Da estabilidade decenal do crime da Ulen Company à estabilidade provisória pré-aposentadoria.

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RESUMO

O instituto da estabilidade no emprego exige não só uma compreensão histórico-normativa como o conhecimento das inúmeras experiências de lutas de ganhos e perdas dos trabalhadores brasileiros ao longo da sua história. Com esse entendimento, este artigo traz como fundo temático a narrativa de um crime ocorrido na cidade de São Luís, no Maranhão, cometido por um empregado contra o representante de sua empresa empregadora. Ele foi demitido dias antes de completar dez anos no mesmo emprego e adquirir sua estabilidade decenal. Para o desenvolvimento deste artigo, optou-se por adotar fundamentalmente a pesquisa bibliográfica teórica e empírica. Adota-se, também, o método de estudo monográfico por meio de outros textos e trabalhos dissertativos já realizados a respeito do tema.

Palavras-chave: direito do trabalho; estabilidade; CLT.; reforma trabalhista; Ulen Company.

1. INTRODUÇÃO

No início do século XX, novas categorias de trabalhadores urbanos brasileiros, como a dos ferroviários, foram integradas à base operária emergente, face à industrialização recém-implantada no país. Com elas vieram novos direitos trabalhistas como a estabilidade decenal que era a garantia de que, após dez anos de trabalho, estaria assegurado ao empregado o direito de só ser demitido por justa causa. Vivia-se já, no país, um forte impacto do reflexo do avanço das lutas das grandes massas operárias europeias e americanas desse início de século XX, como a organização sindical dos trabalhadores. No Brasil, logo no início da década de 1930, assumia o governo autoritário Getúlio Vargas, militar gaúcho que liderou a denominada Revolução de 1930. A história das lutas operárias contra o desrespeito às legislações vigentes do início daquele século foi seguida, a partir de 1930, pela ideologia fascista italiana inspirada na Carta del Lavoro, até chegar na norma legal da consolidação das legislações trabalhistas esparsas, a CLT, pelo Decreto-lei nº. 5.452, de 1.5.1943; sem dúvida alguma, um código do trabalho amortecedor das lutas operárias travadas no Brasil.

2. A ESTABILIDADE NO EMPREGO PRÉ-CLT

É neste momento ilustrativo, amparado em documentos, que se relata o drama passado por um jovem respeitável frequentador das colunas sociais dos jornais de São Luís, a cidade dos azulejos, capital do Maranhão. Em 17 de abril de 1934, o periódico ludovicense Notícias destacou, na sua 1ª página, a notícia que “amanhã, 9 horas, será procedido o julgamento do jovem José de Ribamar Mendonça, autor do crime perpetrado no escritório da Ulen Management Company, na pessoa de mister Kennedy, superintendente daquela companhia”. Em 19 de abril, o mesmo jornal noticiava a decisão do júri que proclamou esse réu inocente. A notícia publicada há 87 anos relatava a morte de John Harold Kennedy que, com dois tiros disparados pelo maranhense de 25, contador da Ulen, empresa concessionária de serviços públicos de água, luz, tração e prensa de algodão, atingiram e mataram aquele superintendente da empresa, na Rua da Estrela, 472, em São Luís, no dia 30 de setembro de 1933. A morte do Kennedy foi imediata, mas o drama de Mendonça durou 11 anos, entre 1933 e 1944. Ele passou por três julgamentos e em todos eles foi absolvido – o que teria provocado uma crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, envolvendo nove ministros brasileiros e três embaixadores americanos (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO, 2013).

No livro Morte na Ulen Company, de José Joffily (1983), há uma narrativa da dimensão jurídica, trabalhista, política e social dada aos fatos, que se iniciaram com Decreto Federal nº. 17.432, de 10 de setembro de 1926, autorizativo da instalação dessa firma no Brasil. Inicialmente recebida com a perspectiva de solução para problemas graves enfrentados pela população maranhense, tornou-se, em pouco tempo, motivo de reclamações. A Ulen Company era uma grande empregadora no Maranhão, embora desrespeitasse leis, manipulasse tarifas e pagasse baixos salários aos empregados locais. A arrogância dos seus representantes estava entre as principais queixas da comunidade ludovicense e dos seus empregados.

