simples ver-se-ia entre duas possibilidades ao adquirir produtos para revenda: 

a) fazê-lo de contribuinte em outra unidade da Federação, pagando apenas a alíquota interestadual (atualmente 7% ou 12%); ou 

b) fazê-lo de contribuinte situado dentro da sua própria unidade da Federação, com ICMS calculado pela alíquota interna (tipicamente 18%). 

Colocada diante dessas opções, o contribuinte do SIMPLES, ao adquirir mercadorias destinadas a outras operações de circulação, certamente optaria pelas compras interestaduais, o que não seria razoável, uma vez que a regra – ressalvados incentivos regionais temporários e específicos com o devido suporte constitucional – deve ser a de que não induza, a tributação, a preferências entre Estados. 

Destaco que o art. 146-A da Constituição estabelece que lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação com o fim de prevenir desequilíbrios da concorrência, trazendo, também, suporte para a previsão da LC 123/2006 em discussão, uma vez que tratamento tributário para empresas de outros Estados certamente traria desequilíbrio da concorrência.

Por fim, o Exmo. Ministro Gilmar Mendes destacou, ademais, um argumento “ético” para a defesa da tese da constitucionalidade da antecipação do ICMS em relação às microempresas e empresas de pequeno porte, assentado, especialmente, na necessidade de manutenção das bases do federalismo cooperativo brasileiro, a sustentar a autossuficiência dos entes subnacionais e a promover a Justiça Fiscal:

(...) E, neste momento, convencido da constitucionalidade da antecipação do ICMS em relação às microempresas e empresas de pequeno porte, acompanho as conclusões do eminente Ministro Relator, Edson Fachin, contudo, por fundamentos diversos. 

E o faço por reconhecer relevante fundamento ético na antecipação tributária prevista no art. 24, §8º, da Lei estadual 8.820/89, notadamente a necessidade de equalizar a distribuição de receitas tributárias entre os Estados da Federação.

(...)

Ciente da necessidade de oferecer tratamento tributário diferenciado para o comércio interestadual, a Lei Complementar 123/2006 previu expressamente que o ICMS devido nas operações com mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do imposto não integra o regime unificado de apuração e recolhimento do SIMPLES NACIONAL.

(...)

Como se vê, o legislador brasileiro, no exercício da liberdade de conformação que é própria do Poder Legislativo, delineou os contornos, o limite e a abrangência do regime de tributação denominado SIMPLES NACIONAL. Nesse momento, estabeleceu os tributos que estão contemplados no regime de recolhimento simplificado, mediante documento único, e aqueles que, por opção política do Congresso Nacional, não se submetem ao tratamento tributário favorecido. 

É propriamente em razão dessas exclusões procedidas pelo §1º do art. 13 da Lei Complementar 123, de 2006, que mesmo as empresas optantes do SIMPLES estão obrigadas a recolher normalmente, e.g, o ITR, o IOF, o Imposto de Importação, o FGTS, enfim, uma ampla gama de tributos (nela incluído o ICMS devido em operações interestaduais, tanto na hipótese de antecipação quanto na de substituição tributária) não contemplados no regime de tributação unificado. 

É evidente que essas exclusões não foram realizadas a esmo, irrefletidamente, ou com intuito puramente arrecadatório. Ao contrário, ao instituí-las, pretendeu o legislador construir um regime único de arrecadação que fosse capaz de adequar a carga tributária brasileira à realidade dos pequenos empresários, sem desestabilizar o equilíbrio da distribuição das receitas tributárias entre os Estados da Federação.

(...)

Coube ao legislador, portanto, no exercício de sua liberdade de conformação política, definir a base de cálculo, as alíquotas e a forma de apuração dos tributos contemplados pelo SIMPLES NACIONAL, bem assim a definição dos impostos e contribuições que, em respeito a vetores axiológicos previstos na Constituição Federal, foram excluídos do regime de tributação simplificado. 

Nessa ordem de ideias, reputo que o acolhimento do pedido deduzido no recurso extraordinário pressupõe a alteração, pelo Poder Judiciário, dos parâmetros e dos critérios utilizados pelo legislador na conformação do regime do SIMPLES NACIONAL.

O que pretende a recorrente, basicamente, é esvaziar a eficácia de norma expressa da Lei Complementar 123, de 2006, que dispôs que o ICMS devido em operações entre Estados, com mercadorias sujeitas ao regime de antecipação tributária, não está compreendido no recolhimento mensal mediante documento único de arrecadação. 

A esse respeito, é firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que não cabe ao “Judiciário desconsiderar os limites subjetivos e objetivos estabelecidos para efeito de incentivo fiscal, promovendo a inclusão de contribuinte não contemplado pela legislação de regência, ou criando situação mais favorável, a partir da combinação, não permitida, de normas legais, sob pena de atuar na condição anômala de legislador positivo” (RE 1.199.021/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8.9.2020, Tribunal Pleno).

Nesse ser assim, concluiu o STF, no julgamento da repercussão geral, que não se pode chancelar uma adesão parcial ao regime simplificado, no qual a obrigação tributária seja adimplida de forma centralizada e com carga menor, simultaneamente ao não recolhimento de diferencial de alíquota nas operações interestaduais, em clara violação ao federalismo fiscal e do princípio da separação dos poderes.

REFERÊNCIAS

BRASIL – Superior Tribunal de Justiça - REsp 1193911/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 04/11/2010, DJe 02/02/2011.

BRASIL – Supremo Tribunal Federal - ARE 658571 AgR, Rel. Ministro Teori Zavascki, Segunda Turma, julgado em 26/04/2016, DJe 09/05/2016.

BRASIL – Supremo Tribunal Federal - RE 595450 AgR, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 16/10/2012, DJe 09/11/2012.

BRASIL – Supremo Tribunal Federal - ARE 938209 AgR, Rel. Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 30/06/2017, DJe 14/08/2017.

BRASIL – Supremo Tribunal Federal - RE 1009816 AgR, Rel.  Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 26/05/2017, DJe 12/06/2017.

BRASIL – Supremo Tribunal Federal -RE 936642 AgR, Rel. Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 28/06/2016, DJe 08/08/2016.

BRASIL – Supremo Tribunal Federal - RE 970821, Rel. Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 12/05/2021, Repercussão Geral - DJe 19/08/2021.

Sobre o autor
Jorge Américo Pereira de Lira

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco – TJPE. Presidente da 1ª Câmara de Direito Público do TJPE. Professor da Escola Judicial de Pernambuco (ESMAPE). Ex-Promotor de Justiça do Estado de Pernambuco.

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