Da nova modalidade de rescisão contratual trabalhista aos empregados da Administração Pública após a emenda constitucional nº 103/2019

19/12/2022 às 15:19
Leia nesta página:

Trata-se de alteração da constituição que criou nova forma de extinção de contrato do trabalho, fora da CLT.

O parágrafo 14, da EC nº 103/19, instituiu a previsão de extinção do contrato de trabalho em razão de aposentadoria voluntária, trata-se de nova modalidade de extinção do contrato de trabalho, em razão de aposentadoria por tempo de contribuição.

Com efeito, no ano de 2019 foi aprovada, pela Mesa da Câmara dos Deputados e pela Mesa do Senado Federal, a Emenda Constitucional EC. nº 103, conhecida popularmente como Reforma Previdenciária, que alterou o sistema de previdência social.

Dentre inúmeras alterações, a referida EC acrescentou o § 14 ao artigo 37 da CF/88, determinando que a aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública (inclusive do Regime Geral de Previdência Social) acarreta o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.

§14. A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.

Desta forma, todos os contratos de emprego mantidos com a administração pública direta, indireta, autarquias e fundações, sejam eles públicos ou estatutários, automaticamente serão extintos com concessão da aposentadoria.

A novidade legislativa importa na extinção do vínculo por motivos alheios à vontade das partes, contudo, a extinção do contrato tem resultados práticos diferentes a depender do regime dos respectivos contratos de emprego, ou seja, para os empregados públicos, uma vez concedida a aposentadoria, não há previsão de pagamento de verbas rescisórias, importando, em uma primeira análise, na criação de nova modalidade de rescisão ou cessação de contrato de emprego não prevista no Capítulo V da CLT, em seus artigos 477 e seguintes que tratam da rescisão do contrato do empregado.

Em razão do princípio da continuidade da relação de emprego consagrado no plano constitucional e garantido por tratado internacional que não se admitia, até o início da vigência da EC 103 a hipótese de extinção do contrato de emprego por motivos que não aqueles previstos na CLT, como a aposentadoria, cujos critérios de regência em nada se relacionam com o contrato de emprego mantido entre empregado e empregador, na medida em que existe e se concretiza por normas próprias, dito de outro modo, a natureza jurídica do contrato de emprego não se relaciona com o direito à aposentadoria. 

Contudo, o empregado público tem como empregador a administração pública que, por sua vez, está vinculada aos seus próprios princípios, entre eles o da legalidade, previsto no inciso II do artigo 5º e 37 caput da CF/88.

Consagra José dos Santos Carvalho Filho que o princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita (2011, página 16).

            No entendimento de Di Pietro, este é justamente o princípio que nasce com o Estado de Direito e se constitui como uma das principais garantias aos direitos individuais. Visto que a lei, no mesmo momento em que os define, também estabelece os limites de atuação do administrador que vise restringir direitos em prol da coletividade (2010).

Levando-se em conta o princípio da legalidade, pelo qual a administração pública só poderá agir conforme a lei estabelece, haverá a existência de estrita obediência à rescisão do contrato do empregado público quando de sua aposentadoria, ante a expressa dicção do § 14 do artigo 37 da CF/88, nos exatos termos do referido princípio.

Da leitura da norma supratranscrita observa-se que, a partir de 12/11/2019 (data em que a EC 103/2019 entrou em vigor), restou proibida a cumulação do exercício de emprego público com o recebimento de proventos de aposentadoria por tempo de contribuição decorrente de cargo ou emprego público, ainda que proveniente do Regime Geral da Previdência Social.

Segundo o ministro Edson fachin, no julgamento do RE 655.283, a aposentadoria obtida pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) enseja vacância do cargo, impondo o rompimento do vínculo que liga o servidor ao emprego público, inviabilizando a reintegração.

O § 14, do artigo 37, da CF, que dispõe que a aposentadoria "acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição", não deixa margem para eventual poder potestativo ou discricionário do ente público, pois é compulsório o rompimento do liame empregatício.