Foi neste contexto que o jovem contador, demitido injustamente, teve sua indenização e verbas salariais suspensas, poucos dias antes de completar dez anos de serviços e conquistar a estabilidade decenal na empresa, matou o Kennedy. A atitude de Ribamar ganhou ares de clamor público antiamericano, especialmente contra os administradores da Ulen. Preso em flagrante, Mendonça foi levado a júri popular pela primeira vez em 21 de novembro de 1933. Waldemar de Sousa Brito e José Arouche foram seus advogados de defesa e de acusação foi o promotor Edison Brandão. Mendonça foi absolvido por cinco votos a dois, sob o argumento de que se achava em estado de perturbação dos sentidos e de inteligência. O promotor Edson Brandão apelou da decisão, que foi anulada pela Câmara Criminal do então Superior Tribunal de Justiça do Maranhão, com o fundamento de não ter havido prévia perícia técnica. No segundo julgamento, em 18 de abril de 1934, o júri o absolveu por unanimidade, reconhecendo que o réu cometeu o delito para evitar mal maior. O terceiro julgamento só se realizaria onze anos depois do crime, apesar do protesto do advogado do réu alegando não ser possível fazer retroagir uma lei nova para prejudicar o réu, já que Mendonça havia adquirido direito dentro do então revogado Código do Processo Criminal do Estado. O contador já vivia desde 1935 no Rio de Janeiro, quando foi mais uma vez preso. Trazido para São Luís, encarou o terceiro julgamento do tribunal do júri e de novo foi absolvido, desta vez por legítima defesa. Após as três absolvições de Mendonça, frente à negativa da instância superior a um recurso extraordinário, os advogados das autoridades americanas recorreram ao Supremo Tribunal Federal. Em 6 de dezembro de 1944, a família do Kennedy entrou com recurso no Supremo. Ribamar Mendonça morreu oito anos depois, de infarto, no local de trabalho (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO, 2013).

Mendonça ia conquistar a estabilidade decenal no emprego assegurada pela legislação trabalhista da época. Entretanto, a Ulen adotou a prática comum dos empregadores, e demitiu-o dias antes da conquista dessa estabilidade. Afastou-o sem justa causa, sonegando-lhe, inclusive, seus direitos pecuniários.

Ora, os julgamentos de Mendonça ocorreram em um país recém-entrado naquela que ficou conhecida como a Revolução de 1930, a qual foi marcada por uma nova forma de exercício do poder político no país, com um Estado forte, corporativista e profundamente autoritário. O Decreto nº. 19.398 (de 11 de novembro de 1930), dos gabinetes do Ditador Getúlio Vargas, instituiu o Governo Provisório da República, tendo como uma das primeiras medidas tomadas, então, a criação do Ministério do Trabalho (Decreto n. 19.433, de 26 de novembro de 1930), com amplas atribuições: cabia-lhe, as funções de elaboração, aplicação e fiscalização das novas leis trabalhistas.

Delgado (2019, p.128) nos faz importante relato histórico da legislação trabalhista e conexas, anteriores à CLT:

