Ressignificação do papel do puxa-saco

17/11/2022 às 11:35
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Envelhecer, para a absoluta maioria das pessoas normais, é confrontar-se com fracassos, é conviver com uma gama de quases e nuncas. Muitos projetos que não deram certo e muitíssimos outros que acabaram abandonados muito antes de serem tentados.

Mesmo homens de sucesso possuem limitações e certamente falharam em alguma coisa. Veja, por exemplo, multimilionário Jeff Bezos que pode até ter comprado uma ida ao espaço, mas jamais será capaz de conquistar um ouro olímpico numa prova da maratona.

Daí não merecer maior espanto o fato de que eu, mero Zé Ninguém, também ter acumulado uma gama de fracassos. Contudo, é justamente para tentar exorcizar o mais doloroso deles que nasceu este texto, afinal, falhei miseravelmente em ser um puxa-saco e só Deus sabe o quando isso me custou.

Por falta de aptidão bajulatória minha vida profissional foi muito mais dura do que poderia e deveria ter sido, uma vez que teve que se pautar exclusivamente em requisitos como a competência. Mas ao mesmo tempo em que assistia, remoendo-me de inveja, as beneses e honrarias serem direcionadas a uma penca de puxa-sacos, passei a observá-los minuciosamente, tal como um Malinoski [o antropólogo polonês, não o jogador de futebol ucraniano] e num exercício de antropologia social passei a estudá-lo em suas atividades, sem qualquer interferência, buscando entendê-lo a partir da respectiva visão de mundo e não pelo prisma da minha, uma vez que preconceituosa e puxassacofóbica.

Talvez por recalque, talvez pela vã esperança de aprender como tornar-se um deles, passei a observá-los, tal como um leão do Serengueti diante da sua presa. Por vezes quis devorá-los, quis prejudicá-los de alguma forma, até perceber que o que sentia era recalque, inveja em seu mais puro grau. Até passar pela epifania de reconhecê-los, não como um mal necessário, mas como um bem indispensável.

Programei então uma série de ensaios, visando abordar o maior número possível de perspectivas, todas elas voltadas a demonstrar o quão importante são esses profissionais, sobretudo nas repartições públicas e organizações empresariais com formação familiar, onde, do dia para a noite e sem qualquer experiência, uma pessoa torna-se chefe de uma série de pessoas absurdamente mais capazes que ela, tendo que lidar com as inseguranças naturais nesse tipo de situação.

Espera-se, ao final de tudo, não apenas exorcizar minha inveja, mas contribuir para a ressignificação do papel do bajulador ao píncaro da relevância profissional e, na medida do possível, ajudar às pessoas mais novas e que gozem da devida aptidão, para que se amoldem aos requisitos indispensáveis a esta atividade para, dessa forma, poderem usufruir de benefícios pecuniários, diretos e indiretos, horários flexíveis e tudo o mais que se possa conseguir, sem perder tempo com coisas de menor valor como atualização profissional, produtividade e besteiras de igual jaez.

Logo, isso que você está lendo corresponde à gênese de um verdadeiro exercício de alteridade, voltado a revolucionar as visões reacionárias sobre o puxassaquismo e transportando os verdadeiros puxa-sacos ao seu justo e legítimo status social próximo: o topo, sobretudo no universo do serviço público, onde, apesar de a doutrina discutir há anos a superação do modelo burocrático pelo gerencial, jamais abandonou-se verdadeiramente o clientelista.

Espero que com essas linhas, bem como com as que em breve surgirão, possa ajudar outros que tenham ou estejam passando pelo mesmo processo de evolução pessoal para que aprendam a dar o devido valor aos puxa sacos, ou, na melhor das hipóteses, consigam descobrir, aceitar e desenvolver este que deve ser dos mais valiosos dons no mercado de trabalho, público ou privado, além de materializando o axioma bíblico segundo o qual os humilhados serão exaltados!

Sobre o autor
Ricardo dos Reis Tavares

Formado em Direito pela FASE. Aprovado no X Exame Unificado da OAB (2013.1). Formado em Pedagogia. Pós graduado em Direito, Políticas e Gestão em Segurança Pública, pela FASE (2011), Pós graduado em Direito Penal e Processual, pela FASE (2017).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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