Não se observa qualquer ilegalidade no ato de rescisão contratual efetivado pela Reclamada, pois realizado com base atual legislação, em obediência ao princípio da legalidade.

Ademais, a EC n.º 103/2019, ao dispor que a concessão de aposentadoria acarreta a extinção do vínculo empregatício, proibiu a acumulação do exercício do emprego público com o recebimento de proventos de aposentadoria, mesmo que provenientes do RGPS.

Além disso, não estão presentes quaisquer elementos a configurar ilegalidade ou arbitrariedade do ato de extinção do seu vínculo empregatício, não se tendo como despedida arbitrária ou sem justa causa, consoante previsto no art. 7º, inciso I, da CF, sendo, também, inaplicável, os termos da Orientação Jurisprudencial 361 da SBDI-I do TST.

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A jurisprudência vem pacificando as ações de mesmo objeto, vejamos:

APOSENTADORIA. RESCISÃO CONTRATUAL. EC 103/2019. VERBAS RESCISÓRIAS. EFEITOS. Com o §14 do art. 37 da Constituição, a aposentadoria por tempo de contribuição passou a ser causa de ruptura contratual para empregados públicos. O empregado que voluntariamente opta por se aposentar por tempo de contribuição estará também rescindindo seu contrato de trabalho com o ente da Administração Pública, fazendo jus às verbas rescisórias decorrentes dessa ruptura.

(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010785-84.2020.5.03.0010 (RO); Disponibilização: 09/04/2021, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 963; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Ricardo Antônio Mohallem)

Cita-se ainda as seguintes jurisprudências, proferidas em casos análogos:

"APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. EXTINÇÃO AUTOMÁTICA DA RELAÇÃO DE EMPREGO. MULTA DE 40% SOBRE O FGTS E AVISO PRÉVIO. De acordo com a jurisprudência pacífica do C. TST, em caso de aposentadoria compulsória, a extinção do contrato se dá de pleno direito, não havendo, portanto, direito ao recebimento de multa de 40% sobre o FGTS e aviso prévio. (Processo 1000267-19.2017.5.02.0473. Des. Rel. Ivani Contini Bramante. Des. Rev. Ivete Ribeiro. 4ª turma do TRT 2ª Região. Data da Publicação 10/10/2017).

RECURSO DE REVISTA. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM ENTE ESTATAL. SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. EFEITOS. A aposentadoria compulsória do servidor público estatutário ou do servidor regido pela CLT, inclusive os empregados dos demais entes estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista, etc.), extingue automaticamente seu vínculo jurídico estatutário ou empregatício com a respectiva entidade estatal, por força de comando constitucional inarredável (art. 40, §1º, II, da CF). Tendo em vista que a aposentadoria compulsória não decorre da vontade das partes, mas de um comando constitucional, não se há falar em dispensa arbitrária ou sem justa causa, sendo indevidas verbas como o aviso prévio indenizado e/ou acréscimo rescisório de 40% do FGTS. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-1920-33.2013.5.15.0059 Data de Julgamento: 24/08/2016,Relator Ministro Maurício Godinho Delgado, 3ª Turma, DEJT 26/08/2016

No mais, o art. 6º da EC 103/2019 resguardou o direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF) daqueles que já haviam obtido a aposentadoria antes da promulgação da emenda.

Art. 6º - O disposto no § 14 do art. 37 da Constituição Federal não se aplica a aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.".

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Assim, resguardado o direito do empregados que possuiam direito adquirido antes da entrada em vigor da EC nº 103/2019, está constitucionalmente criada mais uma nova modalidade extinção dos contratos de trabalho, aplicável ao servidores públicos, em especial os celetistas, que terão rompido o contrato de trabalho com a concessão da aposentadoria voluntária por tempo de contribuição.

Sobre o autor
Carlos Eduardo da Silva Souza

Advogado, desde 2009, Pós-graduado em Direito Público, com especialidade em direito civil e do trabalho. Atualmente advogado da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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