O Decreto Legislativo nº 1.637, de 5.1.1907, por sua vez, facultava a criação de sindicatos profissionais e sociedades cooperativas. Em 1919, surge a legislação acidentária do trabalho (Lei n]. 3.724, de 15.1.1919), acolhendo o princípio do risco profissional, embora com inúmeras limitações. Em 1923, surge a Lei Elói Chaves (nº. 4.682, de 24.1.1923), instituindo as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários. Tais benefícios foram estendidos, posteriormente, às empresas portuárias e marítimas pela Lei nº. 5.109, de 20.12.1926(9). Ainda em 1923, institui-se o Conselho Nacional do Trabalho (Decreto nº. 16.027, de 30.4.1923). Em 1925, concedem-se férias (15 dias anuais) aos empregados de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários (Lei nº. 4.982, de 24.12.1925). Em 12.10.1927, é promulgado o Código de Menores (Decreto nº. 17.934-A), estabelecendo a idade mínima de 12 anos para o trabalho, a proibição do trabalho noturno e em minas aos menores, além de outros preceitos. Em 1928, o trabalho dos artistas é objeto de regulamentação (Decreto nº. 5.492, de 16.7.1928). Finalmente, em 1929, altera-se a lei de falências, conferindo-se estatuto de privilegiados aos créditos de “prepostos, empregados e operários” (Decreto n. 5.746, de 9.12.1929.

Uma vez mais, Delgado (2019, p. 1480) nos relata, a respeito à estabilidade no emprego, que o direito do trabalho brasileiro, antes da Revolução de 30, saiu de manifestações incipientes e esparsas para a publicação da Lei Previdenciária nº 4.682, de 24.1.1923 (Lei Elói Chaves), que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários, que garantia a “estabilidade, depois de 10 anos de serviços, aos empregados daquela categoria profissional”. Alguns anos depois, essa norma foi ampliada, chegando a contemplar os empregados de todas as empresas ferroviárias (Decreto nº 5.109, de 20 de dezembro de 1926), e, posteriormente, os portuários foram amparados pela estabilidade. O art. 10, da Lei nº 62, de 1935, assim dispôs sobre a estabilidade mais geral:

“Os empregados que ainda não gozarem da estabilidade que as leis sobre institutos de aposentadorias e pensões têm criado, desde que contem 10 anos de serviço efetivo no mesmo estabelecimento, nos termos desta lei, só poderão ser demitidos por motivos devidamente comprovados de falta grave, desobediência, indisciplina ou causa de força maior, nos termos do art. 5º.”

Para, em seguida, Delgado (2019) nos fazer um memorável relato histórico do instituto da estabilidade no Brasil no período pós Revolução de 1930.

No período pós-1930, denominado de institucionalização do Direito do Trabalho, o sistema estabilitário ampliou-se e se sofisticou. Pela Lei n. 62, de 5.1.1935, a estabilidade deixou de “ligar-se à previdência, passando a constar de diploma legal relativo ao contrato de trabalho”, generalizando-se para o mercado laborativo urbano. Viria a constar, logo em seguida, da Carta de 1937, do corpo da Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, e, finalmente, da Constituição de 1946, que a estendeu também aos trabalhadores rurais (art. 157, XII).

Vê-se que as relações de trabalho, em 1933, entre Mendonça e a Ulen, com se sabe, eram regidas por leis que asseguravam a estabilidade decenal contra demissão arbitrária. Mendonça, o nosso jovem contador maranhense, naqueles idos, teria o benefício da estabilidade aos dez anos de contrato, pois prestava serviço em uma atividade relacionada a transportes de passageiros sobre trilhos pois “logo que o “tramway” foi posto em movimento bastantes palmas começaram a ecoar por todos os lados” atividade assim descrita por Mendes (2005, apud Coqueiro, 1975, p.09):

Na esquina das ruas Grande e da Cruz, havia a loja Brasil, de propriedade dos Lauandes. Ao lado, tinha uma chapelaria para senhoras. Foi aí que me colocaram em cima de uma cadeira, junto à janela, para ver passar o primeiro bonde elétrico em São Luís. Alguns minutos depois, vi, subindo do Largo do Carmo, o carro elétrico, batendo uma campainha, cheio de gente e seguido por uma verdadeira multidão. Foguetes espocavam no ar e folhetos eram jogados do bonde. E eu fiquei espantado, olhando aquela casa andar sôbre os trilhos, com todos os seus moradores e sem ninguém estar puxando ou empurrando.

Joffily (1983) relata que, por conta dessa estabilidade prevista, com a continuidade do emprego assegurada, Mendonça solicitou ao superintendente da Ulen um aumento salarial; o que lhe foi prometido. Por isso, em seguida, marcou a data do seu casamento e firmou contrato de aluguel de uma casa tipo meia morada em São Luís. Em seguida, ao retornar à sua empresa, foi recebido com a sua demissão. Indignado com o tratamento dado pela Ulen, dispensando-o sem justa causa e negando-lhe direitos rescisórios, nada mais tendo a fazer, cometeu o delito.

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Delgado (2019, p. 1480) é quem novamente nos relata que aquela estabilidade decenal vigente nesse ano fatídico de 1933 consistia em uma garantia de emprego concedida a empregados após completarem 10 (dez) anos de serviço para o mesmo empregador. Portanto, o fundamento para a aquisição da estabilidade no emprego era o tempo de serviço: trabalhando para o mesmo empregador por 10 (dez) anos, o empregado não poderia ser dispensado sem justa causa, permanecendo tal garantia de forma definitiva até que se aposentasse ou morresse.

Amauri Mascaro nascimento (2014, p. 905) nos afirma que era comum a prática de dispensas dos empregados pré-estáveis (8 ou 9 anos de serviço), bem como transferências dos empregados para locais bem distantes, com o único intuito de forçá-los a pedir demissão, bastante adotadas por alguns empregadores à época; como a Ulen Company no Maranhão. Esse doutrinador também destaca que em nosso país surgiu inicialmente a estabilidade decenal por meio da Lei Elói Chaves, a qual determinava que era possível dispensas após esse período só em casos de falta grave ou força maior devidamente apurados em sindicância interna da ferrovia.

3. A ESTABILIDADE CELETISTA, O FGTS E A ESTABILIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2014, p. 906) a estabilidade decenal avançou e foi recepcionada pela Carta Constitucional de 1937, que a incluiu no art. 137, f, bem como a CLT de 1943, que a manteve no art. 492, e a própria Constituição Federal de 1946, que também a declarou no art. 157, XII.

Portanto, esse autor só confirma o que ocorreu no Maranhão, de 1933, com o jovem Mendonça. “A evanescência da estabilidade decenal começa com as dispensas obstativas dos empregados pré​-estáveis, verdadeiro sistema adotado por algumas empresas, e consistentes em romper o contrato individual do empregado que atingisse 8 ou 9 anos de casa...”.

A tragédia de Mendonça, devida à perda da sua estabilidade decenal no emprego, prenunciou outra tragédia imposta aos trabalhadores brasileiros, pelos ditadores do Golpe de 1964, ao aprovarem a Lei nº. 5.107/66, que instituiu o regime do FGTS como uma opção ao sistema da estabilidade decenal assegurado pela CLT. Assim, ao ser contratado, o empregado deveria optar entre o regime da estabilidade decenal ou o regime do FGTS, passando o regime escolhido a ser adotado em relação ao seu contrato de trabalho. A opção do trabalhador pelo FGTS importava em renúncia à estabilidade. É o que nos relata indignado Amauri Mascaro Nascimento (2014, p. 906).

Ficou patente ao longo dos três julgamentos de Mendonça que ele foi movido por forte emoção depois de ter sido demitido às vésperas de adquirir a estabilidade decenal. Indignado teria ficado por ter sido privado das suas verbas rescisórias sem justa causa e ter sofrido abalo moral frente aos compromissos assumidos com o seu locador e com a sua noiva, por ter marcado o casamento só após completar os dez anos de emprego. A Justiça considerou, no seu primeiro julgamento, que o delito foi movido por um forte estado de perturbação dos sentidos e de inteligência. Ele foi absolvido. No incrível segundo julgamento Ribamar foi novamente absolvido, dess vez por unanimidade, reconhecendo o júri que ele cometeu o crime para evitar um mal maior. E no terceiro julgamento, ocorrido 11 anos depois do crime, Mendonça beneficiou-se do princípio tempus regit actum. Desde 1940, o Código Penal, em seu artigo 2º, já previa que, em geral, a lei rege os fatos praticados durante sua vigência. A lei não pode alcançar fatos ocorridos anteriormente ao início de sua vigência, nem ser aplicada àqueles ocorridos após sua revogação. Portanto, novamente Mendonça foi inocentado pois uma nova lei não podia prejudicar o réu, já que Mendonça havia adquirido direito dentro do então revogado Código do Processo Criminal do Estado.

Juntamente com a estabilidade decenal, previu-se no arcabouço normativo celetista que a indenização por tempo de serviço, em seguida ao cômputo do primeiro ano contratual, seria calculada por ano ou fração igual ou superior a seis meses (antigo art. 477, caput, e art. 478, caput, Decreto-lei nº. 5.452, de 1.5.1943 - CLT). Enquanto a indenização celetista criava óbice econômico significativo e crescente às dispensas sem justa causa, a estabilidade adquirida aos dez anos aprofundava esse obstáculo, transmutando-o de seu estrito caráter econômico para outro, essencialmente jurídico. A partir desse instante, a dispensa do empregado seria possível apenas por meio de inquérito judicial para apuração de falta grave do trabalhador; mesmo com a mudança do proprietário da empresa não haveria rescisão do contrato de trabalho, conservando os empregados, para com o novo empregador, os direitos que tinham relativamente ao antigo (FERREIRA, 1949, p.10).

Não era à toa que Getúlio Vargas teria recebido a alcunha de “pai dos pobres e mãe dos ricos”. Ele teria presenteado o patronato brasileiro com o modelo celetista clássico que impunha forte contingenciamento à vontade empresarial quanto à ruptura desmotivada do contrato de emprego. Segundo Delgado (2019, p.1481) o desenho normativo da CLT “combinava duas sistemáticas: em primeiro lugar, a presença de indenização crescente em virtude do tempo de serviço, em situações de dispensas desmotivadas anteriores a dez anos (antigo art. 477, caput, e art. 478, caput, da CLT, os quais foram recepcionados pelos art. 7º, I, c./c. art. 10, caput e inciso I, do ADCT); em segundo lugar, a presença da estabilidade no emprego, após dez anos de serviço junto ao mesmo empregador - prazo que fora jurisprudencialmente reduzido para efetivos nove anos de serviço (art. 492, CLT)”.

Portanto, o que se via antes do advento do FGTS é que a CLT previa tanto regras de garantia, quanto de estabilidade. As primeiras eram asseguradas aos empregados que estivessem em relações de emprego entre um e dez anos de serviço prestado, ou seja, em caso de rescisão por iniciativa do empregador lhe era assegurado uma indenização correspondente a um mês por ano de serviço ou fração igual ou superior a seis meses, excluindo-se o primeiro ano de relação que era compreendido como período de experiência. Já a estabilidade era assegurada aos empregados que estivessem nesses vínculos em um período superior a dez anos, constituía-se uma vedação definitiva a extinção do contrato, nos termos do art. 492 da CLT. (RODRIGO GOMES, Notas de Aula, 2021.)

No entanto, o empresariado que esteve bem representando na Constituinte de 1987/88 conseguiu colocar na Constituição Federal a universalização da tragédia criada pela ditadura de 1964, tornando obrigatório o regime do FGTS para todos os empregados urbanos e rurais (art. 7º, III), eliminando do ordenamento jurídico o sistema da estabilidade definitiva no emprego obtida após 10 (dez) anos de serviço para o mesmo empregador, restando revogado o art. 492 da CLT. Concluindo-se na doutrina e na jurisprudência que a nova Constituição pôs fim (fenômeno da não recepção) à antiga sistemática de proteção ao tempo de serviço e ao contrato, e correlatas estabilidade e indenização rescisória, contidas na CLT (no caput de seu art. 477 e art. 492 e seguintes (DELGADO, p. 1332).

Esses mesmos elementos que causaram profundo abalo emocional em Mendonça, pela perda da estabilidade que se consolidaria no dia seguinte ao delito e pela sua demissão sem justa causa, continuam presentes nos temores dos trabalhadores brasileiros. Não é sem razão que os trabalhadores têm buscado nas suas campanhas salariais incluir cláusulas de estabilidade temporária ou provisória no emprego, em suas negociações coletivas. Os sindicatos laborais, com a intenção de assegurar aos empregados garantia de emprego, têm fechado Convenções e Acordos com algumas estabilidades, tais como a garantia ao empregado, em vias de aposentadoria, de 12 ou 24 meses. Ou seja, nesse período os empregados não podem ser dispensados se estiverem em período de pré-aposentadoria. Várias categorias têm garantido outras formas de estabilidades temporárias em negociação coletiva como para aqueles empregados afastados do serviço por motivo de doença que não poderão, a partir da alta, serem demitidos por um período igual ao do afastamento.

A Lei da Reforma Trabalhista de 2017, por fim, alterou o caput do art. 477 da CLT dando-lhe uma nova redação, sem mais qualquer referência à antiga indenização por tempo de serviço. Mas há situações que devem ser observadas. Em decisão de 2010, o Tribunal Superior do Trabalho, TST, a corte superior do Direito do Trabalho no Brasil, ao apreciar o RR-65840-93.2003.5.04.0331, considerou que mesmo esquecida, a estabilidade decenal ainda cabia ser aplicada a um trabalhador demitido indevidamente. Foi o que decidiu a Sétima Turma do TST, com o julgamento do recurso de um trabalhador pleiteando a reintegração na Bayer S.A. por contar com mais de dez anos de trabalho antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, que extinguiu o instituto da estabilidade decenal. Além de receber o pagamento dos depósitos de FGTS após 5/10/1988, o autor da reclamação, com vínculo de emprego reconhecido em juízo para o período de maio de 1977 a setembro de 2002, obteve agora, na Sétima Turma, decisão favorável à sua reintegração aos quadros da Bayer S.A. (TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, 2010)

Há de se ressaltar que a Súmula 98, II, do TST, que trata da incompatibilidade entre a estabilidade decenal e o regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, refere-se a empregados que optaram pelo FGTS. Ela trata apenas da opção voluntária do empregado, formalizada antes da promulgação da Constituição de 1988.

Por outro lado, o TST também já se pronunciou sobre a tese da dispensa obstativa - despedida feita com o objetivo de impedir a aquisição de um relevante direito – a estabilidade pré-aposentadoria, o que é claramente acolhida pela jurisprudência daquela Corte Superior, tendo se pronunciado na seguinte direção ao apreciar o ARR - 1000786-52.2018.5.02.0701:

“ESTABILIDADE PRÉ-APOSENTADORIA PREVISTA EM NORMA COLETIVA. EXIGÊNCIA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO.

1 - Há transcendência política quando se constata em exame preliminar o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência majoritária, predominante ou prevalecente no TST.

2 - No caso, incontroverso que o reclamante preenchia todos os requisitos para a aquisição do direito à estabilidade pré-aposentadoria e que comunicou o empregador por email que havia protocolado o pedido de aposentadoria junto ao INSS. O TRT, contudo, indeferiu o pedido do reclamante, por entender que o email enviado, com a finalidade de cumprir o requisito da norma coletiva para obtenção da estabilidade pré-aposentadoria, "deixou de comprovar efetivamente que reunia por ocasião da comunicação todos os requisitos previstos".

3 - Nesse contexto, cumpre ressaltar que a jurisprudência da SBDI-1 desta Corte consolidou-se, a partir do julgamento do E-ED-RR-968000-08.2009.5.09.0011, no sentido de considerar configurado, à luz do artigo 129 do Código Civil, o abuso do direito potestativo do empregador quando ocorre a dispensa do empregado no período que antecede a aquisição da estabilidade pré-aposentadoria garantida em norma coletiva, ainda que o trabalhador tenha inobservado disposição, também prevista em instrumento coletivo, de comunicação por escrito ao empregador sobre a proximidade da jubilação.

4 - No caso, sequer se trata de inobservância pelo reclamante da obrigação pactuada coletivamente de comunicar o empregador, ao revés, é incontroversa a comunicação ao empregador . O direito foi obstado por se considerar que a comunicação foi desprovida da efetiva comprovação de que estava a doze meses de se aposentar, não servindo para tanto a informação acerca do requerimento de aposentadoria junto ao INSS.

5 - Cumpre notar que a exigência de comunicação em si já é indevida, desconsiderar a validade da comunicação realizada, inclusive com a comunicação do requerimento de aposentadoria, fere o art. 129 do Código Civil e, ainda, acresce ao reclamante ônus que sequer é previsto na Convenção Coletiva, que não imputa forma específica de como se dará essa comunicação e comprovação. A rigor, fere a boa-fé objetiva a atitude da empresa que, possuindo os registros funcionais do trabalhador e sendo comunicada acerca do pedido de aposentadoria de seu empregado, prefere desconsiderar a garantia prevista em norma coletiva por entender que havia insuficiência de provas de que o trabalhador estava para se aposentar.

6 - Recurso de revista a que se dá provimento.”

(TST. Acórdão. ARR – 1000786-52.2018.5.02.0701. 6ª Turma. Relatora: Katia Magalhaes Arruda. Julgamento: 19/05/2021. Publicação: 21/05/2021)

4. CONCLUSÃO

Procura-se observar, neste artigo, que a estabilidade no emprego segue enfrentando os diversos movimentos dialéticos na relação capital-trabalho. Ora pendendo para a melhoria da qualidade de vida do trabalhador, ora contribuindo para reforçar os caixas dos empregadores pela exploração da mão de obra dos seus trabalhadores. A tragédia do crime da Ulen, que serviu de ilustração para esses importantes institutos da estabilidade e da garantia do emprego, contribuiu para identificar na linha do tempo que, para viabilizar o princípio do direito ao emprego no contrato de trabalho, abandona-se a concepção estática da estabilidade no emprego – da era pré e pós Vargas - para adotar uma concepção dinâmica traduzida só na ideia da garantia do emprego.

Visa-se, assim, com as diversas alterações na norma trabalhista, para assegurar ao empregado certa proteção no emprego por ele ocupado e, não sendo possível mantê-lo no mesmo emprego, por algum motivo justificável (não mais apenas a falta disciplinar, mas também por motivos econômicos e tecnológicos atribuídos à “performance” da empresa), ser-lhe-ia garantida a continuidade do emprego em outra empresa. Isso seguiria apenas um processo de recolocação profissional que implicasse no direito à reclassificação profissional, se necessária, e ao direito ao recebimento de seguro-desemprego o que, na verdade, seriam meras medidas de políticas públicas de “empregabilidade” transcendentes aos limites da própria relação de emprego. (ALMEIDA, 2020).

REFERÊNCIAS

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DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.

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Sobre o autor
Israel Fernando de Carvalho Bayma

Advogado; Engenheiro eletricista, com especialidade em eletrônica e telecomunicações; Especialista em Regulação de Telecomunicações pela UnB; Especialista em Assessoria Parlamentar pela UnB. Foi engenheiro do setor elétrico por mais de 40 anos; Diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobrás-ELETRONORTE e Conselheiro Consultivo da ANATEL; Graduado em Direito na Escola de Direito e Administração Pública (EDAP) do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP-Brasília); Conciliador e Mediador Extrajudicial. Além da Advocacia e da Engenharia, desenvolve atividades de consultoria especializada nas áreas de conhecimento. ORCID 0000-0002-2248-3627.

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